terça-feira, 23 de março de 2010

Passeio virtual

Na Livraria Centésima Página está patente uma exposição de Renato Roque que alguns alunos cá da escola viram há dias. Recebi duas hiperligações que talvez vos interessem. Aí vão elas:
No passeio virtual ninguém leva a mal, do you know what I mean?

I, hologram

Uma das minhas expressões favoritas é holograma. Uso-a a propósito de tudo e de nada. Se estou cansada, ou não quero que falem comigo, ou que alguém me veja, digo que sou um. Se o E*******, que estava a falar como um descabelado até há três segundos atrás, nega veementemente, digo-lhe que devia ser o holograma dele que estava a conversar.

Do que eu não estava à espera era que os hologramas, os propriamente ditos, viessem ter ao meu encontro, ontem, cá na escola. Cheguei ao bloco C e quase parecia que estava num museu, desses novos, sofisticados, com instalações XPTO. Escola Secundária de Vila Verde, quem diria?

Hoje descobri por que bulas tivemos nós direito a uma projecção holográfica da imagem da República: a empresa Sketch Pixel veio cá, graciosa e propositadamente, instalá-lo. No dia 26 haverá uma demonstração às 10h no átrio do bloco C.

O futuro ao alcance da nossa mão... ou dos nossos olhos... ou do nosso cérebro. O futuro.

Para que serve a escola?

Por ocasião da entrega dos prémios do concurso de jornais escolares, o Público editou um suplemento especial que se reveste de muito interesse para as escolas. Logo no primeiro artigo de opinião, Manuel Carvalho responde à pergunta que tantas dores de cabeça causa a professores e Encarregados de educação: "Vale a pena estudar?"

Eis algumas achegas:

- "(...) o desemprego afecta mais os jovens não qualificados do que os qualificados";
- "(...) uma formação superior é sempre um ingrediente capaz de nos tornar mais abertos à compreensão do mundo e, por isso, mais adaptáveis às suas exigências";
- "(...) sem estudos superiores será sempre muito mais difícil (...) ultrapassar certas barreiras remuneratórias."

Reparem ainda nesta reflexão: "(...) em Portugal e no mundo haverá sempre lugar para os melhores entre os melhores, sejam eles da área da psicologia, da história ou das literaturas. Será sempre mais reconhecido um bom filólogo do que um mau engenheiro de sistemas."

segunda-feira, 22 de março de 2010

Cinema na escola, a escola no cinema



Iniciar-se-á, no dia 26 de Março, às 9 horas, na sala de vídeo (com reprise às 15 horas) a exibição de três filmes que têm a ver com escola.

O primeiro filme é "A onda", de Dennis Gansel (Alemanha, 2008). Seguir-se-á "O dia da saia" de Jean-Paul Lilienfeld (França, 2008) e "A turma" de Laurent Cantet (França, 2008, palma de ouro do festival de Cannes).

Três filmes inquietantes, numa sala perto de ti.


http://cinema.sapo.pt/filme/die-welle/video/vmKGIw9qVhPCj1gZNio1

O poeta tem de ser como as árvores

No Dia Mundial da Poesia a minha companhia, de noite e de dia, enviou-me um texto de António Osório. Eu é que fui preguiçosa e só hoje a insiro, com desculpa pelos cortes imperdoáveis:

«(...) “A poesia é ainda possível”? Montale, no discurso em que recebeu o Prémio Nobel de 1975, interroga-se sobre o papel que pode ter “a mais discreta das artes”, num tempo em que “o homem civilizado chegou ao ponto de ter horror de si próprio”. Montale deixou-nos uma palavra de esperança – para a poesia “que surge quase por milagre e parece condensar toda uma época”, “para essa poesia não há morte possível…” Mais de 30 anos passaram. Não haverá agora maiores motivos para se ficar inquieto quanto ao futuro? O mundo actual não é bem pior que o de 1975? [...] Que fazer contra [a] maré negra, contra [a] ocultação da poesia? Infelizmente, ninguém vê hoje o poeta como o via Platão – “uma coisa leve, alada e sagrada”. Os poetas são agora uns estranhos párias, uma espécie de sonhadores que andam nas nuvens. A defesa da poesia cabe aos poetas. Muito têm resistido, têm que resistir mais ainda. A experiência diz-me que as leituras de poesia nas escolas e nas universidades, pelos próprios poetas, o diálogo que têm de estabelecer com os alunos seus ouvintes é uma das melhores formas de humanizar o poeta e de chamar o interesse para a poesia que faz. E não se devem limitar estas leituras ao próprio país… (...) Tão-pouco nos devemos confinar a uma ironia sarcástica contra um mundo cruel. Sem dúvida, a poesia terá de ser um “refúgio” contra a voragem tecnocrática, contra o desrespeito pela beleza do mundo, contra a destruição da paisagem. Os seus são os valores da vida, a poesia é, como Croce sempre defendeu, a “palavra cósmica”, uma forma de não se submeter, mas de se indignar, de estar ao lado dos humilhados, uma afirmação humanista. Retenhamos estas palavras de Rainer Maria Rilke, nas suas “Cartas a um jovem Poeta”: “ser artista é amanhecer como as árvores, que não duvidam da própria seiva e que enfrentam tranquilas as tempestades da Primavera, sem recear que o Verão não chegue”. Teremos de ser como elas, que não põem em causa a própria seiva e que resistem às tempestades da Primavera. Contra o desprezo pela poesia, oponhamos a nossa perseverante defesa. E ofereçamos os nossos livros, com um gesto fraterno.»

(António Osório, Mensagem para o Dia Mundial da Poesia 2010 20.03.10)

A árvore da República

Na sexta-feira de manhã, tal como muitas outras pessoas, designadamente o Presidente da Câmara Municipal de Vila Verde, a vereadora da Educação e a directora da Escola Profissional, ouvi o hino nacional e assisti à plantação da Árvore da República. Gostei muito de ouvir a alocução proferida por uma aluna da escola, que fazia a ligação - que eu ignorava em absoluto - entre a I República e o dia da Árvore.

Curiosamente, no Domingo ouvi uma reportagem interessantíssima na Antena 1 que desenvolvia o mesmo tema e hoje, supresa das surpresas!, tinha uma exposição, organizada vocês-já-sabem-por-quem (a Ana Margarida) acerca desse assunto. A exposição é muito engraçada e eu recomendo vivamente uma visita à Biblioteca para a apreciar. Vou usar uma estratégia discursiva muito cara aos meus alunos do 11ºD: e mais não digo, para que vocês leiam o livro/vejam a exposição.

O filme da I República

Na terça-feira não escrevi, pois fui à Biblioteca Pública assistir à conferência do historiador Fernando Rosas.

Digo-vos que fiquei fascinada, eu diria que até demais, visto que, tão absorvida na descrição, verdadeiramente cinematográfica, dos dias que antecederam a proclamação da República, me esqueci de tirar notas.

Fernando Rosas foi notável, tendo conseguido entremear a enumeração e caracterização dos movimentos republicanos, a psicologia dos seus líderes, as movimentações dos combatentes na cidade de Lisboa, os equívocos que levaram à rendição, as promessas não cumpridas da República, mas também as suas conquistas inalienáveis.

Com tudo isto, uma capacidade invejável de aliar a narração dos factos à enumeração pari passu das consequências históricas...

As margens, o rio, a água

«Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz que são violentas as margens que o comprimem.» (Bertold Brecht)



domingo, 21 de março de 2010

Pranto pelo dia de hoje

Nunca choraremos bastante quando vemos
O gesto criador ser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
Que quem ousa lutar é destruído
Por troças por insídias por venenos
E por outras maneiras que sabemos
Tão sábias tão subtis e tão peritas
Que não podem sequer ser bem descritas.

(ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner - Antologia. Figueirinhas, 1985, 190)

Da poesia, da Primavera e das árvores

Árvore rumorosa

Árvore rumorosa pedestal da sombra
sinal de intimidade decrescente
que a primavera veste pontualmente
e os olhos do poeta de repente deslumbra

Receptáculo anónimo do espanto
capaz de encher aquele que direito à morte passa
e no ar da manhã inconsequentemente traça
o rasto desprendido do seu canto.


Não há inverno rigoroso que te impeça
de rematar esse trabalho que começa
na primeira folha que nos braços te desponta

Explodiste de vida e és serenidade
e imprimes no coração mais fundo da cidade
a marca do princípio a que tudo remonta

(In BELO, Ruy - Homem de palavras(s). Editorial Presença, 1997, p. 106)

segunda-feira, 15 de março de 2010

Quatro-em-linha

Na quarta-feira, dia 10 de Março, alunos do 11ºA, B e D foram simpaticamente acolhidos na Velha-a-Branca, no Museu Nogueira da Silva e no Museu da Imagem e ainda visitaram a livraria Centésima Página. Aqui fica o agradecimento à Orlanda, à Helena Trindade e ao Rui Prata.

Pensar é a maior de todas as transgressões

A prova de que Murray Ringold - apesar das suas dúvidas e perplexidades, apesar do seu remorso pelo facto de a mulher ter morrido por culpa da sua teimosia em manter-se em Newark, foi bem sucedido - é que é graças ao seu professor de literatura que o narrador de Casei com um comunista se torna um romancista reconhecido.

Não é por acaso que a obra se inicia, justamente, com uma alusão a esta figura: "Murray, o irmão mais velho de Ira Ringold, foi o primeiro professor de Inglês que tive no liceu (...)" e continua nestes termos: "(...) sentia-se, no sentido carreirístico do termo, a vocação de um professor como Murray Ringold, que não se tinha perdido na amorfa aspiração americana de chegar ao topo (...). [Murray] tinha escolhido como norma de vida ser nosso."

Reparem que não há ilusões na forma como os alunos o encaravam "Não que a impressão deixada no meu conceito de liberdade pelo seu arrojado estilo pedagógico fosse aparente na altura; nenhum miúdo pensava assim a respeito da escola, dos professores ou mesmo de si próprio. No entanto, uma ânsia incipiente de independência social deve ter sido de alguma forma alimentada pelo exemplo do Murray (...)", um professor para quem "pensar é a maior de todas as transgressões".

Não é Murray Ringold quem quer, mas ter um professor assim no horizonte não é, a meu ver, mau. E é consolador...

As melhores intenções

O dilema de Murray é assim comentado pelo narrador:

"Era a isto que o tinha conduzido agarrar-se às suas convicções, resistir à tirania dos compromissos. Se há alguma esperança de melhoria de vida, onde há-de ela começar senão na escola? Irremediavelmente enleado nas melhores intenções, tangivelmente comprometido, para toda a vida, com um percurso construtivo que é agora uma ilusão, com formulações e soluções que já não levam a nada."
Às vezes sentimos isto mesmo, damos razão a professores como a Aurora Estela, quando acusa alguns de nós de sermos "líricos". Mas prefiro, apesar de tudo, a conclusão do narrador de Casei com um comunista:
"(...) temos de perguntar a nós próprios, a cada passo, «porque faço eu o que faço?» E temos de nos autolerar, mesmo sem saber a resposta."

A traição da escola

Num dos meus livros preferidos de Philip Roth, Casei com um comunista, uma das personagens é um professor chamado Murray Ringold. Sempre me impressionaram as passagens que dizem respeito a este docente de literatura, que se mantém em Newark contra tudo e contra todos, por idealismo e convicção:

"Passei lá os últimos dez anos antes de me reformar. Não conseguia ensinar nada a ninguém. Quase não conseguia controlar os desmandos, quanto mais dar-lhes aulas. A disciplina... era esse o busílis da questão. Disciplina, patrulhar os corredores, repreendê-los até algum miúdo se atirar a nós, expulsões. Os piores dez anos da minha vida (...) Mas fui toda a vida um dos agitadores do sistema educativo de Newark, não fui? Os meus antigos colegas diziam que eu era maluco. Nessa altura eles estavam todos nos subúrbios. Mas como é que eu podia fugir? Estava interessado em que fosse mostrado respeito por esses miúdos. Se há alguma esperança de uma melhoria de vida, onde há-de ela começar senão na escola? Além disso, cada vez que, como professor, me foi pedido que fizesse alguma coisa que eu achasse interessante e conveniente, dizia logo: «Sim, gostaria de fazer isso.» e atirava-me de cabeça. Continuámos em Lehigh Avenue e eu ia para o South Side e dizia aos professores do Departamento: «Temos de encontrar maneiras de induzir os nossos alunos a serem empenhados», e coisas que tais."

Murray Ringold dá-se conta do seu erro da pior maneira possível: é roubado duas vezes, a mulher morre na sequência de um assalto. Eis a conclusão:

"Sabes do que me apercebi? Apercebi-me de que tinha sido atraiçoado. Não é uma ideia que me agrade, mas nunca mais me largou desde essa altura."

Nomes da desilusão

Para mim, hoje, a desilusão tem dois nomes: Chico Buarque e Murray Ringold. Essa é uma das virtualidades das obras de arte, consolar-nos.

Chico Buarque é um cantor de intervenção, que desde sempre defendeu os direitos dos mais desfavorecidos. Em "A ópera do malandro", por exemplo, o bas-fond carioca surge sob uma luz simpática. A prostituta Jenny é a vítima por quem nos apiedamos, o general é um refinadíssimo... mau da fita. E assim sucessivamente.

Num dos seus mais recentes álbuns, "Carioca", pode ouvir-se uma canção emblemática, "Outros sonhos" ("Sonhei que o fogo gelou/Sonhei que a neve fervia/ (...)"), onde polícias e ladrões fazem a sua aparição "De mão em mão o ladrão/Relógios distribuía/E a polícia já não batia".

Mas, quando ouvi a faixa "Ode aos ratos", do álbum "Carioca", senti um estranho desconforto. A própria materialidade da música exaspera, com o ritmo, as aliterações. Imaginei logo o Chico Buarque a ser assaltado, a sentir as suas convicções ir pelo cano abaixo, pelo esgoto. Supu-lo a lidar com o mal-estar escrevendo "Saqueador/Da metrópole/Tenaz roedor/De toda esperança/Estuporador da ilusão" e rematando, a contragosto, o processo de depuração: "Ó meu semelhante/Filho de Deus, meu irmão".

terça-feira, 9 de março de 2010

Alta literatura para as massas

Descobri na Biblioteca um livro de crónicas do Ricardo Aráujo Pereira, Boca do Inferno, um ano de crónicas na Visão. Enquanto esperava que a Net "viesse", folheei-o e encontrei várias referências literárias.

Ora vejam: na página 11 refere-se à peça de teatro do absurdo Rhinocéros de Eugene Ionesco. Eça de Queirós merece, pelo menos, duas referências, uma na página 26 ("A propósito, uma questão: é possível ser queirosiano e não usar, pelo menos uma vez por dia, a palavra «piolheira»?) e outra na página 35: "(Usei aqui um diminutivo porque periodicamente gosto de lembrar às pessoas que sou o mais parecido que nós hoje temos com o Eça.)"

Fernando Pessoa, ou um dos seus heterónimos, surge na página 69 como o correlato do empregado de café: "Pousa o olhar sobre um prato de tremoços como Alberto Caeiro o pousava sobre os rios e sobre as flores só qu com mais poesia." Flaubert aparece na página 83, na boca de uma porteira linguaruda "«Então diz que a Madame Bovary anda amantizada com um tal Rodolfo? Eu tenho pena é do sr. Carlos, que não merecia.»" No monólogo, que prossegue, faz ainda alusão a Cervantes.

Mas talvez o mais engraçado seja o pastiche (escrita"à maneira de...") António Lobo Antunes, que ocupa toda a crónica "O teu subúrbio era mais bonito que o meu". Depois venham dizer-me que as aulas de Português/a literatura/a escola/o francês/os livros "não servem para nada"...

segunda-feira, 8 de março de 2010

"Mrs. Dalloway"

E, para finalizar, "o" livro do dia: Mrs. Dalloway, um livro maravilhoso de Virginia Woolf, uma feminista de referência. Um livro em cuja primeira página podem ler «Eu cá prefiro os homens às couves-flores». Uma bela frase para se dizer - muito embora ela não tenha sido dita por Clarisse Dalloway, e sim por Peter Walsh.

As mulheres do "Expresso"

Agora por mulheres: reparei subitamente que quase não vos falo da revista Única, que sai com o Expresso e que compro todas as semanas. Na verdade, cada vez cito mais a nm (Notícias Magazine). A razão pela qual isso acontece é paradoxal: desde que o Expresso decidiu fazer, sobretudo com a Única, coceguinhas nos pés (fantasmaticamente calçados com botas e sapatos de tacão alto) das mulheres, eu comecei a ficar enjoada. Tudo começou com a Carla Hilário Quevedo. Quando ela escrevia sobre literatura (clássica), a coisa ainda ia. Agora o resto...

Parece-me curioso que não tenha ocorrido a ninguém que o que me interessava (e eu sou indubitavelmente uma mulher) era ler o Joaquim Manuel Magalhães, o Manuel Graça Dias, o José Manuel Fernandes, o Alexandre Pomar (para apenas citar as feridas que o Expresso desferiu no meu coração destroçado... acham que esta linguagem tão "feminina" lhes agrada, aos editores do Expresso?)

Agora é na NS que leio críticas de arquitectura, mas já não é a mesma coisa. Arquitectura, artes plásticas, literatura, história, filosofia, tudo me parece parco. Em contrapartida, pago para (não) ler textos sobre popstars japonesas ou-lá-o-que-é, textos pseudo-humorísticos acerca de sexo, ou relações homens/mulheres; inanidades proferidas por celebridades da treta, celebridades da treta misturadas com mulheres de mérito, mas todas vestidas e maquilhadas como se fossem celebridades da treta...

A imagem das mulheres que os redactores do Expresso têm, como se depreende pela leitura da Única, é de criaturas que só se interessam por temas como "sociedade" (a palavra sexo é sempre bem-vinda), "moda", "celebridades/bisbilhotice", "estilo de vida".

Quem me houvera de dizer, há uns anos atrás (sobretudo aquando do primado de Isabel Stilwel), que ainda havia de preferir a nm à Única?!

Mentiras que dizem mulheres

Uma das coisas que mais me tira do sério é ouvir mulheres, mulheres com responsabilidades, dizer "Eu não sou feminista.", às vezes seguido de um "mas". Algo assim na linha (mutatis mutandis) de "Eu não sou racista, mas...".

A verdade é que esta frase, que me apetecia qualificar (e por mais de um motivo) como uma frase assassina, revela um profundo desconhecimento histórico. A maioria das mulheres que a profere não, repito, não as poderia enunciar caso não tivesse havido sufragistas, e feministas, antes delas. Trata-se, pois, de uma frase ingrata e ignorante. Duplamente ignorante, aliás, pois não há feminismo, há feminismos.

O que me parece é que estas mulheres estão a dizer implicitamente "eu gosto de homens", como se feminismo fosse sinónimo de outra coisa qualquer que não igualdade de género, ou seja, respeito. Como diz a minha mãe, "a ignorância é atrevida".

Dia Internacional das mulheres

As coisas que eu não sei são incomensuráveis.

Hoje acrescento uma, talvez das mais irritantes: ignorava que o dia Internacional da Mulher se celebra neste dia porque, a 8 de Março de 1857, meia centena de operárias de Nova Iorque - que faziam greve para reivindicar uma jornada de dez horas (até então trabalhavam dezasseis horas diárias, dezasseis), igualdade salarial e direito à licença de maternidade - morreram num incêndio na camisaria onde trabalhavam.

O Dia Internacional da Mulher irrita-me porque faz de nós uma espécie a proteger, como o lince da serra da Malcata ou o azevinho. Mas, atendendo:

1. a estes respeitáveis antecedentes históricos;

2. à circunstância de pelo menos uma das reivindicações (igualdade salarial) ainda não se encontrar regularizada;


3. a razões sentimentais: quando eu e a minha irmã nascemos ainda não havia licença de parto, o que obrigou a nossa mãe a regressar ao trabalho logo após o parto (num dos casos) e a meter uma licença sem vencimento (no outro);

e ainda a que...


4. as mulheres portuguesas (com honrosas excepções) conciliam trabalho no exterior com a quase totalidade do trabalho doméstico;
5. apesar de cada vez mais habilitadas, ocupam muito menos lugares de topo nas empresas, nas instituições universitárias e na política...

... parece-me que devo olhar com benevolência para este dia, que confere visibilidade a questões como estas. E "mainada".

O Pedro Brandão e eu

A propósito do "post" anterior, não posso deixar de partilhar convosco uma das fórmulas que ultimamente mais me obceca (sim, o verbo existe) e que devo ao meu colega de bancada Pedro Brandão: "tempo na tarefa". Foi a mezinha (não uso a expressão num sentido depreciativo) que me deu quando eu me lamentava, pela enésima vez, da minha iliteracia informática.

Professora até à medula, tive de reconhecer que o que me falta é aplicação. E, de então para cá, reflicto que conseguimos obter as competências básicas em TUDO O QUE QUISERMOS, desde que insistamos. Tempo na tarefa. A solução que me porá a dançar razoavelmente. Que me porá (com a ajuda da Isabel Costa) a fazer um "screencast" decente. Que fará todas as pessoas que dizem que não sabem fritar um ovo a cozinhar de forma aceitável. A encher uma máquina de lavar como deve ser (O.K., esta foi uma "private joke"). A escrever de forma legível. A conduzir com segurança. A... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a... a... a.... a... a... a...

Tudo se aprende

Li no jornal i do dia 24 de Fevereiro um artigo de Vanda Marques com infografia de Ricardo Santos, "Aprenda a escrever um livro como se fosse um jogo de tabuleiro".


Embora embirre com cursos de escrita criativa, devo admitir que alguns dos escritores de língua inglesa que aprecio os frequentaram. Por conseguinte, e dado que escrever livros ou guiões parece ser um lucrativo desporto nacional, parece-me que me devo "deixar de coisas".

O artigo tem o formato de um jogo da glória. O que me parece curioso é que, por um lado, inverte as nossas preocupações usuais: em vez de determinar quem é o narrador e qual o seu ponto de vista, nesta óptica temos, de acordo com Lídia Jorge, de "definir a voz do livro". Por outro lado, são-nos dados conselhos válidos para tudo na vida, como o que prodigaliza João Tordo: "A primeira regra fundamental é deixar de procrastinar, isto é, deixar de adiar o trabalho. Um escritor escreve todos os dias, mesmo que seja na sua cabeça." Ou, como dizia Plínio (e Zola repetia) "nulla dies sine linea", isto é, não deixes passar um dia sem escrever uma linha.

Um conselho que me parece altamente recomendável, independentemente da vossa vontade de se tornarem escritores, consiste em - como recomenda Pedro Sena-Lino - ler pelo menos cinco páginas antes de escrever uma. João Tordo pergunta, jocosa e certeiramente: "Como é que vamos saber se gostamos da prosa torrencial de Faulkner ou dos diálogos brilhantes e económicos de Hemingway se tudo o que lemos foi Dan Brown?" (pois...)


Outro conselho "passe-partout", este da autoria de Luís Carmelo: "A investigação é uma antecâmara. Mas nada de «googlanço»" (é que ainda podem tomar documentos forjados de alto a baixo, como o Protocolo dos sábios de Sião, por verdades inatacáveis... como o outro senhor....)

Também subscrevo inteiramente a advertência de Elmore Leonard, no sentido de não usar mais de um ponto de exclamação num texto de 100 mil palavras. Os adjectivos são comparados a hambúrgueres: "uma vez por mês não faz mal, todas as semanas a balança dispara." e usam-se quando o escritor não tem poder de descrição.

Por último, e ainda de acordo com Luís Carmelo, deve-se apagar mais do que se escreve. "A capacidade de perder o amor às nossas metáforas e rever o texto e mudá-lo é essencial", reforça Luís Carmelo. Era assim que fazia o meu querido Flaubert e o resultado está à vista, sendo um dos escritores cuja escrita melhor sobreviveu à passagem do tempo. E quanto tempo!

terça-feira, 2 de março de 2010

Os Coristas


"Post" dois-e-um:

- no dia 19 de Março os alunos do 10º G e H e 11º H vão cantar "A Portuguesa";

- temos cá na escola um filme francês muito conhecido, um grande êxito, intitulado "Os coristas".

A culpa é da Arminda

Desculpem, mas a culpa é da Arminda, que acaba de me dizer que no dia 19 de Março vamos plantar cá na escola a árvore da República. Eu até nem queria falar mais deste assunto, mas a Arminda insistiu tanto... foi só para lhe fazer a vontade... a sério que foi.

I have a dream


Acabo de saber, quase em primeira mão, que o historiador Fernando Rosas vem no dia 16 de Março, às 15h30m, à Biblioteca Municipal de Vila Verde proferir uma conferência intitulada "Porque venceu e porque ruiu a I República?"

Trata-se de uma iniciativa conjunta dos Departamentos de Línguas e de Ciências Sociais e Humanas, integrada nas comemorações do centenário da República. Não tendo nada que achar (não estamos nós no país do "achismo"?) acho muito bem que a conferência tenha lugar na Biblioteca Municipal, dado que ela não interessa apenas a esta comunidade escolar, mas a toda a comunidade.

Todavia, tenho de confessar que sonho com a nova escola que foi projectada. Sonho com uma escola cuja Biblioteca se abre, literal e metaforicamente, à comunidade (daí a sua localização mais próxima da entrada). Sonho que as pessoas das redondezas vêm cá consultar o jornal, ouvir a Isabel e os seus simpáticos voluntários ler livros, assistir aos teatros de sombras dos alunos da Adelaide, frequentar o clube de teatro da Ana Cristina, ouvir os conferencistas que convidamos. Sonho que todos os meses há uma Comunidade de leitores e uma sessão do Cineclube no auditório ou no ginásio-sala polivalente.

Sonho, por conseguinte, com uma escola que tem muito a ver com os ideais da I República: laica e aberta a todos. Progressista e acolhedora, no sentido em que acolhe todos, e não apenas os que a frequentam ou que estão em idade escolar (educação ao longo da vida). Uma escola que eleve os referenciais das "Duas culturas" no concelho. Uma escola que vê o que está para além dela.

Uma professora à beira de um ataque de nervos

E agora para algo completamente diferente: já lhes disse que temos aqui dois filmes dos Monthy Python, "E agora algo completamente diferente" e "Monthy Python e o cálice sagrado"?

Também temos "Borat", de Sacha Baron Cohen, e um filme de que gostei muito: "Uma família à beira de um ataque de nervos", de Jonathan Dayton. A nossa Biblioteca é fantástica... mais fantástica seria se eu pudesse passar o tempo todo que aqui dispendo a ler (chuif, chuif).

Oficiais que saibam do seu ofício, precisam-se

No livro de Gonçalo Ribeiro Telles e Francisco Caldeira Cabral, A árvore em Portugal, citado na nm, pode ler-se que «O maior elogio que se pode fazer a um podador de árvores ornamentais é que não se perceba que a árvore foi podada. A forma natural da árvore é perfeita e portanto não é necessário corrigi-la no sentido estético nem fisiológico."

Morte lenta


Ando a arrumar aos bocadinhos as minhas estantes, o que tem vantagens e desvantagens. A vantagem: encontro coisas que nem me lembrava que tinha. A desvantagem: tenho uma consciência ainda mais aguda do que é habitual da minha falta de tempo para ler e reler.


O facto de encontrar recortes de jornais está indiscutivelmente (a meu ver) do lado das vantagens. Tenho, porém, a certeza de que a Directora da Biblioteca e minha chefe não achará muita graça ao facto de eu ter encontrado uma fotocópia de uma reportagem da nm de 30 de Abril de 2006 cujo tema são... as árvores.

Neste artigo fala-se de uma técnica de poda radical, intitulada rolagem, que vem da tradição de podar as árvores de fruto e que tem como consequência deixar "(...) as árvores enfraquecidas e completamente descaracterizadas."

Com efeito, as rolagens são, de acordo com Ana Júlia Francisco, citada na nm, «uma espécie de morte lenta», dado que «inicialmente, a árvore vai ter um grande desenvolvimento, emitindo muitos ramos, o que é feito à custa da perda das suas reservas. Mas já está completamente descaracterizada. Ainda por cima, são ramos perigosos, porque são desestruturados e partem-se facilmente. Não é verdade que rolar as árvores as torna mais fortes, pelo contrário

segunda-feira, 1 de março de 2010

1 Km de cada vez



Hoje à noite, Gonçalo Cadilhe apresenta na Comunidade de Leitores da Velha-a-Branca o livro 1 Km de cada vez. Eu ando a lê-lo e já tenho muitas páginas dobradas, ora porque me agrada uma frase, ora porque fico a saber algo que desconhecia, ora porque acho graça a uma descrição, ora, ainda, porque me identifico com uma crítica mais contundente.

Mas, porque estamos no blogue da Biblioteca, deixem que Gonçalo Cadilhe - em cuja terra não haveria uma Biblioteca tão boa como a nossa... - vos conte a que extremos era capaz de ir para aumentar a sua colecção de livros:

«Eu atormentava os meus pais para que me comprassem mais volumes da colecção do Tarzan (...) Os tempos eram outros, a compra de um livro representava um sobressalto no orçamento familiar, e esse devaneio consumista ficava rigorosamente restringido a dois eventos: o Natal e o dia de anos. O Natal era em Dezembro e o aniversário era em Maio. Houve, no entanto, uma única excepção. Em Setembro...
Um pequeno aparte: eu detesto cebola. A minha aversão à cebola é a tomada de posição mais coerente da minha vida - nasceu comigo e há-de acompanhar-me à sepultura. O meu pai sabe. Uma noite num restaurante o menu propunha sopa de cebola. Virei-me para o meu pai: "Se comer esta sopa, compras-me o Tarzan que vimos na livraria?" Ele já tinha clarificado que não comprava antes do Natal. Era Setembro.
Comi a sopa, engolindo directamente os enormes pedaços de cebola para dentro do estômago, sem deixar que tocassem os dentes, a língua, o hálito. Pela primeira vez na vida, sujeitava-me ao martírio do corpo em troca dos prazeres da leitura.»

Todo um programa

Numa entrevista ao sociólogo da Educação José Manuel Resende, publicado na nm de ontem, leio um excerto onde este distingue, muito pertinentemente, civismo e civilidade - e onde alude ao programa preconizado por Ana Benavente, que sintetiza nesta fórmula feliz:

«(...) [os] professores (...) passaram a corrigir os comportamentos menos adequados dos alunos, dentro da sala de aula e fora dela, ensinando-lhes uma gramática polida para a argumentação e contra-argumentação.»

Infelizmente, não estou tão certa de que tenha sido bem sucedida nessa missão, embora ela esteja sempre no meu horizonte, em particular quando lecciono Português. Aliás, o programa de Língua Portuguesa aponta na mesma direcção, não obstante o pouquíssimo tempo concedido à leccionação de tantos e tão complexos conteúdos. Infelizmente, uma breve alusão a todas as componentes do programa implica fatalmente uma atomização indesejável. De boas intenções está o (meu) inferno cheio...

Árvore, doce e idóneo abrigo

Os poetas aludem às árvores com frequência. Notem como Camões se refere ao "doce e idóneo abrigo" - que nenhuma árvore mal podada oferece:

"Árvore, cujo pomo, belo e brando,
Natureza de leite e sangue pinta,
Onde a pureza, de vergonha tinta,
Está virgíneas faces imitando;
Nunca do vento a ira, que arrancando
Os troncos vai, o teu injúria sinta;
Nem por malícia de ar te seja extinta
A cor que está teu fruto debuxando,
Que pois me emprestas doce e idóneo abrigo
A meu contentamento, e favoreces
Com teu suave cheiro minha glória,
Se não te celebrar como mereces,
Cantando-te, sequer farei contigo
Doce, nos casos tristes, a memória."

Mea culpa

Depois de tantas diatribes sobre árvores, tenho de fazer aqui um acto de contrição. Com efeito, na segunda-feira passada fui à Direcção entregar fotocópias daquele artigo da Ingenium de que vos falei. Conversei com algumas das poucas pessoas que estavam com paciência para falar com uma activista das causas perdidas. Uma delas tinha uma perspectiva algo diferente, porque vocacionada para a questão das árvores de fruto. Ora, o artigo de que vos tenho vindo a falar prende-se com floresta, não com pomar.

Mas o meu arrependimento tem a ver com uma afirmação que aqui fiz acerca da árvore que caiu cá na escola. Com efeito, o meu colega Vieira, sempre ponderado, disse-me: «Mas olha que eu tenho a impressão de que era um pinheiro. E aqui não é habitual podar os pinheiros, a não ser que alguma ramagem ofereça perigo...» Puxei a fita atrás e lembrei-me que, de facto, tinha olhado para o corte e parecia um pinheiro...










Ora bem: se assim for, aqui fica o meu pedido de desculpas. E o meu agradecimento ao Vieira, por me ouvir e me responder de forma tão desarmante (estava quase, quase a escrever que "da discussão nasce a luz", mas parei, alarmada com a quantidade de lugares-comuns que sou capaz de escrever se não tiver cuidado...)