quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

"Os homens que odeiam as mulheres" e "A rapariga que sonhava com uma lata de gasolina e um fósforo"

A Biblioteca adquiriu em Dezembro uma boa quantidade de livros absolutamente imperdíveis. Deles falaremos em breve. Por hoje, vamos apenas falar da série policial Millenium. O primeiro livro do jornalista sueco Stieg Larsson (1954-2004), intitulado Os homens que odeiam as mulheres, é hipnótico. Trata-se de um extenso volume em que, paralelamente à intriga policial, se criticam algumas formas de jornalismo financeiro, o que, nos tempos que correm, nos toca particularmente. Este volume, publicado em 2005, demonstra (ficcionalmente...) como os dados económicos podem ser manipulados em prol de interesses obscuros. Contudo, este é apenas um dos aspectos de uma obra atravessada por várias temáticas. Além disso, hoje gostaríamos de destacar um aspecto interessante do segundo volume da trilogia, A rapariga que sonhava com uma lata de gasolina e um fósforo.


Estranhamente, vamos falar de... Matemática. E porque não? A Matemática rege a nossa vida. As leis matemáticas regem o Universo (sim, a nossa linguagem carece provavelmente de rigor científico... mas à quarta-feira de manhã não está aqui na Biblioteca nenhum professor de Matemática a quem possamos colocar dúvidas. Por isso, se discordarem, enviem-nos um comentário). Mas voltemos ao nosso livro. Tal como sucedia com o anterior, também neste se entrecruzam várias temáticas, designadamente o tráfico de mulheres, a investigação criminal, a pirataria informática ou o jornalismo de investigação. Um dos fios condutores, aquele que interliga cada parte entre si, é a resolução de enigmas matemáticos. Lisbeth Salander, a hacker, é uma mente brilhante que se entretém a deslindar enigmas célebres como quem resolve um sudoku. Essa descrição inicia-se na página 28 e conclui-se, temporariamente, na página 32, sendo, no entanto, retomada ao longo da narrativa - até ao momento em que Lisbeth resolve o teorema de Fermat. Para esta jovem disfuncional, «A equação de Pitágoras (x² + y² = z²), formulada cinco séculos antes de Cristo, fora uma epifania. Neste momento, Lisbeth compreendera o significado do que decorara na escola secundária, numa das poucas aulas a que tinha assistido.» (p. 29). E, para não nos acusarem de exageros, transcrevemos o comentário à fórmula euclidiana sobre os números perfeitos pares: «Podia continuar indefinidamente sem encontrar um único número que quebrasse a regra. Havia ali uma lógica que apelava à sua noção de absoluto.»


segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Neurónios atrofiados


Sermão de uma profe de Português a seus alunos desmotibados


A maioria dos meus alunos de décimo ano tem entre quinze e dezassete anos. Alguns deles distraem-se nas aulas com frequência. Um ou outro (o T****, o D****, o R**, por exemplo) parece não prestar a mínima atenção. Isso vale-lhes, de vez em quando, uma reprimenda à moda antiga. Na sexta-feira, porém, lembrei-me de um concerto a que assisti há tempos na Fnac de Braga. A banda chamava-se "Neurónios abariados". Os seus elementos, todavia, têm tudo menos neurónios avariados. Estes meus alunos tão-pouco. Mas ficarão certamente com os neurónios atrofiados se continuarem a frequentar a escola como se de terapia ocupacional se tratasse. Como se as aulas fossem apenas a antecâmara para o intervalo. Como se a matéria não viesse a ter nenhuma utilidade no futuro. Pois enganam-se, meus jovens, ingénuos e incautos alunos. Quanto mais não seja, o exercício activo das vossas capacidades intelectuais no decurso de uma aula - qualquer que seja a disciplina - impedirá os vossos neurónios de se atrofiarem. Ou querem chegar aos vinte e cinco anos com uma cultura geral equivalente à dos catorze? Com uma quantidade de sinapses cerebrais semelhante à dos quinze?




P.S. 1 Bem sei que a minha linguagem carece de rigor científico. Mas perceberam o que quero dizer... ou não?!


P.S.2 Obrigada à equipa de Biblioteca por me deixar publicar aqui este desabafo.


Elvira Fortunato versus Carlos Fiolhais

A gratidão é bonita, e nós gostamos.
Na sexta-feira passada, de regresso a Braga, ouvimos uma breve entrevista radiofónica concedida à Antena 2 por Carlos Fiolhais. Apesar do interesse da entrevista no seu todo, gostaríamos de destacar a parte em que o cientista se referia à classe docente. Carlos Folhais é um aluno grato e reconhecido aos professores que teve. Lembrou-nos, por contraste, a atitude da cientista Elvira Fortunato. Esta portuguesa brilhante é um típico produto da escola pública portuguesa do pós 25 de abril. Aparentemente oriunda de um meio modesto (jornalista dixit), a professora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Lisboa lidera uma equipa que produziu os primeiros transistores em papel, o que lhe valeu a atribuição de um prémio pelo European Research Council. Um exemplo que nos encheria incondicionalmente de orgulho, não fosse o facto de a investigadora, em entrevista ao Expresso, ter afirmado, a propósito da escolarização da única filha, a sua desconfiança pela escola pública. A própria carreira de Elvira Fortunato parece desmentir as suas afirmações. Numa sexta-feira fria e chuvosa, cheias de fome e cansadas, o pensamento, porventura injusto, que nos ocorreu, foi: "Não sirvas a quem serviu nem peças a quem pediu". E ainda "Este Carlos Fiolhais é um sinhor." Assim mesmo, à moda do Norte.
(E escusam de nos perguntar o que significa dixit. Quer apenas dizer que foi o/a jornalista que disse, e não nós. Mas em latim é mais engraçado)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Quem tem medo das comédias românticas?

Na entrada anterior falávamos de cinema. Há tempos fomos ver um filme um pouco negro, intitulado "Baile de Outono". Jamais o recomendaríamos aos alunos desta escola. Não agora. Não esta fase da vida. Daqui a uns anos, talvez...

Nesse filme, havia uma personagem, um homem jovem, muito mulherengo. Acontece, porém, que o nosso D. Juan se apaixona. A partir desse momento, tudo se altera. Aparentemente, toda a vida esperou por aquele momento. Partilha com a sua eleita os seus projectos de vida e despede-se do emprego para montar a empresa com a qual sonhava e para a qual amealhara todo o seu dinheiro. O problema é que a mulher por quem se apaixonou tem uma atitude semelhante à que ele próprio, até então, tinha adoptado. E não está interessada nele.

O sedutor seduzido fica decepcionadíssimo, e é obrigado a voltar ao seu antigo emprego de porteiro de hotel. É no exercício dessas funções que lhe aparece um hóspede completamente embriagado. Seguindo as normas, vai expulsá-lo, mas uma testemunha adverte-o de que se trata de um realizador de cinema célebre. O porteiro ignora o aviso e continua a empurrar o hóspede indesejável. A meio do caminho, estaca e pergunta-lhe que tipo de filmes realiza. O bêbedo responde: "Comédias românticas." E o porteiro espanca-o até à morte.

E qual é a moral da história?, perguntarão vocês, escandalizados. A moral da história, julgamos nós, é a seguinte: Este homem acreditava no amor. Os filmes (os livros, as músicas) apontavam-lhe uma única via para a felicidade: o amor, a vida a dois. Embora fizesse das mulheres objectos descartáveis, sonhava com uma companheira para a vida. Mas, depois, o "princípio da realidade" abateu-se sobre ele. O pobre tinha deparado com uma mulher com uma atitude idêntica à sua. E de quem era a culpa? Das comédias românticas...

E no entanto... no entanto, às vezes NÃO há como uma comédia romântica para nos animar num dia triste e chuvoso como hoje... Riam-se delas, riam-se com elas. Consumam com moderação, desconfiem um bocadinho. Lembrem-se que a vida não é assim, não é só assim. E façam-nos o favor de ter uma boa tarde livre - que nós vamos ter reuniões...

Filmes na Biblioteca



Este blog anda pouco cinéfilo. Nós andamos pouco cinéfilos: não por falta de vontade, não por falta de filmes, mas por falta de tempo. E o cinema, tal como os livros, os alimentos, a música ou o ar que respiramos, são necessários à vida. Acabámos de escrever isto e já estamos a imaginar o coro de protestos, talvez liderados pelo Jorge e pela Sara: «-Necessários à vida?! Quanta gente por esse mundo fora não tem acesso a livros ou a filmes? E vivem na mesma...» Os nossos "protestantes" têm razão. Mas não no que aos alunos da Escola Secundária de Vila Verde diz respeito. Esses, assim o queiram, têm acesso gratuito a esses bens culturais. O nosso coro tem frequentemente razão - mas não desta vez.

Falávamos de cinema, talvez porque ultimamente alguns elementos da equipa da Biblioteca têm estado a trabalhar com os episódios do filme "Paris je t'aime". Um destes dias falaremos acerca dele. Melhor ainda: porque não nos falam vocês deste filme? Quer o tenham visionado nas aulas de Filosofia ou de Francês, quer o vejam aqui na Biblioteca; quer coloquem um "post", quer nos tragam um texto para nós transcrevermos - escrevam. Nós estamos receptivos.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Já alguma vez leste?

Esta interrogação não é retórica. A professora Ana Cristina Oliveira contou-nos que um seu aluno do décimo primeiro ano andava excitadíssimo com o Código da Vinci. Tratava-se de um rapaz que, aparentemente, nunca tinha lido. Nunca tinha lido? Nunca tinha lido... livros. Ou seja: aprendeu a ler. Sabe ler. Lê. Claro que lê: deve ter lido "milhões" de letreiros, textos, testes, cartazes, legendas de televisão, rótulos... mas nunca tinha tido uma experiência de leitura.
Eis senão quando, um amigo lhe empresta O Código da Vinci. Ora um amigo não é um professor, um empréstimo não é uma obrigação, nem uma ordem, nem um trabalho de casa. O nosso rapaz abriu o Código da Vinci e descobriu que, afinal, AFINAL, gostava de ler. Foi assim uma espécie de epifania: não dormia, não comia, só queria ler. Donde se conclui que o nosso herói nunca tinha sido interpelado por um livro que lhe agradasse. Nunca tinha sido "agarrado" por um livro. Nunca tinha apanhado esse vírus, pior (porque mais duradouro) que o da gripe. Mais fiel do que a paixão. Mais barato do que estar na moda.
É o João Paulo Gonçalves do 11ºL. Perguntem-lhe...
(E não precisam de nos perguntar o que queremos dizer com epifanias. Estamos apenas a referir-nos a uma revelação súbita. Mas é mais bonito assim.)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Oxalá

O nosso mote para o novo ano: Oxalá...

Mas, primeiro, umas noções de etimologia (afinal de contas, estamos no blog da Biblioteca, e um bocadinho de erudição nunca fez mal a ninguém). Assim, Oxalá é uma interjeição que provém do árabe wa xā llāh e que significa "Queira Deus, Se Deus quiser". Em tempos mais laicos, é também usado na acepção de "Tomara, quem dera".

Madredeus (Composição: Pedro Ayres Magalhães)



Oxalá me passe a dor de cabeça, oxalá

Oxalá o passo não me esmoreça, oxalá

Oxalá o Carnaval aconteça, oxalá

Oxalá o povo nunca se esqueça, oxalá

Oxalá eu não ande sem cuidado, oxalá

Oxalá eu não passe um mau bocado, oxalá

Oxalá eu não faça tudo à pressa, oxalá

Oxalá o meu futuro aconteça, oxalá

Oxalá que a vida me corra bem, oxalá

Oxalá que a tua vida também

Oxalá o Carnaval aconteça, oxalá

Oxalá o povo nunca se esqueça, oxalá

Oxalá o tempo passe hora a hora, oxalá

Oxalá que ninguém se vá embora, oxalá

Oxalá se aproxime o Carnaval, oxalá

Oxalá tudo corra menos mal



Oxalá para vocês também!

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Palavras morais de um outro tempo ou de como a "Auto-ajuda" nasceu muito antes de os Estados Unidos existirem como nação

Neste início de ano, jornais, revistas, rubricas radiofónicas e televisivas enchem-se de preceitos de bem viver. Nós resolvemos fazer pesquisa arqueológica e encontramos esta...

... «Regra sua pera quem quiser viver em paz»

Ouve, vê e calla
e viverás vida folgada:
tua porta cerrarás,
teu vezinho louvarás,
quanto podes nam farás,
quanto sabes nam dirás,
quanto vês nãn julgarás,
quanto ouves nam crerás,
se queres viver em paz.
Seis cousas sempre vê
quando falares, te mando:
de quem fallas, onde e quê
e a quem, como e quando;
nunca fies nen perfies
nem a outro injuries;
non estês muito na praça
nem te rias de quem passa;
seja teu todo o que vestes,
a ribaldos (vadios, velhacos) nam doestes (injuries);
nam cavalgarás em potro
nem ta molher gabes a outro;
nam cures de ser picam (brigão, valentão)
nem travar (discutir) contra rezam.
Assi lograrás tas cãs
com tuas queixadas sãs.

Dom Joham Manuel

É fácil perorar acerca da "perenidade do espírito humano". Afinal de contas, é incontestável que o respeito por estas regras (de que talvez exceptuássemos a parte de cavalgar um potro, que nos parece um tanto improvável) permitirá atingir a idade madura sem grandes problemas. Porém, "quanto podes nam farás" podia ser levado à conta de preguiça. Tibieza, talvez? Uma certa hipocrisia, que também poderia ser qualificada como diplomacia... Mas, atenção: nem melhor nem pior do que se lê e ouve por aí. Só com uma ortografia mais arrevezada.