sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A escola, como uma casa



 
Famílias felizes e famílias infelizes

Se todas as famílias felizes são iguais,
também o são todas as famílias infelizes,
cujas vidas celebramos
porque estão cheias de movimento e ardor,
porque elas são aquilo que pensamos que a vida é.
Alguém mente e alguém está a ser
vítima de mentira. Alguém é agredido
e alguém é o sujeito da agressão.
Alguém reza, ou chora
porque não sabe como rezar.
Alguém bebe durante a noite;
alguém se encolhe nos cantos;
alguém ameaça e alguém suplica.
Palavras azedas à mesa,
soluços amargos no quarto;
represálias surdas no espelho da casa de banho.
A casa estala com segredos;
todos preparam o seu plano de fuga.
Alguém se desmorona sem produzir um som.
Às vezes, alguém sai de casa
numa maca, num silêncio terrível.

Quanta energia gasta em sofrimento!
É como um fogo que arde sem parar
mas não consegue arder até ao ponto da sua extinção.
As famílias infelizes nunca são indolentes;
estão sempre em acção,
ao contrário das outras, as felizes,
aquelas em que nunca se levanta a voz
ou se cospe sangue, aquelas que nunca
fizeram nada para merecer a felicidade que têm.

Lisel Mueller

A importância de ler "Anna Karenina"


anna karenina

Em Junho, reli Anna Karenina de Léon Tólstoi. Apesar de se tratar de uma leitura inquietante, de ter a noção de que me lembrava de muito pouco, talvez do menos importante; ou de que amadureci/envelheci muito desde então, o que alterou grandemente os meus interesses e prioridades, a-d-o-r-e-i. É maravilhoso ter livros assim para ler ou reler.  Essa releitura levou-me a mudar a introdução ao nosso livrinho de cozinha, que fazia, justamente, uma alusão ao início do romance.
Esse preâmbulo, que acabei por apagar, glosava o tema das escolas felizes (se têm ou não têm histórias). Em Junho do ano passado, apesar de todas as vicissitudes, sentia-me feliz na escola. Este ano, com a enorme (colossal) sobrecarga de trabalho que nos caiu em cima - a mim particularmente, ou estarei a ser "autocentrada"? - até me arrepio a pensar que um tal texto poderia andar por aí a circular...

Um poeta (de Cervães) homanageia outro poeta




(Fotografia: António Sabler in http://duas-ou-tres.blogspot.pt/)


O PINA


«São várias as tribos que habitam a cidade. Entre elas há uma, talvez a mais insignificante de todas, constituída por poetas para quem poesia e salvação do mundo são uma e a mesma coisa.


Com a morte do Eugénio de Andrade, e sem se dar conta, o Pina passou a liderar essa tribo. Ele é em muitos aspectos a antítese do Eugénio: não estou a ver nenhum jovem poeta cheio de borbulhas a tocar à campainha do n.º 119 da Rua de S. João Bosco. O Pina é um judeu zen, de uma docilidade extrema. Um sportinguista apaixonado pela teoria das cordas.

Foi a experiência da poesia que nos aproximou. Passaram muitos anos, desde que nos conhecemos a uma mesa do Piolho: encontros em outros cafés, em casa, telefonemas quilométricos depois do jantar. A poesia continuou sempre presente: às vezes apenas num verso e ultimamente cada vez mais no silêncio.»



Jorge Sousa Braga

(texto publicado no Jornal de Letras, num número de homenagem a Manuel António Pina)



segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A morte saiu à rua num dia como sexta


Assim chega o viajante à tardia idade / em que se confundiram ele e o caminho


O REGRESSO


Como quem, vindo de países distantes fora de

si, chega finalmente aonde sempre esteve

e encontra tudo no seu lugar,

 o passado no passado, o presente no presente,

assim chega o viajante à tardia idade

em que se confundem ele e o caminho.


Entra então pela primeira vez na sua casa

e deita-se pela primeira vez na sua cama.

 Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,

cidades, estações do ano.

E come agora por fim um pão primeiro

sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.


Como se desenha uma casa (Lisboa: Assírio & Alvim, 2011)

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Perigos da aldeia global



Não pensem que encontrei este vídeo sozinha... não, fui buscá-lo ao sítio do costume... onde encontrei  estoutro, a não perder...

Música para os meus ouvidos




"Summertime", de George Gershwin, interpretado por Ella Fiztgerald...

terça-feira, 16 de outubro de 2012

O artigo que eu gostava de ter escrito... mas não escrevi.

No Página 23 (http://blogues.publico.pt/pagina23/) de hoje:

«Mentir melhor para vender melhor


 
For­jar notí­cias fal­sas para mel­hor cap­tar a atenção é o que estão a fazer alguns depar­ta­men­tos de mar­ket­ing. Men­tir mel­hor para vender mel­hor pode­ria ser o lema. Depois de se ter ficado a saber que a muito noti­ci­ada história de amor de um jovem que andava por Lis­boa “à procura de Diana” era, afi­nal, uma cam­panha de uma marca de roupa, eis que se toma con­hec­i­mento de uma nova men­tira para con­quis­tar a atenção e vender alguma coisa. Desta vez, como hoje noti­cia o Público, o pro­tag­o­nista é um jovem can­tor muito pop­u­lar. Na sem­ana pas­sada, as notí­cias davam conta de um assalto a sua casa. Agora, ficou a saber-se que a men­tira era um expe­di­ente para impin­gir o seu vídeo mais recente. Para que a men­tira, que causa óbvios pre­juí­zos à cred­i­bil­i­dade dos media que invol­un­tari­a­mente a difun­dem, não fique impune, era bom que não se fizesse mais qual­quer refer­ên­cia a quem patrocina e ben­e­fi­cia com estas tra­paças. E para que nem tudo valha, assim evi­tando que a men­tira, infil­trada osten­si­va­mente no corpo noti­cioso, se apre­sente como “valor” emer­gente, era bom que os engana­dos não fos­sem a seguir procu­rar os pro­du­tos dos enganadores.»

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

"O nome da discórdia", um filme a ver



Na sexta-feira fui ao Bragashopping ver este filme simpático, engraçado, inquietante. Tal como às vezes acontece com certos filmes de Roman Polanski (especialmente com "O deus da carnificina"), fiquei com a sensação de estar a assistir a uma peça de teatro, muitíssimo bem escrita e interpretada,  "passada" para filme por Matthieu Delaporte e realizada por este e por Alexandre de La Patellière.

Quando levo um filme francês para dar nas aulas, é comum ouvir «Eu não gosto de filmes franceses!».
O Diogo, então, nunca falha (mas depois adora e é o primeiro a perguntar: "Madame, quando é que traz outro filme?»).
 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Puro deleite, ao alcance de um clique

Gosto muito de ouvir rádio: até as notícias prefiro ouvir (quando não as posso ler todos os dias, como gostaria). A televisão angustia-me (vejo cada coisa...) e irrita-me: parece-me haver pouca investigação, é muito frequente irem "a reboque" das notícias dos jornais dos dias anteriores.

Tenho uns fetiches: gosto muito de ouvir a Antena 2 e adoro ouvir o Pedro Malaquias (é raro conseguir, que eu trabalho), ouço muito a TSF e às vezes a Antena 1.

Ao Domingo, quando estou em casa, delicio-me com "A cena do ódio", um programa de David Ferreira e Catarina Limão. Um programa temático, de extremo bom gosto.

 

Se clicarem em  http://www.rtp.pt/play/p651/e94639/a-cena-do-odio, vão ver como às vezes, mesmo quando o verão passou (montado numa bicicleta), o Outono chega em todo o seu esplendor... e não digam a ninguém, mas os "podcast" estão todos lá, disponíveis...

Novidade escaldante: as colunas de som do gabinete da Margarida III



Miles Davis: maravilhoso (a minha música preferida para trabalhar e namorar)

Novidade escaldante: as colunas de som do gabinete da Margarida II





Keith Jarrett: bom, muito bom.

Novidade escaldante: as colunas de som do gabinete da Margarida I



O Yves Montand novinho, novinho, novinho...

Sem pressas, folhas mortas



 



Não me mostres nenhum norte

nem estradas para lá:

são tudo embustes.



Mostra-me antes pedras, folhas mortas

de Outono atapetando o chão das matas,

voos de libelinha rasando o sol poente,

cândidas risadas infantis.



Quero eu dizer: mostra-me coisas

daquelas que se corrompem sem pressa.    
(A. M. Pires Cabral)   In http://toutinegraboinapreta.blogspot.pt (with a little help from my Centro de recursos)



segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A nossa comunidade de leitores: felicidade em dose mensal

 

O livro que vamos ler na "Comunidade de leitores" é Felicidade, de Will Ferguson. A Isabel Costa emprestou-mo no Verão passado e gostei muito, tanto por se tratar de um livro muito engraçado, como por desmontar muita da parafernália new age, auto-ajuda, "chá-lá-lá" (como diz a minha irmã). Em tempos de crise, é útil e premente analisar estes mecanismos, que constituem perigos reais para pessoas crédulas. Fazê-lo divertindo-nos é ainda melhor.

L'écume des jours, A espuma dos dias



Uma das cenas inesquecíveis do livro A espuma dos dias ocorre quando Colin, tentanto salvar a sua amada Chloé, arranja um trabalho.
Uma forma rápida de ganhar dinheiro (para quem não quer plantar eucaliptos para além dos limites do razoável, ou para quem não quer optar pela venda de droga) consiste em empregar-se na indústria de armamento. Para fazer armas é preciso calor humano, pelo que Colin se deita, despido, sobre doze buracos perfurados no solo, repartidos entre o fígado e o coração. Assim, nesta obra(-prima) de Boris Vian, a indústria do armamento não aniquila apenas aqueles que são atingidos pelos seus projécteis, consome, também, aqueles que os produzem.

Colin, com a sua total inépcia para o trabalho, produz armas defeituosas, não conseguindo assim ganhar o dinheiro de que precisava. Quando um operário lhe mostra a sua produção, verifica-se que, em vez de armas, o corpo de Colin fabricara uma bela rosa branca.

domingo, 7 de outubro de 2012

Um pequeno país com "florestas imensas" (de eucaliptos)

É curioso constatar que os eucaliptos, originários da Austrália e da Tasmânia, adquiriram recentemente uma estreita ligação a Portugal, e assim é que um país tão pequeno (mas tão ansioso por ganhar dinheiro rápido...) constitui uma referência na Wikipédia:

«Certaines espèces, notamment E. globulus, ont été introduites en Europe, où elles se sont très bien acclimatées sur les rivages méditerranéens, ainsi qu'au Portugal, où d'immenses forêts d'eucalyptus ont été plantées pour la production de pâte à papier. » (http://fr.wikipedia.org/wiki/Eucalyptus)

"Quizz" rápido do eucalipto

  • Por onde andam a plantar eucaliptos?
África do Norte (Argélia, Marrocos, Líbia e Tunísia), África do Sul, Papua Nova Guiné, Brasil, Chile, Índia, Tailândia. E Portugal.
  • Por que motivo crescem tão rapidamente estas árvores?
porque consomem muita água e muitos nutrientes e (quase) não têm parasitas.
  • Por que motivo exponenciam elas a erosão dos solos?
 porque consomem muita água...

  • Por que motivo são nocivas à prática agrícola?
porque consomem muitos nutrientes...

Por que motivo não devem estas árvores, originárias da Austrália, substituir a floresta autóctone?
porque põem em perigo a biodiversidade.

  • Por que motivo se receia que a floresta arda mais rapidamente com a expansão de áreas de plantação de eucalipto?

(resumindo, e muito) porque o eucalipto é uma espécie altamente inflamável

  • O que significam as metáforas "efeito eucalipto" ou "eucaliptização"?
Secar tudo à volta, tornar estéril


Documentação disponível no sítio (ainda assim, cauteloso) da Food and Agriculture of United Nations (http://www.fao.org/docrep/004/AC121E/ac121e04.htm e no International Handbook on Forest Fire Protection (http://www.fao.org/forestry/27221-06293a5348df37bc8b14e24472df64810.pdf)

Entregar o ouro ao bandido

O Miguel Sousa Tavares tinha razão. Para mais informações acerca destas más intenções florestais, ler






Praga

Na minha terra, a expressão "praga" (como em "lançar uma praga") significa "amaldiçoar".
 
Pois eu espero que - já que aos eucaliptos, que não são uma espécie autóctone, as pragas (quase) não lhes pegam - aos técnicos e responsáveis que eventualmente venham a favorecer (a palavra "favorecer" parece-me aqui singularmente bem aplicada) a expansão de plantações de eucaliptos lhes dê o gorgulho. Nem mais. O gorgulho.
 

Filme de terror

 
 
A crónica semanal de Miguel Sousa Tavares impediu-me de dormir: diz ele que o governo "(...) pretende abrir às celuloses as zonas de Reserva Agrícola Nacional (...)" (Expresso, 29/9/2012) Será verdade? Será possível?
 
E o técnicos do Ministério da Agricultura, da Autoridade Florestal Nacional, não dizem nada?! Não se opõem, eles, que sabem muito bem a tragédia que isso significa?! Mas porquê?
 
A sério: isso fará de nós o caixote do lixo (ou o balde das cinzas) da Europa.
 
Já agora, por que não:
 
  • concessionar os portugueses como cobaias para testes de novos medicamentos
  • criar parques de resíduos (hospitalares, nucleares,....)
  • alugar o espaço marítimo a arrastões
  • vender o espaço aéreo?




quarta-feira, 3 de outubro de 2012

"Ruby Sparks" e o mito de Pigmaleão





O mito de Pigmaleão e Galateia, que surge em As metamorfoses de Ovídio é, deveras, uma história fascinante, que está na origem de múltiplas pinturas e esculturas, peças de teatro (Pigmaleão, de George Bernard Shaw), filmes (My fair lady, de Georges Cukor), livros (Le chef d'oeuvre inconnu e Sarrasine de Honoré de Balzac, As aventuras de Pinóquio de Carlo Collodi).
 
Neste filme, realizado pela dupla Jonathan Dayton e Valerie Faris - a quem devemos "Uma família à beira de um ataque de nervos", requisitável na nossa biblioteca - o mito sofre mais uma metamorfose, que demonstra, à sua maneira, o poder da literatura.
 
N.B. Para mais informações acerca do mito de Pigmaleão e Galateia, consulte-se http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0655

Um mar de recursos...

 
 
O blogue do Público na escola, que tanta falta me fez, está de volta e em força. Ainda hoje a Maria José Ribeiro estava a comentar na sala de professores que as aulas de apoio são uma aula mais, a preparar e a leccionar (só lhe falta - para já - a vertente correcções).

Pois bem: o http://blogues.publico.pt/pagina23/ já me preparou duas excelentes aulas de apoio a Literatura Portuguesa. E mai'nada...
 
 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Woody Allen e a Casa dos Segredos

Um dos mosaicos de "Para Roma, com amor" é protagonizado por Roberto Benigni. Modesto funcionário, é um dia abordado por uma  chusma de jornalistas que, sem que se saiba porquê, o tornam uma celebridade. Seguem-no por todo o lado e inquirem-no acerca de coisas absolutamente inúteis (aliás, acerca de coisas sem a menor importância). Celebridade instantânea. Embora inicialmente rejeite e se questione acerca do que lhe sucede, a personagem habitua-se paulatinamente ao que lhe sucede. Por isso, quando - tão subitamente quanto começou - todos  passam a admirar outro anónimo qualquer, Leopoldo sofre terrivelmente. Onde é que eu já vi esta história?!

 

Woody Allen e os sindicatos

 


O filme "Para Roma, com amor" não é isento de defeitos, mas (ou e?) tem belíssimas imagens e óptimos "gags". Achei engraçada uma frase de uma personagem, um jovem italiano que afirmava com veemência o que eu penso: "Se não fossem os sindicatos, os trabalhadores seriam reduzidos a pó."...