sábado, 22 de dezembro de 2012

O casaco azul


A mulher que gostava do Natal pensava longamente nos presentes que ia comprar. Comprava postais, escrevia num rascunho um pequeno texto que ia modificando à medida das pessoas a quem o dirigia. Colava-lhes selos e ia pôr a pilha de sobrescritos num marco de correio. Nem sempre lhe respondiam. Aliás: geralmente telefonavam-lhe. Desistiu no ano em que alguém lhe enviou uma sms que começava assim: “Ho ho ho...”.
      Pensou: “Para o ano vou fazer uma lista das pessoas a quem não vou mandar postais de Natal.” Chegou então à conclusão de que só tinha de comprar um postal de Natal. Ia mandar um lindo postal à Luísa, ao Zé João, à Mariana, à Luisinha e ao Afonso. E ia escrever à Elisa.

A mulher que gostava do Natal passou a tarde do dia 24 na cama, ouvindo as pessoas que iam para as compras e que vinham das compras passar na rua. Tentava ganhar coragem para se arranjar. Quando, finalmente, se levantou, não vestiu, como sempre, a camisola vermelha.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Sonhar com a escola II

Esta noite, como em muitas outras noites, sonhei com a escola. Tinha uma turma como quase todas as turmas: alunos atentos, alunos desatentos. Tentava, já não me lembro como, captar a atenção de todos. Porém, à medida que o tempo passava, mais e mais alunos me entravam pela porta dentro: «Sra. Dra., mais um aluno para a turma.» (a funcionária encolhia os ombros). «Sra. Dra., desculpe...», mais um. E mais outro, e outro, e outro. Estávamos no fim do período (a sala estava na penumbra), e as sombras iam entrando, até - como já acontece nas verdadeiras salas da minha bem iluminada escola - eu olhar e ver um mar de pessoas, sentadas já nos lados, sentadas já de lado. Como vou avaliá-los, e já estamos no fim do período, perguntava-me eu. A certa altura, entravam pessoas da Direcção, e da Associação de pais, e eu continuava a  tentar, a tentar.

Quando chegou o intervalo, evitei os adultos que se amontoavam junto ao bar e comemoravam qualquer coisa, saí para o pátio (da casa da minha avó), subi a escada, bati ao batente e entrei nessa casa da minha infância, essa casa onde não havia trabalho nem preocupações, só férias e livros.

Uma profissão miserável



No último dia de aulas, vim para casa triste e desanimada. O *****, que é meu aluno há três anos, está sempre (sempre sempre sempre sempre sempre) distraído. Advirto-o. «Ó *****...», gasto-lhe o nome. Está sempre corado de jogar futebol nos intervalos, da excitação de dizer larachas, de me tentar fintar, de se meter com as meninas. Passa as mãos no cabelo vezes sem conta e veste-se com aprumo - embora o tempere com displicência q.b. Acho graça ao *****, mas sei, e digo-lhe, que tamanha brincadeira não pode dar resultado. Durante dois anos e quatro meses, o ***** ignorou-me (não direi olimpicamente, pois ele não é assim) sistematicamente.

Na sexta-feira, autoavaliação. O ***** arrepelou-se todo. Que eu sou muito injusta, que lhe devia "dar" uma positiva. Lembro-lhe que ele é que tirou negativas. Repito, como em penitência, o rol de tudo quanto lhe tenho dito. Em último recurso, digo-lhe que tem de assumir, agora, a brincadeira das aulas. O ***** está muito aborrecido, fala alto, faz má cara, levanta-se, faz «Oooooh», tenta convocar a benevolência dos colegas para a injustiça que eu estou a cometer (as notas são dele, é ele que está a preencher a ficha de autoavaliação). Zanga-se. Arrepela-se todo.
Também eu fico triste. Não gosto de ver alunos que se confrontam com o seu insucesso (sobretudo quando - e é a esmagadora maioria dos casos - esse insucesso resulta da sua ausência de atenção nas aulas, mais ainda do que da clássica falta de trabalho). Custa-me. Fico triste por não lhe poder «dar» a positiva, como quem dá um bonbom, como quem dá um presente.

Venho para casa triste e desanimada. Devia estar doida quando resolvi ser professora, eu que sonhei com tradução (literária, ainda por cima). Lutar apenas com a frase justa, a palavra justa. Aprender, em vez de tentar, miseravelmente, falhando sempre, ensinar.

Sonhar com a escola I

 
 
É muito frequente sonhar com a escola (com o trabalho).

Há vários dias que não-professores me dizem «Já estás quase de férias...» com ar de quem diz «Anima-te.» Não, não estou quase de férias. Ser professor é um trabalho pessoal e intransmissível. Quem não o é tende a mitificar tudo: férias, trabalho, ordenado.

Os mais sensíveis, os mais sinceros, admitem «Era incapaz de ser professor(a)»; «Eu só tenho três e já não posso mais, imagino o que seja lidar com tantos a mesmo tempo.»; «Podias vir connosco para * ****. És uma tesa!», assim como eu admito que podia ser tudo, menos médica, enfermeira ou auxiliar de acção médica.

Interrogo-me sempre por que motivo algumas pessoas parecem odiar professores. O Miguel Sousa Tavares, por exemplo (bem, ele de momento odeia estivadores. Eu não. É trabalho que eu também não gostaria de fazer). O que os faz odiar professores? Más experiências, por certo. Mas todas? Um professor, ou mais, que sugeriu correcções a textos que julgava perfeitos (lembro-me deste exemplo porque faz parte do meu dia-a-dia)? Uma nota inferior à de outro, inferior à que julgava ter direito? Todos temos prática neste género de coisas; só que uns aceitam isto como fazendo parte da lei da vida, e outros não.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Melhor é impossível

Este texto, que li hoje no Público on-line, é da autoria de Joana Gorjão Henriques. Podia glosá-lo ou parafraseá-lo... mas não era a mesma coisa.
 
 
«O que fazer com a lasanha que hoje estava deliciosa mas amanhã não me apetece? Ponho-a no frigorífico ou vou oferecê-la à vizinha? Por que é que não peço mais vezes para me embrulharem os restos da dose que pedi no restaurante? E se fizesse em casa o dia dos excedentes e não deitasse fora o iogurte que passou do prazo há um dia?
No momento de decidir o que fazer com restos de comida, muitos acabam por deitar para o lixo aquilo que outros – e até nós próprios – poderíamos aproveitar.
A propósito da apresentação, esta quinta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, do primeiro estudo sobre desperdício de comida feito em Portugal, Do Campo ao Garfo - Desperdício Alimentar em Portugal, pedimos aos líderes de duas organizações que reaproveitam comida dos restaurantes para revelarem conselhos de como, em casa, não acrescentar mais gramas ao milhão de toneladas de alimentos que todos os anos se desperdiça em Portugal – o que corresponde a 17% dos alimentos produzidos, e o maior desperdício acontece na fase final do consumo das famílias.
O americano Hunter Halder fundou em Março de 2011 o Re-Food, que vai buscar as sobras dos restaurantes e as distribui por quem precisa na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa. No dia 26 de Dezembro a Re-Food organiza neste bairro o Natal feito à base de sobras. António Costa Pereira é o criador da associação DariAcordar, que lançou o movimento Zero Desperdício, com um conceito semelhante – desde Abril recuperaram mais de 70 mil refeições e 40 mil produtos de venda de máquinas automáticas para ajudar três mil pessoas em Loures, Cascais, Sintra e Lisboa.
Hunter Halder – Re-Food
“Digo o mesmo sobre o desperdício familiar que digo do desperdício comercial: não sabemos o poder que cada um de nós tem para mudar o mundo. Usar esse poder é uma decisão nossa, porque cada um tem a capacidade de evitar o desperdício de toneladas e toneladas de alimentos.”
1. Reeducar para valorizar a comida
"A comida é preciosa, mas não aprendemos a valorizá-la, o nosso comportamento não mostra isso. Os nossos avós e bisavós, que viveram a Grande Depressão dos anos 1930, diziam-nos que deitar comida fora era um pecado – viveram situações de privação em que a comida era preciosa."
2. Planeamento: preparar a quantidade de comida certa, não ter mais olhos que barriga
3. Triagem imediata dos restos, prever o futuro da lasanha
"Para mudar comportamentos, é preciso usar instrumentos que os facilitem. Por exemplo, não fazíamos a separação do lixo e hoje temos três caixotes: um para o papel, outro para o vidro, outro para o orgânico. Ou seja, temos instrumentos para apoiar o comportamento. No caso da comida tem de haver uma triagem imediata. Se sobra comida a uma refeição, normalmente ponho-a no frigorífico. Mas devemos tomar logo uma decisão: vou comê-la amanhã? Se pararmos dois minutos para pensar, se calhar pensamos que a lasanha que sobrou estava óptima, mas amanhã vai-nos apetecer comer frango. Então podemos dar o resto ao vizinho ou à família. Tenho uma vizinha que vive de comida 'reciclada'. Outra hipótese é entregá-la a uma organização local que faça a redistribuição de sobras."
4. Planeamento: pedir a dose de comida certa num restaurante, pedir meia dose em vez de uma, partilhar a dose com outra pessoa
5. Se sobra comida no restaurante, pedir para embalar o resto
"Se sobra comida dos clientes, não há nada que o restaurante possa fazer com isso. Então cabe à própria pessoa tomar a decisão do que vai fazer. Esse resto pode ser aproveitado para uma refeição mais tarde, ou ser entregue a uma entidade local que faz redistribuição ou oferecida a alguém – o que cada pessoa desperdiça num restaurante é talvez o mesmo que o nosso projecto recolhe por noite – 300 refeições diárias."

António Costa Pereira – DariAcordar
“Basicamente, estamos a falar de alterações de atitude na sociedade – recuperando alguns dos bons hábitos do tempo dos nossos pais e avós e respeitando o imenso valor dos alimentos que nos chegam à mesa, isto é, efectuando compras avulsas.”
6. Fazer uma ementa de refeições, para ser mais fácil organizar uma lista de compras (que idealmente deve ser diária ou semanal, evitando as grandes compras mensais).
7. Ter atenção aos prazos de validade na compra dos produtos, sabendo a diferença entre “consumir de preferência antes de" (menos restrito) e “data-limite de consumo” (quando não se deve mesmo ultrapassar o prazo).
8. Organização na despensa e/ou frigorífico, colocando à vista os produtos com prazos de consumo mais curtos.
9. Servir no prato menos quantidade (podendo servir mais vezes), a fim de evitar o desperdício do chamado “resto de prato”
10. Com tanta informação (muita dela na Internet) sobre receitas para aproveitamento das sobras para outros pratos (empadão, tortilhas, açorda, pão ralado, batido de frutas, etc), podemos reaproveitar esses excedentes criando em casa “o dia dos excedentes” – explicando aos filhos o que se pretende, eles aderem e tornam-se o garante futuro desses bons hábitos.»

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Dizer m**** num blogue escolar II


Aproveito o pretexto do Oscar Niemeyer para vos falar da Sara. Conheço-a desde muito pequenina. Cresceu bem, a Sara: é uma rapariga esperta, inteligente, coerente. Há tempos emigrou para a Suíça. Encontrámo-la no café no sábado passado e estivemos a conversar um bocadinho.
 
A Sara contou-nos uma história que já vi declinada de muitas formas: na Suíça, quem mais a explorou foi um português. É engraçado, não é? Mas essa é uma história sem "estória"...

Graça, graça, foi a descrição de um emigrante que tinha ido ao café onde a Sara esteve a trabalhar. Foi lá porque o dono é português. Só vai a lojas portuguesas. Sabe de cor o turno de uma rapariga portuguesa que trabalha numa bomba de gasolina. Só pode frequentar esses locais porque não sabe uma palavra de francês.

Até aqui tudo bem. O pior foi quando começou a dizer à Sara que tinha muito dinheiro, que era rico, que tinha uma casa no Algarve e outra na Madeira...
 
Era sábado de manhã. Nós estávamos absolutamente suspensos da boca da Sara, que se abriu para dizer o que a Sara pensou: "Uma boa merda, é o que tu tens." Uma boa merda.
 
 
 

Dizer m**** num blogue escolar I



Os franceses resolveram muito bem esta questão: socorrendo-se de uma história cuja veracidade está por atestar, inventaram o eufemismo "mot de Cambronne", isto é, a palavra que o general Pierre Cambronne terá dito ao seu homólogo britânico quando este o mandou render-se. Eu própria, que nunca digo palavrões, permito-me dizer "merda" quando quero desejar sorte a alguém que vai fazer uma apresentação oral.´"É gíria teatral", digo eu à laia de desculpa.
 
Apesar dos meus pruridos, ontem deliciei-me com a peça com que a TVI ilustrou, no telejornal, o carácter e a vitalidade de Oscar Niemeyer. O meu querido centro de recursos enviou-me hoje de manhã a transcrição. É assim:
 
«A minha arquitetura não é uma solução pra arquitetura, é a minha arquitetura. Assim como na pintura a gente tá de acordo de que não existe a pintura antiga e moderna, existe a boa e a má pintura. Na arquitetura é a mesma coisa. O ideal é cada um procurar o seu caminho e fazer o que gosta. Eu confesso a você que eu tô um pouco cansado de falar de arquitetura. Porque as coisas se repetem, a conversa é a mesma, as perguntas são as mesmas. Mais importante do que a arquitetura é estar pronto pra protestar e ir na rua, isso que é importante, é o sujeito se sentir bem, sentir que não é um merda, que ele tá ali pra ser útil...»

 
 
Quando for (mais) velha, quero ser assim: coerente e desbocada. Uma sábia.


Já agora: o endereço da Fundação Oscar Niemeyer.

Obituário: Oscar Neimeyer

Ninguém queria que eu fosse a Brasília, mas para mim estava fora de questão ir ao Brasil e não ir a Brasília. Afinal de contas, era um projecto utópico em que a arquitectura desempenhou um papel central.

 
 
 
Embora tenha visitado Brasília a pé - o que ninguém faz, a minha intuição confirmou-se: adorei a cidade monumental...
 
 
 
... mas também os bairros projectados pela parceria Lúcio Costa/Oscar Niemeyer para os habitantes. Belas "quadras" (quarteirões) arborizadas, com prédios inspirados por Le Corbusier, isto é, com a parte inferior suportada por "pilotis", permitindo uma leitura contínua das áreas ajardinadas.
O que me parece (leiga como sou) notável em Niemeyer é a depuração e simplicidade do traço, que depois é sustentada na atenção aos pormenores. Uma perfeição quase mística.
 

Há dois anos visitei um Centro Cultural de Avilés (Espanha), projectado por Niemeyer. De idade avançada, sem ter nunca visitado o local da obra, desenhou isto:


 


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

"A primavera há-de chegar, Bandini"

Só vos falei do filme de há pouco porque o Jeremy Irons "em velho escritor" comenta o livro que o plagiador premiado lê no parque: um livro de John Fante. Um bom escritor, que já ninguém lê... perdão, eu (graças aos meus amigos de sempre) ando a lê-lo - e estou a adorar.
 
 

"As palavras", ou de como em terra de cegos que tem um olho é rei


Em circunstâncias normais, nunca me lembraria de vos falar deste filme. Acontece, porém, que, desde que os filmes de culto do Bragashopping só acontecem ao sábado, acabou-se, para mim, o cinema. Vejo filmes, mas não cinema...




 

"As palavras"



"As palavras" é um filme de Brian Klugman e Lee Sternthal que põe em cena um escritor que, apanhado num conjunto complexo de circunstâncias - o que aliás, em nada o desculpa -, acaba por cometer plágio com sucesso - no sentido em que não é "apanhado". Com uma estrutura complexa (eu diria que se trata de um filme dentro do filme dentro do filme), bem escrito, o filme perde-se na escolha e direcção de actores. Se o Jeremy Irons é fabuloso, o actor que o encarna em jovem é pouco mais do que uma nódoa de boa aparência. Um desperdício...
 

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Banda desenhada para adultos III

O dinheiro nunca me chega para comprar todos os livros que quero, e muito menos para comprar todas as bandas desenhadas que gostaria. Foi por isso mesmo que, depois de ter gasto uma fortuna (para os meus parâmetros) em livros da última vez que fui a Lisboa, deixei lá ficar o álbum La chair de l'araignée. Nem de propósito, no outro dia sentei-me a ver um bocadinho do programa "Yourope", do canal Arte, e lá estava Marie Caillou e Hubert, os autores desta obra que põe em cena a anorexia...
 
http://www.bdselection.com/imagesbd/l/lachairdelaraignee/lachairdelaraignee_1.jpg

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

"Bartleby" de Herman Melville

 
O livro da comunidade de leitores de hoje é um texto breve, para uma comunidade diminuta, cuja duração se prevê curta. E está muito bem, dado que se trata do famosíssimo, enigmatíssimo (?) e influentíssimo
 
Bartleby é o nome de um escrivão, ou copista, cuja frase emblemática constitui uma espécie de graça privada para iniciados: «Preferia não o fazer.». De um ponto de vista literal, podíamos encontrar nesta novela um daqueles funcionários que, obedecendo escrupulosamente aos  constrangimentos exteriores do seu trabalho (cumprir horários, por exemplo), na verdade não cumprem o seu conteúdo funcional. Lembro-me sempre com irritação daquelas mensagens electrónicas enviadas por organismos públicos ao fim-de-semana, ou de madrugada...
 
Mas é a redução ao absurdo, a apatia, a abulia de Bartleby que tornou este livro tão conhecido. Até é natural que em 1853 - data em que foi publicado - a novela tenha deixado o público norteamericano indiferente. No entanto, além de ser um espécie de precursor de Kafka, esta obra de Herman Melville (também autor da ainda mais famosa Moby Dick), influenciou directamente outros escritores: o primeiro livro de Henrique Vila-Matas que li, e que me deixou fascinada (um livro sobre livros, haverá melhor?): Bartleby & companhia,
 
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbffNBivMtP21iYvqQ7d_EbOueVRcw0pSBBQ9PKET4fPf6_SskNgwtTA8Lx6Sw0DF2CuGKYNuFAy3_Q80yQKwQjfvR8StCXTa1Yh_z8R4FwMBZ-atMxTjmO1eVqC8VuPlFFR2lIoqIDro/s320/972-37-0629-6.JPG

o protagonista de A vida modo de usar, de Georges Perec (um dos livros da minha vida): Bartlebooth.

http://bibliotecariodebabel.com/ficheiros/perec1.jpg
 

Mas não só: há,  na obra de Perec, outras personagens cujas obsessões fazem lembrar grandemente o copista melancólico.

Porque Bartleby, mais do que um copista, fora um leitor de cartas extraviadas e, por isso, destinadas à destruição (assim como em La vie mode d'emploi há uma personagem cujo labor consiste em salvar palavras eliminadas dos dicionários): palavras nunca lidas pelos seus destinatários.

Haverá pior destino do que conviver com todos esses restos de vidas desperdiçadas?

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O original de Cole Porter


As privatizações do ponto de vista histórico-filosófico-sociológico

 
 
Li no Público de ontem uma entrevista ao autor Alain de Botton, que veio a Portugal proferir uma conferência dedicada ao tema genérico "Inovar a reforma", um tema que só me interessará daqui a longos anos (quando tiver quarenta e três, 43, anos de serviço). Como a reforma é, para mim, (se entretanto não "cair da tripeça", que é o mais certo, deitando assim o dinheiro - e os respectivos juros - que desconto há vinte e sete anos ao caixote do lixo do Estado) um assunto muito, muito remoto, deixo-vos aqui uma reflexão que, filósofos sociais ou não, todos poderíamos fazer:
 
"Botton não acredita no desinvestimento ou emagrecimento do Estado social, nem na alternativa de criar um sistema privado para as reformas, em que as pessoas tomam conta das suas próprias poupanças para o futuro. Acha, sim, que os problemas da gestão pública são sobretudo resultantes da burocracia. A solução não está nos privados, que em casos como no Reino Unido, no sector dos comboios, se mostraram igualmente ineficientes, diz."

As privatizações do ponto de vista da economia doméstica



No Verão, li no i um artigo que recordo periodicamente. A autora, Inês (?) Teotónio Pereira, afirmava que uma sua amiga estabelecia, relativamente às privatizações, a seguinte analogia: é como se tivesses uma empregada diária e encomendasses comida fora.

É uma comparação que traz consigo uma marca de classe, mas talvez tenha sido, por isso mesmo, das mais eficazes que já li (além de que partilhar, ou distribuir, o dinheiro que se ganha com alguém não tem mal nenhum. Perguntem lá às empregadas domésticas se preferem ficar sem trabalho...).
 
Naturalmente, num tal negócio só ganhariam as empresas ou restaurantes com pronto a comer...
 

 

Aldrabice editorial em "Fun home"

Abro o blogue e reparo na cor da imagem do "post" anterior, obtida a partir de um "site" brasileiro. O meu álbum, que não foi assim tão barato, é a preto e branco. Leio a crítica que José Mário Silva escreveu no suplemento Atual do Expresso de 8/9/2012 e descubro que o original tem uma "(...) aguada verde-cinza", que a autora descreve como "uma qualidade sombria e elegíaca".
 
Além de não respeitar as características artísticas da obra (características significantes, como se depreende dos dois adjectivos qualificativos), a editora e as livrarias arriscam-se a que, para a próxima, prefiramos comprar o original on-line.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Banda desenhada para adultos II

 

Na sequência de Maus e Persepolis, surge Fun Home, de Alison Bechdel.

Um traço "americano" clássico serve uma nova narrativa autobiográfica, na qual a história e a política (o caso Watergate), ao contrário do que sucedia em Maus e Persepolis, surgem apenas como pano de fundo.
 
Mas Fun Home é igualmente desaconselhável a menores de dezasseis anos, dadas as características particulares da família da protagonista. O subtítulo português, "uma tragicomédia familiar", mostra uma família disfuncional, onde todos coexistem no mesmo espaço, mas estão desconectados uns dos outros.
 
A obra de Alison Bechdel tem ainda um ingrediente que está ausente das outras obras: a inserção, e comentário, de obras literárias que marcam o crescimento intelectual da protagonista e do pai: A morte feliz, de Albert Camus, O grande Gatsby, de Scott Fitzgerald, o primeiro volume de Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust e, sobretudo, o Ulisses de James Joyce. Mais ainda, o início e a conclusão da narrativa são marcados por uma interpretação, inicialmente prosaica (o jogo do "avião", em que o adulto, deitado no chão, sustenta a criança nas pernas estendidas), depois fundadora do ponto de vista narrativo e pessoal, do mito de Ícaro.
 

Ainda assim, uma das coisas que mais me atrai em Fun home é a omnipresença obsidiante da casa na narrativa. Poderia ficar duas horas a escrever acerca disto (na verdade, nada me agradaria mais... mas tenho de ir dar aulas já, já, já). Não podendo, sempre vos digo que Alison compara a sua casa e a sua família à Família Addams. Por que será?
 
 

História via BD

Banda desenhada para adultos I


Achava eu que já tinha escrito neste blogue acerca de um dos romances gráficos que mais apreciei: Persepolis. Afinal, vim a descobrir que só falei nele de raspão.

Tinha até muitas razões para o referir: há quatro anos preparei uma aula de 9º ano de Francês com um cheirinho da obra e da sua autora, Marjane Satrapi. E, no ano passado, a Céu organizou, aqui na escola, um visionamento do filme correspondente.

Não escrever acerca desta obra é uma lacuna grave: regra geral, considera-se que Maus, de Art Spiegelman (que temos cá na Biblioteca) constitui a obra pioneira deste género emergente. Persepolis sucede-se-lhe. Se aprecio mais o traço de Spiegelman, considero que Satrapi tem muita qualidade gráfica - de tal forma que encontro na manta de retalhos feita por Raina, em Blankets, de Craig Thompson,  a proliferação de arabescos árabes. Além disso, têm em comum o facto de desenharem narrativas autobiográficas autoficcionais extremamente pungentes. Nesse sentido, este tipo de banda desenhada nada tem a ver com as que líamos em novinhos: Astérix, Tintin, Gaston Lagaffe, Spirou e Fantásio; nem sequer com os livros da Marvel, que li, não por amor, mas por desfastio.
 
Não, Maus e Persepolis são para adultos, e com bom estômago.

Podem ler na Wikipédia esta entrada e no Youtube este excerto do filme.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Livros para jovens inquietos I



Ontem, já nem sei a propósito de quê, disse aos meus alunos do décimo ano que estavam mesmo, mesmo, na idade de ler A metamorfose, de Franz Kafka. E contei-lhes o início (só mesmo o início).
 

Como estas coisas não se devem dizer de ânimo leve, hoje vim aqui à Biblioteca verificar se tínhamos o livro. Claro que temos.  E deixo-vos aqui o início dos tormentos de Gregor Samsa:
 
"Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseado num monstruoso insecto. Estava deitado de costas, umas costas tão duras como uma carapaça, e, ao levantar um pouco a cabeça, viu o seu ventre acastanhado, inchado e arredondado em anéis mais rígidos, sobre o qual o cobertor, quase a escorregar, dificilmente se mantinha. As suas numerosas patas, lamentavelmente raquíticas, comparadas com a sua corpulência, remexiam-se desesperadamente diante dos seus olhos.
«O que me aconteceu?», pensou."

Se eu me desse ao luxo de recorrer a alguns lugares-comuns que dão muito jeito (mas que eu rejeito), começaria o meu comentário da seguinte forma:

«Muito haveria a dizer acerca desta obra de Kafka. Dada a escassez de espaço (?) e de tempo, dir-vos-ei apenas que o problema de Gregor Samsa replica, de alguma forma, as angústias de todo o ser humano - e, por maioria de razões, dos adolescentes - no confronto com a família e com os outros.»


Mas, como já sou adulta e, neste momento,  o (excesso) de trabalho é uma das minhas principais preocupações, preferia dizer-vos que A metamorfose problematiza a questão da alienação no trabalho. Leituras muito parciais, que cada um colmatará como entender.
 
 
 

Caminhar junto até à água



 
não são as luzes nem os animais
o esplendor
nem as mudas palavras onde a voz
difusa se separa

caminharemos junto à água, até
ao recordar dos promontórios,
ao olhar
a invenção do inverno

e recolhidos
no brusco ardor dos
anos breves

ouvindo cintilar
a frívola passagem
dos sinais

António Franco Alexandre

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Prefiro "A casinha do ursinho Puff"





A MÃO



Vinte e sete ossos,

trinta e cinco músculos,

cerca de duas mil células nervosas

em cada uma das pontas dos cinco dedos.

É quanto basta

para escrever Mein Kampf

ou A Casinha do Ursinho Puff.

(Wisława Szymborska)





[in http://bibliotecariodebabel.com/tag/wislawa-szymborska/]

A petição por que eu esperava...

... foi-me mandada pela Elisa. Ora leiam:


http://www.avaaz.org/po/petition/Contra_a_liberalizacao_das_plantacoes_de_eucalipto_em_Portugal/?tsPDKab




Contra a liberalização das plantações de eucalipto



Foi recentemente avançada uma proposta da alteração da legislação sobre Arborização e Rearborização, a qual abre a porta à liberalização das plantações de eucalipto em Portugal. Sabendo que o eucalipto é uma espécie invasora que aloja uma baixa biodiversidade e potencia os fogos, factor crítico em Portugal, pedimos que considerem esta alteração e que evoluam no sentido de proteger o nosso património natural ao investir na plantação de espécies nativas portuguesas, as quais reduzem os fogos e potenciam a biodiversidade.Para mais informações, consultem o pdf da proposta de alteração aqui: http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CHQQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.afn.min-agricultura.pt%2Fportal%2Foutros%2Fnoticias%2Fresource%2Fficheiros%2Facoes-arborizacao-e-rearborizacao&ei=VpsdUOnbDIeBhQfXbw&usg=AFQjCNE7GxrhZ-rzto53DYsr9PBLbE0cxQ

http://www.avaaz.org/po/petition/Contra_a_liberalizacao_das_plantacoes_de_eucalipto_em_Portugal/?tsPDKab

Um blogue a ter em conta

 

As críticas de José Mário Silva são - para ser sucinta - muito justas. Lia-o na secção "Actual" do Expresso, na Ler e, doravante, tenciono segui-lo no blogue: http://bibliotecariodebabel.com/

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Entretanto, contento-me...


... a folhear o meu exemplar do Diário Gráfico de Braga, editado pela Fundação Bracara Augusta.

 

Diário Gráfico

Se fosse a Lisboa, ia ver...

... a exposição de Eduardo Salavisa.

  

Como não vou, contento-me em folhear - e em recomendar atodos, e aos meus alunos em particular - a consulta de  http://www.diariografico.com/ e http://diario-grafico.blogspot.pt/.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A escola, como uma casa



 
Famílias felizes e famílias infelizes

Se todas as famílias felizes são iguais,
também o são todas as famílias infelizes,
cujas vidas celebramos
porque estão cheias de movimento e ardor,
porque elas são aquilo que pensamos que a vida é.
Alguém mente e alguém está a ser
vítima de mentira. Alguém é agredido
e alguém é o sujeito da agressão.
Alguém reza, ou chora
porque não sabe como rezar.
Alguém bebe durante a noite;
alguém se encolhe nos cantos;
alguém ameaça e alguém suplica.
Palavras azedas à mesa,
soluços amargos no quarto;
represálias surdas no espelho da casa de banho.
A casa estala com segredos;
todos preparam o seu plano de fuga.
Alguém se desmorona sem produzir um som.
Às vezes, alguém sai de casa
numa maca, num silêncio terrível.

Quanta energia gasta em sofrimento!
É como um fogo que arde sem parar
mas não consegue arder até ao ponto da sua extinção.
As famílias infelizes nunca são indolentes;
estão sempre em acção,
ao contrário das outras, as felizes,
aquelas em que nunca se levanta a voz
ou se cospe sangue, aquelas que nunca
fizeram nada para merecer a felicidade que têm.

Lisel Mueller

A importância de ler "Anna Karenina"


anna karenina

Em Junho, reli Anna Karenina de Léon Tólstoi. Apesar de se tratar de uma leitura inquietante, de ter a noção de que me lembrava de muito pouco, talvez do menos importante; ou de que amadureci/envelheci muito desde então, o que alterou grandemente os meus interesses e prioridades, a-d-o-r-e-i. É maravilhoso ter livros assim para ler ou reler.  Essa releitura levou-me a mudar a introdução ao nosso livrinho de cozinha, que fazia, justamente, uma alusão ao início do romance.
Esse preâmbulo, que acabei por apagar, glosava o tema das escolas felizes (se têm ou não têm histórias). Em Junho do ano passado, apesar de todas as vicissitudes, sentia-me feliz na escola. Este ano, com a enorme (colossal) sobrecarga de trabalho que nos caiu em cima - a mim particularmente, ou estarei a ser "autocentrada"? - até me arrepio a pensar que um tal texto poderia andar por aí a circular...

Um poeta (de Cervães) homanageia outro poeta




(Fotografia: António Sabler in http://duas-ou-tres.blogspot.pt/)


O PINA


«São várias as tribos que habitam a cidade. Entre elas há uma, talvez a mais insignificante de todas, constituída por poetas para quem poesia e salvação do mundo são uma e a mesma coisa.


Com a morte do Eugénio de Andrade, e sem se dar conta, o Pina passou a liderar essa tribo. Ele é em muitos aspectos a antítese do Eugénio: não estou a ver nenhum jovem poeta cheio de borbulhas a tocar à campainha do n.º 119 da Rua de S. João Bosco. O Pina é um judeu zen, de uma docilidade extrema. Um sportinguista apaixonado pela teoria das cordas.

Foi a experiência da poesia que nos aproximou. Passaram muitos anos, desde que nos conhecemos a uma mesa do Piolho: encontros em outros cafés, em casa, telefonemas quilométricos depois do jantar. A poesia continuou sempre presente: às vezes apenas num verso e ultimamente cada vez mais no silêncio.»



Jorge Sousa Braga

(texto publicado no Jornal de Letras, num número de homenagem a Manuel António Pina)



segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A morte saiu à rua num dia como sexta


Assim chega o viajante à tardia idade / em que se confundiram ele e o caminho


O REGRESSO


Como quem, vindo de países distantes fora de

si, chega finalmente aonde sempre esteve

e encontra tudo no seu lugar,

 o passado no passado, o presente no presente,

assim chega o viajante à tardia idade

em que se confundem ele e o caminho.


Entra então pela primeira vez na sua casa

e deita-se pela primeira vez na sua cama.

 Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,

cidades, estações do ano.

E come agora por fim um pão primeiro

sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.


Como se desenha uma casa (Lisboa: Assírio & Alvim, 2011)

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Perigos da aldeia global



Não pensem que encontrei este vídeo sozinha... não, fui buscá-lo ao sítio do costume... onde encontrei  estoutro, a não perder...

Música para os meus ouvidos




"Summertime", de George Gershwin, interpretado por Ella Fiztgerald...

terça-feira, 16 de outubro de 2012

O artigo que eu gostava de ter escrito... mas não escrevi.

No Página 23 (http://blogues.publico.pt/pagina23/) de hoje:

«Mentir melhor para vender melhor


 
For­jar notí­cias fal­sas para mel­hor cap­tar a atenção é o que estão a fazer alguns depar­ta­men­tos de mar­ket­ing. Men­tir mel­hor para vender mel­hor pode­ria ser o lema. Depois de se ter ficado a saber que a muito noti­ci­ada história de amor de um jovem que andava por Lis­boa “à procura de Diana” era, afi­nal, uma cam­panha de uma marca de roupa, eis que se toma con­hec­i­mento de uma nova men­tira para con­quis­tar a atenção e vender alguma coisa. Desta vez, como hoje noti­cia o Público, o pro­tag­o­nista é um jovem can­tor muito pop­u­lar. Na sem­ana pas­sada, as notí­cias davam conta de um assalto a sua casa. Agora, ficou a saber-se que a men­tira era um expe­di­ente para impin­gir o seu vídeo mais recente. Para que a men­tira, que causa óbvios pre­juí­zos à cred­i­bil­i­dade dos media que invol­un­tari­a­mente a difun­dem, não fique impune, era bom que não se fizesse mais qual­quer refer­ên­cia a quem patrocina e ben­e­fi­cia com estas tra­paças. E para que nem tudo valha, assim evi­tando que a men­tira, infil­trada osten­si­va­mente no corpo noti­cioso, se apre­sente como “valor” emer­gente, era bom que os engana­dos não fos­sem a seguir procu­rar os pro­du­tos dos enganadores.»

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

"O nome da discórdia", um filme a ver



Na sexta-feira fui ao Bragashopping ver este filme simpático, engraçado, inquietante. Tal como às vezes acontece com certos filmes de Roman Polanski (especialmente com "O deus da carnificina"), fiquei com a sensação de estar a assistir a uma peça de teatro, muitíssimo bem escrita e interpretada,  "passada" para filme por Matthieu Delaporte e realizada por este e por Alexandre de La Patellière.

Quando levo um filme francês para dar nas aulas, é comum ouvir «Eu não gosto de filmes franceses!».
O Diogo, então, nunca falha (mas depois adora e é o primeiro a perguntar: "Madame, quando é que traz outro filme?»).
 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Puro deleite, ao alcance de um clique

Gosto muito de ouvir rádio: até as notícias prefiro ouvir (quando não as posso ler todos os dias, como gostaria). A televisão angustia-me (vejo cada coisa...) e irrita-me: parece-me haver pouca investigação, é muito frequente irem "a reboque" das notícias dos jornais dos dias anteriores.

Tenho uns fetiches: gosto muito de ouvir a Antena 2 e adoro ouvir o Pedro Malaquias (é raro conseguir, que eu trabalho), ouço muito a TSF e às vezes a Antena 1.

Ao Domingo, quando estou em casa, delicio-me com "A cena do ódio", um programa de David Ferreira e Catarina Limão. Um programa temático, de extremo bom gosto.

 

Se clicarem em  http://www.rtp.pt/play/p651/e94639/a-cena-do-odio, vão ver como às vezes, mesmo quando o verão passou (montado numa bicicleta), o Outono chega em todo o seu esplendor... e não digam a ninguém, mas os "podcast" estão todos lá, disponíveis...

Novidade escaldante: as colunas de som do gabinete da Margarida III



Miles Davis: maravilhoso (a minha música preferida para trabalhar e namorar)

Novidade escaldante: as colunas de som do gabinete da Margarida II





Keith Jarrett: bom, muito bom.

Novidade escaldante: as colunas de som do gabinete da Margarida I



O Yves Montand novinho, novinho, novinho...

Sem pressas, folhas mortas



 



Não me mostres nenhum norte

nem estradas para lá:

são tudo embustes.



Mostra-me antes pedras, folhas mortas

de Outono atapetando o chão das matas,

voos de libelinha rasando o sol poente,

cândidas risadas infantis.



Quero eu dizer: mostra-me coisas

daquelas que se corrompem sem pressa.    
(A. M. Pires Cabral)   In http://toutinegraboinapreta.blogspot.pt (with a little help from my Centro de recursos)



segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A nossa comunidade de leitores: felicidade em dose mensal

 

O livro que vamos ler na "Comunidade de leitores" é Felicidade, de Will Ferguson. A Isabel Costa emprestou-mo no Verão passado e gostei muito, tanto por se tratar de um livro muito engraçado, como por desmontar muita da parafernália new age, auto-ajuda, "chá-lá-lá" (como diz a minha irmã). Em tempos de crise, é útil e premente analisar estes mecanismos, que constituem perigos reais para pessoas crédulas. Fazê-lo divertindo-nos é ainda melhor.

L'écume des jours, A espuma dos dias



Uma das cenas inesquecíveis do livro A espuma dos dias ocorre quando Colin, tentanto salvar a sua amada Chloé, arranja um trabalho.
Uma forma rápida de ganhar dinheiro (para quem não quer plantar eucaliptos para além dos limites do razoável, ou para quem não quer optar pela venda de droga) consiste em empregar-se na indústria de armamento. Para fazer armas é preciso calor humano, pelo que Colin se deita, despido, sobre doze buracos perfurados no solo, repartidos entre o fígado e o coração. Assim, nesta obra(-prima) de Boris Vian, a indústria do armamento não aniquila apenas aqueles que são atingidos pelos seus projécteis, consome, também, aqueles que os produzem.

Colin, com a sua total inépcia para o trabalho, produz armas defeituosas, não conseguindo assim ganhar o dinheiro de que precisava. Quando um operário lhe mostra a sua produção, verifica-se que, em vez de armas, o corpo de Colin fabricara uma bela rosa branca.

domingo, 7 de outubro de 2012

Um pequeno país com "florestas imensas" (de eucaliptos)

É curioso constatar que os eucaliptos, originários da Austrália e da Tasmânia, adquiriram recentemente uma estreita ligação a Portugal, e assim é que um país tão pequeno (mas tão ansioso por ganhar dinheiro rápido...) constitui uma referência na Wikipédia:

«Certaines espèces, notamment E. globulus, ont été introduites en Europe, où elles se sont très bien acclimatées sur les rivages méditerranéens, ainsi qu'au Portugal, où d'immenses forêts d'eucalyptus ont été plantées pour la production de pâte à papier. » (http://fr.wikipedia.org/wiki/Eucalyptus)

"Quizz" rápido do eucalipto

  • Por onde andam a plantar eucaliptos?
África do Norte (Argélia, Marrocos, Líbia e Tunísia), África do Sul, Papua Nova Guiné, Brasil, Chile, Índia, Tailândia. E Portugal.
  • Por que motivo crescem tão rapidamente estas árvores?
porque consomem muita água e muitos nutrientes e (quase) não têm parasitas.
  • Por que motivo exponenciam elas a erosão dos solos?
 porque consomem muita água...

  • Por que motivo são nocivas à prática agrícola?
porque consomem muitos nutrientes...

Por que motivo não devem estas árvores, originárias da Austrália, substituir a floresta autóctone?
porque põem em perigo a biodiversidade.

  • Por que motivo se receia que a floresta arda mais rapidamente com a expansão de áreas de plantação de eucalipto?

(resumindo, e muito) porque o eucalipto é uma espécie altamente inflamável

  • O que significam as metáforas "efeito eucalipto" ou "eucaliptização"?
Secar tudo à volta, tornar estéril


Documentação disponível no sítio (ainda assim, cauteloso) da Food and Agriculture of United Nations (http://www.fao.org/docrep/004/AC121E/ac121e04.htm e no International Handbook on Forest Fire Protection (http://www.fao.org/forestry/27221-06293a5348df37bc8b14e24472df64810.pdf)

Entregar o ouro ao bandido

O Miguel Sousa Tavares tinha razão. Para mais informações acerca destas más intenções florestais, ler






Praga

Na minha terra, a expressão "praga" (como em "lançar uma praga") significa "amaldiçoar".
 
Pois eu espero que - já que aos eucaliptos, que não são uma espécie autóctone, as pragas (quase) não lhes pegam - aos técnicos e responsáveis que eventualmente venham a favorecer (a palavra "favorecer" parece-me aqui singularmente bem aplicada) a expansão de plantações de eucaliptos lhes dê o gorgulho. Nem mais. O gorgulho.
 

Filme de terror

 
 
A crónica semanal de Miguel Sousa Tavares impediu-me de dormir: diz ele que o governo "(...) pretende abrir às celuloses as zonas de Reserva Agrícola Nacional (...)" (Expresso, 29/9/2012) Será verdade? Será possível?
 
E o técnicos do Ministério da Agricultura, da Autoridade Florestal Nacional, não dizem nada?! Não se opõem, eles, que sabem muito bem a tragédia que isso significa?! Mas porquê?
 
A sério: isso fará de nós o caixote do lixo (ou o balde das cinzas) da Europa.
 
Já agora, por que não:
 
  • concessionar os portugueses como cobaias para testes de novos medicamentos
  • criar parques de resíduos (hospitalares, nucleares,....)
  • alugar o espaço marítimo a arrastões
  • vender o espaço aéreo?




quarta-feira, 3 de outubro de 2012

"Ruby Sparks" e o mito de Pigmaleão





O mito de Pigmaleão e Galateia, que surge em As metamorfoses de Ovídio é, deveras, uma história fascinante, que está na origem de múltiplas pinturas e esculturas, peças de teatro (Pigmaleão, de George Bernard Shaw), filmes (My fair lady, de Georges Cukor), livros (Le chef d'oeuvre inconnu e Sarrasine de Honoré de Balzac, As aventuras de Pinóquio de Carlo Collodi).
 
Neste filme, realizado pela dupla Jonathan Dayton e Valerie Faris - a quem devemos "Uma família à beira de um ataque de nervos", requisitável na nossa biblioteca - o mito sofre mais uma metamorfose, que demonstra, à sua maneira, o poder da literatura.
 
N.B. Para mais informações acerca do mito de Pigmaleão e Galateia, consulte-se http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0655

Um mar de recursos...

 
 
O blogue do Público na escola, que tanta falta me fez, está de volta e em força. Ainda hoje a Maria José Ribeiro estava a comentar na sala de professores que as aulas de apoio são uma aula mais, a preparar e a leccionar (só lhe falta - para já - a vertente correcções).

Pois bem: o http://blogues.publico.pt/pagina23/ já me preparou duas excelentes aulas de apoio a Literatura Portuguesa. E mai'nada...
 
 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Woody Allen e a Casa dos Segredos

Um dos mosaicos de "Para Roma, com amor" é protagonizado por Roberto Benigni. Modesto funcionário, é um dia abordado por uma  chusma de jornalistas que, sem que se saiba porquê, o tornam uma celebridade. Seguem-no por todo o lado e inquirem-no acerca de coisas absolutamente inúteis (aliás, acerca de coisas sem a menor importância). Celebridade instantânea. Embora inicialmente rejeite e se questione acerca do que lhe sucede, a personagem habitua-se paulatinamente ao que lhe sucede. Por isso, quando - tão subitamente quanto começou - todos  passam a admirar outro anónimo qualquer, Leopoldo sofre terrivelmente. Onde é que eu já vi esta história?!

 

Woody Allen e os sindicatos

 


O filme "Para Roma, com amor" não é isento de defeitos, mas (ou e?) tem belíssimas imagens e óptimos "gags". Achei engraçada uma frase de uma personagem, um jovem italiano que afirmava com veemência o que eu penso: "Se não fossem os sindicatos, os trabalhadores seriam reduzidos a pó."...

terça-feira, 25 de setembro de 2012

O nosso livro de receitas só tem um problema...

... não se pode comprar.

No Sábado mostrei-o à minha família e toda a gente queria comprar um. Deixei-o com a minha mãe, que já experimentou a receita da Gracinda. A minha irmã já copiou a receita do bolo da paixão. A prima Ana Maria achou muita graça ao bolo de frutas de mrs. Darwin. A tia Geninha quer experimentar o bolo de nozes e a Anita já disse que ia fazer os montículos de chocolate.

No meio disto tudo, nem eu própria tenho um exemplar, porque fiz questão de dar o meu à Nilza (era o mínimo que podia fazer).

Já me lembrei de fazermos algo similar ao que - "mutatis mutandis" - fez o (Prof. doutor) Álvaro Domingues. Isto é, os interessados comprometiam-se a comprar x exemplares (um óptimo presentinho de Natal) e financiávamos previamente uma edição. Com a minha família numerosa (sou eu e o Drummond de Andrade) e os meus muitos amigos, eu sozinha asseguro um terço da tiragem...

O nosso livro de receitas...

... está encantador. Encantador, graças à Margarida, que cuidou do aspecto gráfico como a profissional e a mulher de bom gosto que é. Tem um arzinho "retro" que pede meças aos produtos comercializados pela loja Vida portuguesa. Encantador, porque reflecte a vivência, as histórias e as peripécias de 25 anos da nossa escola. Encantador, porque cada um escreveu à sua maneira uma história (uma "estória", como diz a Maria José Ribeiro) pessoal. Com estas histórias, descobrimos facetas insuspeitas dos nossos colegas. Aspectos comovedores que, de outra maneira, jamais conheceríamos (estou a lembrar-me, por exemplo, do texto da Manuela Maia).

Comunidade de leitores

Na Sexta-feira servimos o nosso combinado habitual: livro (O retorno, de Dulce Maria Cardoso)+lanche (tarte bom bocado, de Arminda Fernandes). Os leitores/comensais variaram um pouco: sentimos a falta das nossas amigas do costume, mas tivemos muito gosto em acolher a Gracinda e a Laurentina. E a Felicidade, que veio lanchar connosco.


As sessões da comunidade são sempre diferentes, mas esta foi "a mais" diferente de todas. Nós, que até somos muito bem educadas, a certa altura já estávamos a atropelar-nos umas às outras, e o tom de voz às vezes subia tanto que ressoava pela Biblioteca toda (seria uma vergonha, se não se desse o caso de quase não haver alunos). A verdade é que, em vez de escolhermos outro livro, devíamos duplicar esta sessão. Isto porque todas tínhamos uma experiência pessoal a partilhar e a confrontar. Com a Arminda a dar o enquadramento histórico, chegámos à conclusão de que se trata de uma tema directa - ou difusamente - impregnado de ideologia e muito, muito contaminado pela experiência de todos nós.

Na verdade, não fizemos uma sessão acerca do livro, usamo-lo como pretexto para nos conhecermos melhor, para conhecer histórias de vida interessantíssimas e para repensarmos alguns aspectos da nossa História.

Bem, bem - pensou a professora de Português que há em mim - era, na sequência desta sessão, fazermos uma comunidade de escrita. ESVV, histórias devida, como o nosso livrinho de receitas...

Ouve como soam nesta página...

... as promessas que me envia pela manhã...

A CHUVA NO DESERTO



Sob a indiferença e o enfado
oculta-se uma emoção por explorar.
Aí onde há roupa estendida, pratos
sujos, despertadores queixosos,
carros que nos esperam, auto-estradas
inúteis que conduzem ao trabalho,
ao choro de um telefone, aos gestos
vazios que nos estende o hábito,
também rompe o feitiço da luz,
a sua voz debaixo da pele flui devagar.
Ouve como soam nesta página
os seus corcéis de vento, as suas promessas.





Eduardo García

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Convite à comunidade escolar

Amanhã, às quinze horas, realiza-se a primeira sessão deste ano da Comunidade de leitores, com o livro O retorno, de Dulce Maria Cardoso.



Mas eu estou muito triste. A primeira, a primeiríssima pessoa a ler este livro, foi a Ana Paula Matos. Tão entusiasta foi, que eu não descansei enquanto não comprei, e li, o livro. Gostei muito. (A minha mãe gostou muito. A minha irmã gostou muito.) Pois a Ana Paula não vai poder estar durante a sessão toda. Acho mal.


Em todo o caso: estão convidados para assistir a uma sessão longamente falada e longamente preparada.

Um bom livro, com um leve aroma (para mim, depois vos direi porquê) a férias e um forte sabor a nostalgia.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Património inalienável da ESVV

 
 

Ao contrário do que é habitual, a equipa que trabalhou na nossa escola respeitou esta árvore, que se manteve impávida por entre o ruído e a azáfama das obras. Lá está, contra todas as probabilidades. Projeta, no interior do bloco, um exterior que parece ainda mais arborizado do que é. Cortá-la seria uma ingratidão para com as pessoas que trabalharam sem a danificar, configuraria uma heresia silvícola e constituiria um disparate arquitectónico.

A pequena foca da rentrée

ORGULHO

Digo-te, até as rochas se partem,
e não é por causa do tempo.
Durante anos mantêm-se deitadas de costas
no calor e no frio,
durante tantos anos
isso quase parece pacífico.
Não se mexem, por isso as fendas permanecem escondidas.
É uma espécie de orgulho.
Os anos passam sobre elas, e elas aguardam.
Seja o que for que venha despedaçá-las
ainda não chegou.
E assim o musgo cresce, as algas
chicoteiam à sua volta,
o mar avança sobre elas e retrocede -
as pedras parecem imóveis.
Até uma pequena foca vem esfregar-se contra elas,
chega e vai-se embora.
E de súbito a rocha tem uma ferida aberta.
Eu disse-te, quando as rochas se quebram, isso acontece de surpresa.
Tal como as pessoas.

Dahlia Ravikovitch em arspoetica-lp.blogspot.com/

domingo, 16 de setembro de 2012

A arte saiu à rua num dia assim

 


No entanto, esta fotografia foi tirada no interior da Fábrica Asa, em Guimarães.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Um filme imperdível, uma lição de ética

Já fui representante sindical na nossa escola e, em tempos em que a tendência é para diabolizar os sindicatos - se, ou quando, deixar de haver trabalhadores sindicalizados, estaremos totalmente à mercê - continuo a acreditar que é a pior das soluções à excepção de todas as outras.


O filme "As neves do Kilimanjaro" corresponde, ponto por ponto, a esta minha convicção. Sem maniqueísmos, mostra as dúvidas e contradições por que passam os sindicalistas e a falência de muitas das suas soluções, mas também até que ponto os jovens, que têm ideias novas, não as põem (ainda) ao serviço da colectividade.
 
 
Por razões históricas, muitos operários franceses têm uma massa crítica notável, o que mereceria um comentário, uma explicação e, talvez, um lamento. Mas hoje, precisamente hoje, queria rever este "trailer", onde o sindicalista intrepretado por Jean-Pierre Darroussin explica por que motivo não tirou da lista de despedimento o seu nome: "C'était un privilège et je n'en veux pas."






domingo, 9 de setembro de 2012

O elevado número de alunos por turma, uma avaria no elevador social



Como vai o vosso francês? Espero que bem, pois assim poderão ler um ensaio do economista Thomas Piketty acerca do impacto do elevado número de alunos por turma no insucesso escolar, no qual se demonstra de que forma os alunos mais jovens, oriundos de classes menos favorecidas, são os mais prejudicados pela adopção desse tipo de medidas.
 
Vocês já sabiam? Está bem, mas a demonstração - feita por um economista que leccionou no MIT (Massachusetts Institute of technology) entre 1993 e 1995, prosseguiu uma carreira de investigação no CNRS (Centre National pour la Recherche Scientifique) e depois na École des hautes études en sciences sociales (onde ainda trabalha), e fundou a Paris School of Economics - sempre terá algum impacto.
 
O relatório, encomendado pelo Ministério da Educação francês e elaborado em parceria com Mathieu Valdenaire, está disponível em
 

 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A angústia da rentrée

Desde o ano passado que regressar à escola implica esta angústia, este nó na garganta: quem não ficou? dou dois beijinhos (leram bem, dois. Dois é mais do que um) e nem me atrevo a perguntar: "Ficaste?"
A Cláudia vai para Melgaço. Calculamos a distância, a despesa. Pomo-nos nos sapatos da Cláudia, nos pneus da Cláudia, no carro da Cláudia. No conta-kilómetros, no depósito, na via verde, no coração da Cláudia.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Cursos de línguas na Universidade do Minho



Para mais informações, consultar http://www3.ilch.uminho.pt/babelium.




Cidades Paralelas (1/8) - Biblioteca: "The Quiet Volume" - Ant Hampton & Tim...

"Ler para dentro"

Quase no fim de um ano escolar em que se assistiu, na nossa escola, a uma luta entre uma concepção de Biblioteca como um local silencioso, propício ao trabalho, e uma concepção de Biblioteca como um lugar agradável para se fazer tudo (trabalhar, estudar, conversar, namorar, falar e teclar ao telemóvel, brincar com os amigos, jogar cartas...), pareceu-me interessante o início de um texto de José Mário Silva (Expresso, 26/5/2012), onde o crítico dava conta de um espectáculo de "auto-teatro" da dupla Hampton/Etchells.


«Uma biblioteca é, por definição, um espaço de silêncio. Silêncio absoluto, para que as pessoas curvadas sobre os livros possam concentrar-se. Mas se entrarmos na sala de leitura e nos sentarmos numa das mesas (atentos, quietos, com os sentidos alerta), compreendemos que talvez não seja bem assim. À nossa volta, os ruídos multiplicam-se: tosses, passos, espirros, respirações, dedos matraqueando em teclados de computador, zumbidos, objetos que caem, coisas a rasparem noutras coisas, ecos de maquinarias distantes, o troar de um avião que segue a sua rota sobre o telhado, já em descida para o aeroporto."


Leram, nesta enumeração, "gente a falar alto, risos, gargalhadas, brincadeiras"? Não leram, pois não?

Pois bem, também não é preciso zangarmo-nos (agora), porque, além da sala dos alunos e da ampliação do espaço exterior - por agora ainda cheio de tapumes - doravante haverá, nos blocos de aulas, salas amplas que poderão ser utilizadas para vários fins. E assim a Biblioteca poderá ser esse "espaço de silêncio" de que tanto precisamos pra trabalhar, para nos concentrarmos ou, simplesmente, para repousar os sentidos desgastados pelo ruído omnipresente.


 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O próximo livro da comunidade de leitores


O estranho caso do cão morto é um livro mesmo muito estranho. Primeiro, porque se conhece a identidade do assassino do cão mais ou menos a meio do livro – e, no entanto, continuamos a lê-lo, ansiosos por conhecer o desfecho. Depois, porque o narrador tem quinze anos, uma bagagem científica impressionante, mas é incapaz de compreender frases de romances, como:

«Eu estou raiado de ferro, de prata e com riscas de lama vulgar. Não consigo contrair-me num punho firme como aqueles que não dependem de estímulo firme se cerram.» Aliás, eu também não. Nem o pai do narrador. Nem a sua professora.

A comunidade de leitores deste mês vai tentar responder aos muitos desafios que este livro coloca – sabendo de antemão que ir ler o fim, desta vez, não vale a pena.

"O Pato", por João Gilberto e Caetano Veloso




Podem não acreditar, mas eu ando há mais de uma semana a ler, nos intervalos, uma reportagem sobre o João Gilberto da Alexandra Lucas Coelho de uma Pública antiga. Mas é por uma boa causa: vem sempre alguém sentar-se comigo a conversar, e eu largo, com todo o gosto, as leituras para conversar. Além disso, a reportagem é muito boa, por isso leio-a e releio-a.
Gosto muitíssimo da música de João Gilberto, e andava com saudades deste pato delicioso. Espero que gostem.

terça-feira, 5 de junho de 2012

A palavra "feliz"

Porque o momento
no qual a palavra feliz
é pronunciada,
jamais é o momento feliz.
Porque quem morre de sede
não pronuncia sua sede
Porque na boca da classe operária
não existe a palavra classe operária.
Porque quem desespera
não tem vontade de dizer:
“Sou um desesperado”.
Porque orgasmo e orgasmo
não são conciliáveis.
Porque o moribundo em vez de alegar:
“Estou morrendo”
só deixa perceber um ruído surdo
que não compreendemos.
Porque são os vivos
que chateiam os mortos
com suas notícias catastróficas.
Porque as palavras chegam tarde demais,
ou cedo demais
Porque, portanto, é sempre um outro,
sempre um outro
quem fala por aí,
e porque aquele
do qual se fala
se cala.



Hans Magnus Enzensberger

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O teu rosto será o último


Ontem à noite comecei a ler O teu rosto será o último, de João Ricardo Pedro. Fiquei mediatamente cativada pela leitura, mas um tanto apreensiva, pois há algo de inquietante no título e há algo de inquietante na trama (até ao ponto onde li). Não sei se será livro para eu ler à noite, sobretudo tendo de me levantar às 7h.


De manhã, quando liguei o computador, tinha mais uma (boa) informação acerca do livro: Maria do Rosário Pedreira, no seu blogue (http://horasextraordinarias.blogs.sapo.pt/), dava conta das dúvidas que uma pequena figura de um quadro de Brueghel tinha suscitado em alguns leitores. Fiquei ainda mais entusiasmada: lembrei-me de um dos meus livros preferidos, O Cavaleiro Polaco de Antonio Muñoz Molina, onde uma parte da trama gira à volta do quadro homónimo de Rembrandt (isto já para não falar da importância de uma fracção minúscula de Vista de Delft, de Vermeer, em À la recherche du temps perdu, de Proust). Este livro augura algo de bom...



Uma das coisas irritantes à volta da aura do livro - e da figura - de João Ricardo Pedro, e que este se apressa, branda mas firmemente, a repelir, é a historinha irritante do desempregado que agarrou a "oportunidade" para fazer algo melhor. Por favor, esqueçam essa frase batida, que nem o livro, nem o autor, nem os desempregados deste país merecem o paternalismo.