quarta-feira, 30 de maio de 2012

O teu rosto será o último


Ontem à noite comecei a ler O teu rosto será o último, de João Ricardo Pedro. Fiquei mediatamente cativada pela leitura, mas um tanto apreensiva, pois há algo de inquietante no título e há algo de inquietante na trama (até ao ponto onde li). Não sei se será livro para eu ler à noite, sobretudo tendo de me levantar às 7h.


De manhã, quando liguei o computador, tinha mais uma (boa) informação acerca do livro: Maria do Rosário Pedreira, no seu blogue (http://horasextraordinarias.blogs.sapo.pt/), dava conta das dúvidas que uma pequena figura de um quadro de Brueghel tinha suscitado em alguns leitores. Fiquei ainda mais entusiasmada: lembrei-me de um dos meus livros preferidos, O Cavaleiro Polaco de Antonio Muñoz Molina, onde uma parte da trama gira à volta do quadro homónimo de Rembrandt (isto já para não falar da importância de uma fracção minúscula de Vista de Delft, de Vermeer, em À la recherche du temps perdu, de Proust). Este livro augura algo de bom...



Uma das coisas irritantes à volta da aura do livro - e da figura - de João Ricardo Pedro, e que este se apressa, branda mas firmemente, a repelir, é a historinha irritante do desempregado que agarrou a "oportunidade" para fazer algo melhor. Por favor, esqueçam essa frase batida, que nem o livro, nem o autor, nem os desempregados deste país merecem o paternalismo.

Esplendor sob as árvores



SONETO EM BUSCA DE UM AUTOR



Os corpos nus como troncos sem casca
exalam às vezes um odor tão
doce, homem e mulher
debaixo das árvores loucamente

em harmonia com o tapete de
aromáticas folhas de pinheiro
bordadas com videira virgem
disso poderia fazer-se um soneto


Disso poderia fazer-se um soneto! louco odor
odor de agulhas de pinheiro, odor de
troncos sem casca, somente odor
de videira virgem que


não sem odor, odor de mulher nua
por vezes, odor de homem



William Carlos Williams

In http://bardoblanca.blogspot.pt/2009/02/sonnet-in-search-of-author-nude-bodies.html (30/5/2012)

quarta-feira, 23 de maio de 2012

São laranjas, senhor

 



Esta escola tem coisas muito boas. Muitas. Hoje vou falar-vos de uma delas, apenas uma.

Há anos que a Maria José Ribeiro nos traz miminhos: bolos, biscoitos, compotas, chás, nozes, plantas variadas, variantes locais de frutos exóticos. De vez em quando chegamos e temos uma mesa posta, à volta da qual conversamos, petiscamos, somos amigos, somos escola.


Este ano, em que a crise mais se fez sentir, a Manuela Maia e a Graça Balreira começaram a trazer laranjas. E tem havido laranjas todas as segundas-feiras. Na semana passada encontrei a Manuela e agradeci-lhe mais uma vez. Para minha surpresa, disse-me que as laranjas dela tinham acabado há muito. Fiquei mais atenta, e, na segunda-feira, vi o Amarílio Barbosa entrar, muito sorrateiro, com duas sacadas de laranjas e limões, que pôs no prato grande da sala de professores.


É tão bom, sobretudo para nós, que de terra só temos a dos vasos da varanda e a que levamos nas solas dos sapatos, poder levar "coisas de casa"... pormenores (?) que fazem desta escola a nossa casa.

 

Oh, as árvores, as árvores

Somos folhas breves onde dormem


aves de sombra e solidão.

Somos só folhas e o seu rumor.

Inseguros, incapazes de ser flor,

até a brisa nos perturba e faz tremer.

Por isso a cada gesto que fazemos

cada ave se transforma noutro ser.

(Eugénio de Andrade)

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A semana das línguas, o dia do Francês

Na semana de 7 a 11 de Maio, comemorámos - nós e muitas outras escolas - a Semana Europeia  das Línguas. Na terça-feira, dia do Francês, exibimos o filme "Welcome", de Philippe Lioret. Como somos muito ecuménicos, foi o Aquiles Loureiro (professor de Geografia) que fez o enquadramento geo-político de um filme diferente que suscitou, no fim, um debate que incluiu opiniões variadas - e sempre interessadas.

 



À-parte: o sr. Vilaverde foi chamar-me ao auditório e, quando viu que estávamos a passar aquele filme, perguntou-me se eu sabia que ele tinha passado na televisão no fim-de-semana anterior (não sabia) e disse-me que já o tinha visto duas vezes e tinha gostado muito. São estas coisas que me fazem sair bem disposta da escola...

Bem dispostos, também, nós os três: a Ana Paula Matos, o Aquiles e eu, que tínhamos combinado a exibição e o debate em articulação com a Oficina de escrita. Bem dispostos os professores que acompanharam os alunos (tanto quanto é possível) presos à trama narrativa: a Maria José Carvalho, nossa parceira da Oficina de escrita, a Arminda Fernandes, o José António Costa, a Gracinda Duarte.

 
Bem dispostos, os alunos que depois, de moto próprio, foram comentar o filme com outros professores de Geografia (a Fernanda Barbosa e o Jorge Cidade).


Numa "onda" completamente diferente, exibimos no átrio da escola o filme "Benvindo ao norte" de Dany Boom

 


e, no bar de professores (Cineclube Arminda Fernandes ;), "Tempos modernos" de Jacques Tati. Não nos digam que não somos eclécticos...




Nesse dia, a ementa da cantina foi " bouillabaisse" (com a comida foi distribuída a receita - fácil e barata para os tempos que correm - para levar para casa). Houve petits gâteaux, cortesia da "pâtisserie d'à côté", a Baba (merci infiniment). A música que a rádio escolar difundiu nesse dia foi francesa (obrigada, Cruz). Como sempre, espalharam-se revistas francesas na sala dos alunos (as de moda foram as mais manuseadas, claro).
Na quarta-feira, dia do Inglês, houve o tradicional "Tea with scones and cake".

Quanto aos crêpes, à crème brûlée e à pizza que pudemos desgustar na quinta-feira, foram feitos por iniciativa da turma de 12º do Curso profissional de Turismo, apoiado pela Alexandra Amador e pela Sónia Gomes. Nessa quinta-feira, dia do Português, o Custódio Braga exibiu, no auditório, o filme "Aquele querido mês de Agosto", de Miguel Gomes.

 


Minas e armadilhas na Internet

Na revista Jeunes N.º 153 surgiu um texto relativo a um professor de uma Escola Secundária parisiense que decidiu lançar uma armadilha aos alunos, apresentando-lhes um poema de um autor desconhecido do século XVII, que os alunos teriam de comentar. Entretanto, semeou pistas falsas na Internet, nomeadamente na respectiva página da Wikipédia. Em concreto, inventou-lhe uma amada imaginária, Mademoiselle de Baunais.
Dos 65 alunos que tinham de fazer este exercício, 51 copiaram as passagens falsas. 

Loys Bonod, professor no "Lycée Chaptal" de Paris

domingo, 13 de maio de 2012

Bernardo Sassetti Reflexos Movimento Circular



Têm morrido pessoas que nos fazem falta e de quem, por pudor, não vos falei. Pessoas que nem sequer conheci, mas que deixam o país mais pobre. Pela maneira de ser, pela atitude cívica, pela vontade de intervenção que instilavam nos outros, pela coragem, pela entrega.
Sempre pensei que Bernardo Sassetti escreveria, e interpretaria, as músicas com que eu queria continuar a viver (a pensar, a reflectir, a namorar) e a sobreviver (a trabalhar demais). Música que me confere tranquilidade e que me faz sentir que sou mais do que alguém que consegue - ainda consegue - aguentar o trabalho sem fraquejar. Agarro-me mais ainda aos discos que ouço durante horas, de que nunca me canso e que me mantêm em movimento.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Oh as árvores, as árvores

AS ÁRVORES

 

Falam pouco as árvores, é sabido.
Passam a vida toda a meditar
e a mexer os ramos.
Basta olhar para elas no Outono
quando se juntam nos parques,
só conversam as mais velhas,
as que partilham as nuvens e os pássaros,
mas a sua voz perde-se nas folhas
e chega-nos muito pouco, quase nada.
É difícil encher um livro, mesmo breve,
com pensamentos de árvores.
É tudo vago nelas, fragmentário.
Hoje, por exemplo, ouvindo o grito
de um tordo negro, no caminho para casa,
grito final de quem não espera outro verão,
eu percebi que pela sua voz falava uma árvore,
uma entre tantas,
mas não sei o que fazer com esse grito,
não sei como apontá-lo.

(Eugenio Montejo)

Um acto subversivo

Recortei de uma Notícias Magazine (a minha mania das reciclagens é às vezes tão extrema que não posso especificar a data...) o texto intitulado "Marta, a plantadora", onde se fala da bióloga Marta Pinto. Cito-a, para que não restem dúvidas: «Ao plantar árvores, estamos a instalar fábricas de fazer oxigénio, filtrar e controlar os níveis de água no solo, sequestrar carbono da atmosfera, fazer microclimas, proteger o solo, renovar a paisagem e produzir recursos.»
Adoro o remate: «Num mundo saturado de consumo e de dióxido de carbono, plantar árvores é um ato subersivo e de cidadania.»

 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Era um verbo



Depois de ter encontrado o poema, li-o e fiquei parada na palavra "esmero". Nome ou verbo? Nome ou verbo? Ele ou ela? O meu centro de recursos nem hesitou e passados dois minutos estávamos a ouvir Adélia a dizer o seu próprio poema. Não é maravilhoso ter um centro de recursos assim?

"Para o Zé" - e para a Luísa

PARA O ZÉ

Eu te amo, homem, hoje como
toda vida quis e não sabia,
eu que já amava de extremoso amor
o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos
de bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe — os
lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer
te amo.
Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate.
Eu te amo, homem, amo
o teu coração, o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
de tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
“Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”.
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor.
Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.

Adélia Prado

O convite para as bodas de prata...

... especificava expressamente para não levarmos presentes, mas um poema de que gostássemos, para ser pendurado na "árvore poética" da família (também podia ser uma música para ser tocada/cantada ao vivo na festa). Não é maravilhoso termos amigos assim?
Ora eu, que só canto no segredo mais fundo do meu lar e adoro Adélia Prado, encontrei este poema lindíssimo da minha poeta brasileira preferida. O poema só tinha dois problemas: o título ("para o Zé"? então e a Luísa?) e as minhas dúvidas quanto à classificação morfolófica da palavra "esmero". Seria um nome (o Zé é esmerado)? ou uma forma verbal (eu, sujeito poético feminino, esmero-me)?

quarta-feira, 2 de maio de 2012

"A casa de Bernarda Alba"


Eu às vezes sou uma ingrata. Se não, vejamos: no dia 23 de Março vim assistir à leitura pública de um texto de que gosto muito, mas que li há muitos, muitos anos:  A casa de Bernarda Alba, de Federico García Lorca (na foto). Foi um prazer assistir à leitura - na medida em que um texto tão angustiante pode ser um prazer. Um prazer... estético -, foi um prazer encontrar os elementos da Comunidade de Leitura Dramática (Projecto BragaCult - Companhia de Teatro de Braga (CTB) da nossa escola, as nossas amigas Ana Cristina Oliveira, Maria do Céu Costa e Manuela Artilheiro (vem ver-nos mais vezes, Manuela), foi um prazer encontrar novamente uma "diseuse" nossa amiga, Ana Arqueir e, the last but not the least", as amigas Helena Guimarães e Dila.

Mais, quero mais...
Na sexta-feira (era sexta-feira, foi bom, bom, bom, bom) a comunidade de leitores jantou. "A festa de Babette" pedia-o (embora, segundo o Luís Castro, devêssemos ter ido todos de "babette". Pois. Terá sido por isso que ele não apareceu...
Éramos catorze comensais, mais dois do que na novela. E tivemos a um "menu" muito diferente: nem sopa de tartaruga, nem "blinis", nem veuve Cliquot. Mas foi um jantar animado, onde se falou do livro, de livros, de receitas, de filmes - e, caso pouco habitual em jantares destes, muito pouco de escola. Foi uma boa ceia, com apenas um defeito, que a Teresa apontou, e com muita razão: uma mesa redonda teria sido melhor, pois todos podíam falar com todos. assim, as conversas eram mais... "sectoriais".
A Isabel Leite sugeriu como leitura para a próxima sessão (dia 15 de Junho, às 15h, secção gastronómica a cargo da Teresa e da Lurdes) O estranho caso do cão morto de Mark Haddon e todos concordámos. (Mas já reparei que se está a formar um lobby para, na seguinte, ser O retorno, de Dulce Maria Cardoso. Aguardamos pelas cenas dos próximos capítulos.)


http://www.esec-emidio-navarro-alm.rcts.pt/mar_da_palha_16/01040215.jpg


Aviso à navegação: temos cá um exemplar, um único, desse livro. Despachem-se!