domingo, 16 de dezembro de 2012

Uma profissão miserável



No último dia de aulas, vim para casa triste e desanimada. O *****, que é meu aluno há três anos, está sempre (sempre sempre sempre sempre sempre) distraído. Advirto-o. «Ó *****...», gasto-lhe o nome. Está sempre corado de jogar futebol nos intervalos, da excitação de dizer larachas, de me tentar fintar, de se meter com as meninas. Passa as mãos no cabelo vezes sem conta e veste-se com aprumo - embora o tempere com displicência q.b. Acho graça ao *****, mas sei, e digo-lhe, que tamanha brincadeira não pode dar resultado. Durante dois anos e quatro meses, o ***** ignorou-me (não direi olimpicamente, pois ele não é assim) sistematicamente.

Na sexta-feira, autoavaliação. O ***** arrepelou-se todo. Que eu sou muito injusta, que lhe devia "dar" uma positiva. Lembro-lhe que ele é que tirou negativas. Repito, como em penitência, o rol de tudo quanto lhe tenho dito. Em último recurso, digo-lhe que tem de assumir, agora, a brincadeira das aulas. O ***** está muito aborrecido, fala alto, faz má cara, levanta-se, faz «Oooooh», tenta convocar a benevolência dos colegas para a injustiça que eu estou a cometer (as notas são dele, é ele que está a preencher a ficha de autoavaliação). Zanga-se. Arrepela-se todo.
Também eu fico triste. Não gosto de ver alunos que se confrontam com o seu insucesso (sobretudo quando - e é a esmagadora maioria dos casos - esse insucesso resulta da sua ausência de atenção nas aulas, mais ainda do que da clássica falta de trabalho). Custa-me. Fico triste por não lhe poder «dar» a positiva, como quem dá um bonbom, como quem dá um presente.

Venho para casa triste e desanimada. Devia estar doida quando resolvi ser professora, eu que sonhei com tradução (literária, ainda por cima). Lutar apenas com a frase justa, a palavra justa. Aprender, em vez de tentar, miseravelmente, falhando sempre, ensinar.

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