sábado, 30 de março de 2013

“Os dias longos fazem as famílias infelizes / Os dias curtos fazem-nas felizes

Uma evidência em 1906:
 
 
 
«Os cartazes da CGT para o dia de trabalho de oito horas (1906) ilustram este ideal; eles opõem a família esfarrapada do operário alcoólico à família reunida à volta da terrina fumegante trazida por uma lesta dona de casa, cujo marido tem no bolso um exemplar de La Bataille Syndicaliste. Neste díptico, lê-se: “Os dias longos fazem as famílias infelizes / Os dias curtos fazem-nas felizes” e reunidas para jantar.».
Michelle Perrot, História dos quartos, Lisboa, Teodolito, 2012, p. 248

sexta-feira, 29 de março de 2013

Um livro fantástico, uma tradução anedótica

Um das coisas que faço nas aulas de francês é chamar a atenção para o que, para simplificar, designo como falsos amigos. O que eu não esperava era encontrar, num livro que recebeu o apoio para a cessão de direitos do Institut Français, erros tão grosseiros como os que encontrei em História dos quartos, de Michelle Perrot (Teodolito).
 

Deixo-vos uma listinha de enganos, recorrentes ao longo da obra. Se a lerem, encontrarão pêndulos (pendules), mas não relógios; cofres (coffres), mas não arcas ou baús; benévolas (bénévoles), mas não voluntárias; cartões (cartons), mas não caixotes; plumas (plumes), mas não penas, canetas ou esferográficas; domínios (domaines), mas não propriedades ou quintas; pavilhões (pavillons), mas não casas, vivendas, moradias; nichos (niches), mas não casotas de cão.
 
Dir-me-ão: mas em português há pêndulos, cofres, pessoas benévolas, cartões, plumas, domínios, pavilhões e nichos. E têm razão. Mas se lerem o livro, perguntar-se-ão, tal como eu, se será normal haver tantos pêndulos em cima de chaminés de casas modestas, se numa casa paupérrima poderá haver um cofre, se será normal que a "enfermeiras particulares profissionais" se oponham "benévolas", se os objectos se guardam em cartões (havendo também a ocorrência de "papel cartão", esse sim, cartão), que extraordinário valor atribuirão os  presidiários a plumas, o que significará possuir um domínio (mas não na Internet), o que farão tantos pavilhões em zonas residenciais e se Gervaise (personagem de Zola) se refugiou, realmente, num nicho de cão - e o que é um nicho de cão. 
De igual modo, a forma verbal vêm (p. 315 e p. 342) existe. Só que não tem nada a ver com... o verbo ver.
 
Mas, para lá destas asneiras recorrentes, existem pérolas que aparecem apenas uma vez, como atapetador (tapissier), mulheres sustentadas (soutenues), convenientes (convenables) ou libertas (libérées).

 
Poderíamos pensar que em francês as coisas andassem melhor, mas mesmo assim, pergunto-me se familistière não será antes um familistère (e se a explicação "cooperativa de consumo" será a adequada), se a pensão Vaquier não será antes Vauquer. Se Guilherme, o Marechal não será Guillaume Le Maréchal e se "o filho de Alexandre Dumas" não será Alexandre Dumas fils (aliás, poder-se-ia escrever um ensaio de estudos de tradução só à volta das opções onomásticas do tradutor). Já Françoise Chanderganor  é designada como "o autor".
 
Admito que seja demais pedir a alguém que não tenha tido uma mãe como a minha que saiba o que é uma "liseuse" e que esta palavra se emprega(va) também em português. Mas talvez seja de esperar que se saiba que o quarto para amigos se chama "quarto de hóspedes" e que não se anda "por comboio", mas "de comboio", assim como dificilmente duas camas assentes em carris se aproximam. Já se estiverem assentes em rodas...

Também adorei a expressão "berma da cama" (p. 341). Até agora não percebi o que era uma "selha de cura do criminoso" ou "selha da penalidade" (p. 337 e 329: pensei em limiar, mas, como não tenho o livro em francês, fiquei na dúvida). Os meus conhecimentos de filosofia e religião não me permitem aferir se Teresa de Ávila se interessou mesmo pelas manadas (p. 325), os meus (des)conhecimentos de medicina fazem-me olhar com suspeita - mas não mais do que isso - para a expressão que destaco em itálico « [Alice James, d]epressiva, nevrálgica crónica (...)»,  mas os de arquitectura autorizam-me a afirmar que as loucuras da página 309 são "folies" (assim mesmo, em francês).

Uma loucura de tradução...

quarta-feira, 27 de março de 2013

«O mais revelador memorial do passado da humanidade»

Motivada pelas minhas leituras de adolescência, sempre quis ir a Pompeia. Realizei esse sonho há uns anos, ficando para sempre com a mágoa de não ter ido ver Herculano (que isto de fazer viagens em grupo é bom, mas há que fazer concessões. A mim concederam-me a ida a Pompeia, e já não foi mau).
Agora que o British Museum vai inaugurar uma exposição às duas cidades romanas soterradas sob as cinzas do Vesúvio em 79 d.C. (como descobri hoje ao clicar no Público em linha), vou poder ver um pouco mais. E vocês também.

segunda-feira, 25 de março de 2013

A cada época, sua peste

"Nous vivons dans une époque terrorisée par les économistes. A chaque époque sa peste." escreve, no bilhete final da revista L'Écologiste (N.º 39 Janeiro-Março 2013), Alain Hervé.

A quem interessar, o blogue Le Sauvage.

sexta-feira, 15 de março de 2013

A defesa de Natália Correia

A Defesa do Poeta
Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores professores que puseste
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs na ordem ?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem ?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho !
a poesia é para comer.

Queixa das Almas Jovens Censuradas


Queixa das almas jovens censuradas
Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.



Natália Correia
Poesia Completa
Publicações Dom Quixote
1999
 
A versão de José Mário Branco: http://youtu.be/aLxhA-25k_k

Um filme bem "simpático"

http://youtu.be/g2qgImQr2rE

segunda-feira, 11 de março de 2013

E, por falar em ódio...

... já ouviram o anúncio ao ********? Eu sei que não há má publicidade, mas tratar os pais clientes deste banco como totós não é lá muito boa ideia, pois não?
Então, temos uma mãe muito satisfeita, enumerando as facilidades de que o rebento passará a usufruir porque ela o inscreveu no dito programa. À medida que desfia o rol de "vantagens", recebe, como resposta:
  • «Tenho de fazer um "like"»
  • «Tenho de fazer um "tweet"»
  • «Vou já fazer um "share"»
  • «Vou fazer um "like"»
  • «Mãe, mereces um ganda "smile"»
 
Obrigado, que é bom e faz bem, nada. Um beijinho, que também: nada. Um sorriso? Só préformatado. O jovem, pelos vistos, não se digna parar de teclar nem tira os olhos do écrã. E a mãe parece achar graça. Nunca ouvi melhor elogio à falta de comunicação intergeracional do que este  anúncio, mentecapto, desastrado e pseudo-avançadinho. Poupem-nos...

"A cena do ódio", o melhor dos melhores

O meu programa de rádio preferido, "A cena do ódio", foi premiado. Vale a pena ver a cerimónia de entrega de prémios, para constatar que não é à-toa que o programa é bom...
Clique aqui, para ver a classe com que David Ferreira agradece.
 
 

sábado, 9 de março de 2013

segunda-feira, 4 de março de 2013

«"Amor de Perdição": da realidade à ficção, da ficção à realidade».




O Doutor João Paulo Braga, doutorado em Literatura Portuguesa pela Universidade Católica de Braga, veio à Escola Secundária de Vila Verde apresentar uma conferência intitulada «Amor de Perdição: da realidade à ficção, da ficção à realidade». A palestra destinava-se inicialmente aos alunos de Literatura portuguesa de 11º ano, mas, como há discentes de 10º ano de Português que, no âmbito do contrato de leitura, estão a ler esta obra (publicada há 150 anos), alargou-se a participação a quatro outras turmas.
Após um périplo pelos referentes reais que estão na origem da "topografia" de Amor de perdição, João Paulo Braga desmontou os mecanismos de autentificação a que o romancista recorreu para conferir verosimilhança à obra. Em seguida, respondeu às perguntas das alunas do 11º E.
Em suma, foi uma palestra 3-em-1.

Stéphane Hessel


As árvores morrem de pé II


As árvores morrem de pé

Arrepio-me toda ao passar no Alívio. As árvores, de tão deformadas, metem dó. Deviam ter o direito a morrer de pé...


ÁRVORES NO INVERNO
A complicação dos detalhes
de vestir e despir
está presente ali!
A lua líquida
passeia suavemente
por entre os ramos compridos.
Assim, com os brotos prontos
face a um Inverno certo,
as árvores sábias
dormem em pé ao frio.
W. C. Williams

sexta-feira, 1 de março de 2013

"Amor de perdição", olhares cruzados

A pretexto da publicação, há 150 anos, da obra "Amor de perdição", de Camilo Castelo Branco, diversas iniciativas foram promovidas. Gostaria de ter assistido a várias, de que aqui, aqui, aqui, aqui e aqui vos deixo notícia. Porém, dada a escassez de tempo e de recursos, apenas pude assistir a uma e, mesmo a esta, de forma parcial:
 


Ainda assim, em S. Miguel de Seide tive a sorte de assistir a várias conferências muitíssimo interessantes. Melhor ainda foi descobrir que o autor de uma delas, João Paulo Braga, autor da tese de doutoramento «Retórica da ficção: a construção da narrativa camiliana» (a qual pode ser consultada aqui) era quase nosso vizinho. Por isso, resolvemos pedir-lhe que viesse à nossa Escola apresentar a sua conferência «Nos Passos de Simão e de Teresa: roteiro do Amor de Perdição». E assim foi.

Ainda o "Ler & chonar"

O meu relato do "Ler e chonar" ficaria incompleto se não "partilhasse" a pergunta que o Paulo colocou.
 «E quem é o Paulo?», perguntarão. O Paulo é um aluno cá da escola, com ar de quem anda no 11º/12º, e que veio a umas sessões da Oficina de Escrita. É um rapaz engraçado e vivo, e há-de ter apelido, e número, e turma... mas eu não os sei.
Ora o Paulo, depois de alguns rodeios (que tinha sido uma ideia de um colega dele, que era um tanto maluco, que a experiência não  resultara, e tal, e coisa) perguntou  à Dra Elisa Lopes se seria possível aprender enquanto se dorme.
Honesta e conscienciosa, a conferente respondeu que, de momento, tal não é possível (o auditório ficou com um ar sonhador: que bom seria...), mas também já tinha demonstrado que há uma correlação entre sono e aprendizagem: se dormimos pouco, aprendemos pior.