terça-feira, 26 de julho de 2011

Possessão, uma história de amor

Prometi à Isabel Leite que lhe emprestava um dos livros que alegrou o meu fim de ano lectivo: Possessão, a obra que valeu à britânica A.S. Byatt o Booker Prize. O livro foi editado em Portugal em 2008, mas ou me escapou, ou era caro, ou o achei grande demais, ou fiquei irritada com o subtítulo. Há tempos, já depois de ter descoberto que tinha dado origem a um filme que não vi (de Neil LaBute, com Gwyneth Paltrow, Aaron Eckhart, Jeremy Northam e Jennifer Ehle), descobri-o, por 7,5 euros, numa feira do livro. Foi uma boa horinha, essa, em que adquiri por menos de quinze euros Bomarzo e Possessão.
Se é um trocadilho fácil dizer que fiquei possuída por estes dois livros, ele não é menos verdadeiro. Possessão é um livro de uma arquitectura perfeita, um romance parcialmente epistolar, que contém duas histórias de amor em paralelismo imperfeito. Um livro muito informado acerca da cena artística do século XIX e da crítica na actualidade. Um livro simultaneamente tocante e trocista, romântico e realista. Um livro recheado de "pastiches" de dois escritores que nunca existiram mas nos quais acreditamos. Um quase livro policial. Uma contenda entre uma concepção britânica, circunspecta e reverente da pesquisa literária e uma concepção americana, canibal, neo-colonial, dos estudos literários. Um David Lodge talvez mais bem escrito. Um romance cujo desenlace nos consegue, apesar de tudo, surpreender.
Eu sei que hoje me está a sair tudo demasiado encomiástico, demasiado lamechas, demasiado previsível. Deixem-me, por isso, transcrever um pedacinho deste romance de 529 páginas, que me soube a pouco:
«Roland descobriu que as cartas são uma forma de narrativa que não prevê desenlace nem termo. O seu tempo era um tempo de predomínio das teorias narrativas. As cartas não contam nenhuma história, porque não sabem, de linha para linha, para onde vão. Se Maud tivesse sido menos fria e hostil, ele teria comentado oassunto com ela - como assunto de interesse geral; Mas ela não levantava os olhos nem correspondia ao seu olhar.
As cartas, finalmente, não só excluem o leitor como co-autor, ou previsor,ou adivinhador, mas excluem-no também como leitor, são escritas, se são verdadeiras cartas, para um leitor.»

Isabel: eu empresto-to. Mas devolve-mo depressa.

Ei-los que partem

Uma nova angústia se junta às angústias antigas: esta é a época em que os professores que não pertencem ao quadro de nomeação definitiva (alguns até pertencerão) começam a temer pelo seu lugar. Não pensem que exagero se disser que se me aperta o coração. Aperta-se-me o coração, mesmo se esta fórmula é antiquada e lamechas. Aperta-se-me o coração, mesmo quando não sei o nome dos colegas, nunca estive no mesmo conselho de turma que eles, não tenho a certeza de que disciplina leccionam. Agora imaginem que está em risco o lugar da Sheila, que está cá há cinco ou seis anos, da Cláudia, com que falo frequentemente, do Sérgio, que é sempre simpático. Retrospectivamente, penso nas perdas que sofri ao longo dos anos, pessoas cujos números de telefone conservo, que sei de onde são, onde moram, quantos filhos têm: a Carla Sofia, o Paulo, o Filipe, a Ana...

E agora, a Ivone.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Os nossos filmes




Aproveitei o retorno ao serviço para recarregar o "stock" de filmes na Biblioteca. Trouxe um filme alemão, "Os falsificadores" (de Stefan Ruzowitzky) o qual, além de me ter agradado, me parece muito útil para o nosso trabalho. Trata-se da história (autêntica) de um grupo de prisioneiros dos campos de concentração nazis que são obrigados a produzir moeda e documentos (falsos). O filme tem todos os ingredientes para agradar aos nossos alunos e todos os condimentos para ser útil na leccionação de várias disciplinas. 
Trouxe também mais um filme premiado no festival de Sundance. Por norma, são filmes agradáveis - e este não escapa a essa regra. "Uma outra educação", de Lone Scherfig, tem (tal como "Alta fidelidade" e "O rapaz"), argumento de Nick Hornby. Só que, desta feita, o escritor não adaptou um livro seu, mas baseou-se nas memórias de Lynn Barber. Outro filme interessante, muito, muito apropriado para exploração pedagógica. O "trailer" vale a pena e está acessível em http://youtu.be/qn9IMe5jmf0.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Zero no exame

Hoje sonhei que a Sandra tinha tirado zero no exame. De manhã comentei com a Fá como a atitude dos meus alunos que este ano foram a exame me preocupa: com honrosas excepções, a despreocupação reinou até ao momento de a prova começar. Dois anos de trabalho, nem sempre correspondido. Aulas de preparação para o exame a que apenas um aluno comparecia.

A Fá comenta: "No nosso tempo..." No nosso tempo, nós - éramos poucos. Tínhamos objectivos. Mas também havia outros, para quem tudo era uma galhofa pegada. Que talvez troçassem de quem se preocupava. Onde estão eles agora? Certamente que não sonham que alunos seus tiram zero no exame. Continuarão felizes? E eu, não sou feliz? Ao contrário das personagens de Robert Yates, não me vejo (a maneira como nos vemos é o mais importante, embora possa não corresponder à forma como OS OUTROS nos vêem) como alguém que ficou aquém, que esteve quase lá, que não chegou, não foi capaz, não enveredou pelo caminho certo, não ousou. Sonhei-me professora, eis-me professora. Não me quis tíbia, não creio que o seja. E, no entanto, fico frustrada quando corrijo vezes a fio os mesmos erros. Quando escrevo conselhos que são ignorados uma e outra vez, dezenas, centenas de vezes. Distracções, asneiras, imprecisões que, estou certa, repetiram no exame.

Acarreto há anos a mesma pedra, e nem sempre a consigo levar até ao topo. No ano seguinte, ela volta a deslizar para a base. Carrego-a penosamente. Como será a pedra da Clementina que vende na feira, a pedra do Joaquim que trabalha numa loja de ferragens, a pedra do Bernardino que é lavrador, a pedra da Inês que trabalha nos serviços municipalizados? A pedra do Carlos, que herdou uma agência funerária? A pedra do Augusto, tão "cool", agora a trabalhar numa empresa? Não sonham que os alunos tiveram zero no exame... com que sonharão eles?

Meias-tintas


Esta bela capa pertence a um dos livros que levei da Biblioteca, e que já li. Segunda-feira devolvo-o. Trata-se de um texto breve, bem escrito, interessante. O título é - como tantas vezes - enganador, pois remete para uma felicidade que não está lá. Aliás, todas as personagens são um pouco frustres. Às vezes estão perto dela, mas deitam-na a perder, hesitam, cometem o gesto fatal que estraga tudo, falam um pouco demais, ficam um pouco aquém das expectativas. Talvez a vida seja sempre assim, talvez não.
Gostei do livro, embora prefira autores como Carson McCullers (Coração, solitário caçador ou Balada do café triste) ou uma das autoras que adquirimos recentemente para a Biblioteca, Flannery O'Connor. Este é cinzento, os outros são negros, mesmo negros. Ainda mais perfeitos. 

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Leitura para férias

Embora esteja de férias,  vim à escola e - claro - fui irresistivelmente atraída para a Biblioteca. Ando há meses a ansiar pelas férias, para ler à minha vontade. Há meses a arrecadar livros, a fazer pilhas, a pensar neste e naquele que tenho de acrescentar ao monte.
E mesmo assim, não resisto a levar dois livros da biblioteca: Pau-Brasil, de Jean-Christophe Rufin e Perto da felicidade de Richard Yates (esses já cá cantam, escusam de os vir buscar).
Mas passei de viés por Deixem passar o homem invisível, de Rui Cardoso Martins e O cemitério dos barcos sem nome e O mestre de esgrima, de Arturo Pérez-Reverte. Quase tenho pena de já os ter lido...

Fila para o arroz de pato

Naquele almoço de professores houve uma coisa simplesmente lamentável: uma professora que passou à frente de toda a gente na fila para o arroz de pato.
Eu estava lá, mesmo lá, e vi tudo. Foi a Isabel.
- a Isabel Leite?!
- Não...
- A Costa?
- Nããã...
- Não me digas que foi a Isabel Gonçalves!
- Também não.
- Ah, já sei: A Isabel Oliveira.
- Também não. A outra.
- Qual outra? A... não me digas! A sério?!
- A sério. Olha, estava lá o marido da Helena Balreira, que deu logo por ela.
- Ele há cada uma...
- Quem havia de dizer...
- Há pessoas capazes de tudo.
- Realmente. Uma vergonha para a escola.
- E com gente de fora: o que há-de ter pensado o marido da Helena...?!
- Deus queira que não comente com ninguém.
- Pois, ficamos todos mal.
- Gente desta deixa ficar mal a nossa classe.
- A lata dela!
- Olha que realmente... e nem por isso perdeu o apetite.
- Deve ser por isso que está engordar.
- Bem feito!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Para que serve a literatura?



Pois a resposta, a resposta breve e concisa, à volta da qual todos os devaneios se podem tecer, vem no Ípsilon, sob a forma de confissão: «Estou a ir-me abaixo, é da idade. Tens razão, houve uma altura em que me resignei à literatura. Confesso tudo. Dando como testemunha abonatória das boas intenções poéticas desses meus últimos livros, no que toca a comover, o velho Rodolfo Agrícola, para quem a literatura serve "ut doceat, ut moveat, ut delectet", que é como quem diz: "para ensinar, para comover, para deleitar"».

Exame de Português, 1ª fase: o autor explica-se



O trabalho abrandou e eu aproveito para me dedicar às limpezas e arrumações. Infelizmente, encontro muitos jornais que comprei e não li. Entre eles, o Ípsilon de 14 de Junho que contém uma entrevista que Manuel António Pina. Ora, acontece que eu estou há meses (há meses) a culpabilizar por não ter escrito nada acerca deste nosso surpreendente prémio Camões 2011. Digo surpreendente porque (embora conceda que sou muito distraída e que, por isso, faço às vezes julgamentos apressados de que me arrependo) não é muito habitual que se condecorem autores que não estão a cair da tripeça e, sobretudo, que dizem o que pensam sem contemplações.
Agora encontro a força e o pretexto para (começar a) escrever acerca do M.A. Pina, e também do exame de Português de 12º ano. Se se lembram, a prova concluía com a citação «A importância da literatura para a criança, como para o adulto, é que ela é um "organizador fundamental", que protege a vida contra a automatização e contra a "tragédia da rotina" que ameaça a afectividade e as relações.». Este tema - tal como o seu «primo direito» que saiu no exame de 9º ano - faz-me sonhar. Mas, como não é para sonhar que aqui estou, deixem que vos diga que no tal Ípsilon que estagiou no meu quarto de banho à espera de Go... de leitora traz a resposta. A RESPOSTA.

O Seixas e o Fernando Pessoa

O Seixas mandou-me uma hiperligação que não resisto a colocar aqui: http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=2233.