segunda-feira, 31 de maio de 2010

Desmame


Anteontem, a minha irmã foi jantar a casa de uns amigos e, a propósito do comentário de alguém que afirmava que o "Facebook" era viciante, um menino (cuja mãe - felizmente - não estava lá), comentou com toda a naturalidade: «Ah, pois é: a minha tia até foi para uma clínica tratar-se porque estava viciada no Facebook


Se aderiu ao "Facebook" e não quer ser internado (ou fazer tratamento ambulatório, que é sempre uma maçada), basta-lhe aderir ao movimento «We're quitting Facebook». Hoje mesmo.


terça-feira, 25 de maio de 2010

«A literatura como antídoto contra o fanatismo»


Já devem ter reparado que eu hoje estou "em maré" de pilhagem. No texto anterior pilhei uma frase de Teresa Calçada, agora pilho uma frase do escritor Amos Oz que a Ana Paula Matos referiu na sua alocução no seminário de Sábado.


A literatura é um antídoto contra o fanatismo, a ignorância, o racismo, até contra o cansaço (ando numa fase em que não consigo dizer três palavras sem incluir a palavra cansaço. Desculpem).


«A escola dá o que a família não pode dar»


Não podia deixar de compartilhar com todos os que não assistiram ao Seminário sobre literacia e Bibliotecas escolares a frase de Teresa Calçada que me serviu de título.


Pensei de imediato na declaração de princípios dos elementos da equipa que está a elaborar o Projecto Educativo da ESVV.


Pensei naquilo que levou a ser professora.


Pensei nas prelecções que, de tempos a tempos, faço a alunos que - receio - não me ouvem, não me entendem, não sabem do que estou a falar (e têm raiva de quem sabe).


Exagero? Pois com certeza. Mas também não estou completamente enganada. Muitos destes jovens, agora tão prazenteiros, amargarão os momentos de lazer que propiciam a si próprios durante as aulas, fora das aulas. Para muitos, será tarde demais. E terão a vida inteira para se arrepender...


Mas não queria ser moralista. Em Portugal - e em França mais ainda - o destino de muitos é marcado pela sua origem social. Não me alongarei, por hoje, acerca deste assunto. Mas, tal como Teresa Calçada afirmou, a escola está cá para proporcionar um "suplemento vitamínico" (as palavras são minhas). De conhecimentos, por certo; mas também de cultura, de saberes, de atitudes.


É por isso que defendo acerrimamente a qualidade da escola pública. Sem uma boa escola pública, na qual a Biblioteca Escolar desempenha um papel importantíssimo, o fosso social agravar-se-á inelutavelmente. E isso, meus caros, será o pior que nos pode acontecer como país. A todos, mesmo aos que se consideram acima de tudo e de todos.

Odeiote


Fui almoçar e vi, algures entre a Escola EB 2,3 e a Escola Secundária, o seguinte grafito: «Odeiote». Cheguei cá e contaram-me que uma jovem frequentadora da Biblioteca afirmava (e insistia) que «(...) aqui nesta escola sempre se escreveu francês com cedilha.»


Muito precisam de nós, estes meninos. E não pensem que o corrector ortográfico resolve tudo - que não resolve. Para início de conversa, as paredes não têm corrector ortográfico. Os computadores não pensam, não planeiam, não organizam. E ainda há as palavras parónimas.




segunda-feira, 24 de maio de 2010

Seminário sobre a leitura, a literacia e o papel da B.E.

Como bem realçou a Dra. Teresa Calçada, passar uma manhã de Sábado tão soalheira num seminário, não é tão evidente quanto isso. E, no entanto, foi uma manhã muito bem passada (e fresca, pois a temperatura esteve sempre agradabilíssima - excepto, talvez, para uma das intervenientes, que se queixou de ficar com febre, ter suores frios e tremores antes de falar em público. Mas adiante).

Antecedendo a abertura da sessão, os participantes foram surpreendidos por um grupo de jovens actores do clube de teatro da ESVV (o "Verdemcena", afecto à Biblioteca escolar) que incarnavam bobos da corte quinhentista. O seminário foi aberto pela Ana Cristina Oliveira, coordenadora do "Verdemcena" e membro da equipa da Biblioteca.

O primeiro painel foi constituído por Teresa Calçada (rede de Bibliotecas escolares), Henrique Barreto Nunes (rede de leitura pública), Conceição Gusmão (representante da DREN), Júlia Fernandes (vereadora da Cultura e da Educação da Câmara Municipal de Vila Verde) e Luís Monteiro (Director da ESVV).

O segundo painel, apresentado por Ana Margarida Dias integrava o Director da Biblioteca Pública de Vila Verde, Tiago Lopes; Filomena Alves e Luzia Bastos (Agrupamento de escolas de Moure), Isabel Correia (ESVV) e, "the last but not the least", Ana Paula Matos (ESVV).

A organização esteve a cargo da Escola Secundária de Vila Verde (ou seja: da Ana Margarida, a quem os restantes elementos da equipa deram uma ajudinha), com a colaboração da Escola EB2,3 Amaro Arantes, Câmara Municipal de Vila Verde e Rede de Bibliotecas de Vila Verde.

"Quantos os ledores, tantas as sentenças"



Este foi o mote, da autoria de Sá de Miranda, sob cuja égide a Ana Margarida Dias colocou o seminário sobre a leitura, a literacia e o papel da Biblioteca Escolar, que decorreu na Biblioteca Pública de Vila Verde no dia 22, das 9h30m às 13h.



Eu, "professora de Letras", me confesso: não conhecia o verso, que bem poderia figurar em todas as extensas Teorias da Literatura que estudamos na faculdade e às quais, de quando em quando, regressamos para refrescar as ideias.


Sá de Miranda prenuncia aqui, de forma lapidar, uma celebérrima obra de Umberto Eco (A obra aberta) e um dos preceitos estéticos - não apenas literários - fundadores dos séculos XX e XXI.


Não foi, pois, por acaso, que a intervenção da Dra. Teresa Calçada glosou esta asserção, de entre todas, feliz.

A nossa escola II

A nossa escola (a nossa vila) fervilhou de actividades, mas, infelizmente, não vos posso dar conta de todas. Como disse há tempos, não me foi concedido o dom da ubiquidade.

Não obstante, chegaram-me rumores do sucesso que constituiu a peça "Falar verdade a mentir" (O "Verdemcena" cada vez em melhor forma) e o sarau quinhentista. A verdade é que fui ver às escondidas algumas das danças e fiquei aborrecidíssima por não poder assistir à apresentação propriamente dita.


Assisti também ao Seminário sobre a leitura, a literacia e o papel das Bibliotecas, organizado pela nossa professora Bibliotecária, Ana Margarida Dias. Mas disso vos falarei mais adiante...

A nossa escola I

Os alunos de Francês dos 10º E e G (sobretudo estes últimos) não gostam lá muito de gramática: "Oh, Madame, grammaire...?! (enfim, o mais das vezes: «Mais gramática?!! Não gosto nada de gramática...»).

Apesar da sua aversão à gramática (a "basezinha"), são alunos bastante expeditos e já vi muitos deles participar em actividades extra-curriculares com gosto e com brio: nas comemorações do centenário da República, nas danças quinhentistas, na feira medieval...

Foram justamente estes alunos que se lembraram de organizar na manhã do dia 18 uma degustação de produtos franceses (ou de inspiração francesa). Trataram de tudo, alguns trouxeram coisas de casa ou dispenderam o seu próprio dinheiro para que não faltasse nada. A receita reverterá integralmente para o projecto de solidariedade social do 10ºG, "Vamos adoptar um(a) avô/avó), dinamizado pela professora Fernanda Barbosa.

Por último, agradecemos à Pastelaria Cristo Rei (Grupo Jolima) pela sua generosa contribuição. As famílias carenciadas do conselho agradecem, nós agradecemos. Eu, por mim, não como bolo em Vila Verde que não venha de lá...

Maio, maduro Maio

Tempo de Maio

Algures nos séculos IX-X, um autor irlandês desconhecido, em tempos por certo mais verdes - mas em que a natureza humana era, também por certo, assaz semelhante à nossa - escrevia que


«(....)
Dias de Maio são de alegria e de esplendor,
Quando as donzelas sorriem de orgulho pela sua beleza
E jovens guerreiros se mostram mui hábeis, ágeis e esbeltos.
Os dias de Maio o verão anunciam, o tempo é de paz.

E no céu azul há uma criatura que é ave inocente.
Pequena e frágil, de límpida voz de água clara,
Canta a cotovia maravilhas e contos, em que apenas diz
Que a perfeita harmonia é o tempo de Maio.»


Sim, os tempos são outros: não só as belas donzelas, não apenas os jovens guerreiros usufruem da alegria e do esplendor do mês de Maio. Ainda bem para nós, que vivemos em tempos menos verdes mas mais longevos. Apreciemos, pois, a perfeita harmonia quando ela nos é oferecida.

terça-feira, 18 de maio de 2010

A frase assassina


No Público de 8 de Maio, Paulo Varela Gomes proferiu a frase assassina do mês. Gostei tanto que não posso deixar de a transcrever:


"No anúncio de uma empresa de telecomunicações que passa cansativamente na televisão portuguesa, há pessoas muito contentes por terem em casa, a funcionar ao mesmo tempo, todos os seus neo-electrodomésticos (expressão - óptima - inventada por uma amiga minha). É um não acabar de écrãs: televisão, computador, coisinhas pequeninas. De facto, não se consegue entrar na casa de qualquer pessoa pobre ou pobre de espírito, sem haver pelo menos uma televisão ligada."


segunda-feira, 17 de maio de 2010

Estilos parentais



"A investigação tem demonstrado que um balanço equilibrado entre o necessário controlo parental e a desejável autonomia do adolescente contribui para que a idade adulta seja atingida de modo mais adequado. Por outras palavras: se os pais estão atentos e vigilantes ao quotidiano do jovem e não hesitam em traçar limites quando estão em causa questões decisivas de saúde e segurança; e se, ao mesmo tempo, contribuem para a autonomia do adolescente, então o caminho parece desbravado para o futuro adulto. O controlo parental pode realizar-se de diversas formas. A psicóloga americana Diana Baumrind definiu vários estilos parentais educativos, a partir da descrição de um padrão global e estável de interacção entre as duas gerações. Esse padrão manifesta-se por um conjunto de práticas educativas quotidianas que permitem definir o estilo autoritário, o estilo permissivo, o estilo rejeitante-negligente e o estilo democrático. Neste último caso, as práticas educativas dos pais são caracterizadas por acentuada capacidade de compreensão face aos filhos, mas não há falta de exigência nem hesitação sobre a importância do cumprimento das regras. Sabe-se hoje que o estilo parental democrático, caracterizado por autoridade sem autoritarismo e envolvimento dos pais no quotidiano dos filhos, se relaciona com maior capacidade de autonomia dos mais novos, bem como com uma melhor resolução dos problemas. Há assim um equilíbrio entre controlo, por um lado, e compreensão e apoio, por outro. Os pais deste tipo são mais eficazes, pois são capazes de apoiar com continuidade, sem que abdiquem de traçar limites e definir o que acham bem ou mal."


(Daniel Sampaio, in Pública de 2 de Maio)


Maria Rita - Dos Gardenias (ao vivo)

Descobrir as insignificâncias


Poema

A poesia está guardada nas palavras - é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre
as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.



(Manoel de Barros)

terça-feira, 11 de maio de 2010

Heróis palermas


Ora aqui está um título mesmo, mesmo engraçado. Heróis palermas?! Ora, conheço tantos... Palermas que se "armam" em heróis; palermas que, por motivações obscuras, são eleitos heróis; palermas que, por ignorância dos outros, passam por heróis; heróis que têm o seu lado apalermado, enfim, todas as variantes de que se lembrarem. Mas este título não é meu, e sim de um texto da Público do dia 3 de Maio, assinado por Rita Pimenta.

"Crianças irreverentes, alunos pouco aplicados e nada populares, adultos apalermados e heróis em roupa interior são algumas das personagens que atraem miúdos para a leitura. Contextos como a escola ou a família misturam-se com banda desenhada e cartoon humorístico. Resultado: livros para quem não gosta de ler. Por enquanto.
“Há miúdos que precisam deste tipo de livros para darem início a hábitos de leitura”, diz Paula Barros, professora de Português há 26 anos, sobretudo de alunos com idades entre os 12 e os 15. “Depois de se habituarem a ter momentos de concentração e de silêncio em contacto com uma história que os anima, vão querer continuar e irão certamente tornar-se leitores.” E não acredita que, por conviverem com heróis palermas, se tornem pessoas imbecis, como certos adultos vaticinam. “O humor é uma boa prova de inteligência, as pessoas bem-humoradas têm sentido crítico e são normalmente muito criativas.”
Por isso, este "post", de meu, só tem a ilustração do Gaston Lagaffe, um belga famoso - e bastante palermita.


segunda-feira, 10 de maio de 2010

"O último hotel"


Pedi a quem-sabe-mais-do-que-eu para me comprar uns livros para a campanha por Timor e agora estou aqui com um dilema. Um dilema, tenho de reconhecer, de puro egoísmo - e, vá lá, falta de tempo.


É que, no excelente lote de livros, vinha um do qual não sei se serei capaz de me separar. Chama-se "O último hotel", é de Roberto Innocenti e J. Patrick Lewis. Espero ter tempo para ir comprar um para mim. Espero que a minha consciência fale mais alto.

Ecothriller


Ontem, à hora do almoço, vi um "Ecothriller" na televisão.


Era uma emissão do programa "Biosfera" que passa, descobri agora, ao Domingo na RTP2. Fiquei colada à televisão. Tratava-se do processo de urbanização dos terrenos próximos do rio em Rio Tinto. Trata-se de uma tragédia anunciada, mas à qual ninguém dará atenção até acontecer. O paralelo com a Madeira é evidente, mas isso não interessa nada.


Aliás, o Pedro Brandão disse-me que o vídeo que circulou na Net - a posteriori, claro - onde se chamava a atenção para os desmandos urbanísticos perpetrados na ilha, era um programa "Biosfera". Que não adiantou nada.

Hino dos Mineiros


Morreram doze mineiros na Sibéria e logo me lembrei de um vídeo que me "revelaram" há dias. O vídeo revelou-me uma letra e uma música muito comoventes, fotografias que retratam a vida dura dos mineiros e, ainda, o meu próprio carácter algo deslumbrado.

Eu explico: há tempos escrevi aqui um texto acerca de um filme ("Os virtuosos") onde se falava da desactivação de minas inglesas. O filme é de facto interessante, mas nada se compara à vida real de mineiros reais no país real.

Aproveito para me redimir.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Me encantan los Mescla

Hoje consultei o site da escola com mais tempo do que o habitual (não tive reuniões...) e deparei com um blogue que - e não exagero - me encantou. Lamento não ter falado dele há mais tempo e aproveito para me retractar acerca de um texto que escrevi esta semana. Com efeito, o associativismo (embora estejamos a falar de um grupo diminuto) "mexe" nesta escola. Eu é que andava demasiado ocupada...

Que me desculpem os "Mescla". E que continuem a fazer escola.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Vento norte, ai vento norte


Ainda bem que os meus amigos de infância não me lêem. De contrário, diriam que eu sou uma vendida a Vila Verde, eu, nada e criada noutra vila. Aproveito o dia de vento para me redimir e vos deixar o poema que, desde manhã, digo em silêncio:


Romance de Vila do Conde


Vila do Conde, espraiada
Entre pinhais, rio e mar!
- Lembra-me Vila do Conde,
Já me ponho a suspirar.



Vento Norte, ai vento norte,
Ventinho da beira mar,
Vento de Vila do Conde,
Que é a minha terra natal!
(...)
Bom cheirinho dos pinheiros,
A que não sei outro igual,
Do pinheiral de Mindelo,
Que é um belo pinheiral
Que em Azurara começa
E ao Porto vai acabar...
(...)


Vila do Conde espraiada
entre pinhais, rio e mar...

(José Régio)

Verde, que te quero mais verde

Ultimamente dou comigo a dizer «A escola é muito de modas». De facto, todos somos de modas, mas há coisas que são universais. Os bons professores (entre os quais não me incluo) são-no. Não é a teoria pedagógica em que se inserem que faria deles melhores ou piores. Um bom professor sê-lo-ia na Grécia antiga, na França revolucionária ou na Celorico nos anos trinta do século passado.

A civilização começa com um professor. Um bom professor é um bom professor é um bom professor é um bom professor é um bom professor é um bom professor é um bom professor é um bom professor é um bom professor é um bom professor é um bom professor é um bom professor é um bom professor é um bom professor (não pensem que estou a ser criativa, ou inovadora, tão-pouco estranha. Estou só a parafrasear a Gertrude Stein).

Vem esta algaraviada (olá, Casimira, que saudades!) a propósito do esquecimento a que ultimamente me parece terem sido votadas questões como as técnicas de trabalho ou o consumo responsável. Talvez esteja apenas desatenta. Estou certa que sim, e tenho a certeza de que há por esse país fora muitas escolas, muitos alunos e muitos professores envolvidos de forma consequente nestas temáticas.

Mas eu sou professora em Vila Verde e (já vo-lo disse) parece-me que o associativismo está muito adormecido nesta escola (para não dizer outra coisa... uma coisa que rima com "porto". Mas começa por m).

Por isso vos deixo uma sugestão que vem direitinha da prateleira do "Duas Culturas", um livro que, se o tivesse lido quando tinha a vossa idade... era agora deputada de "Os Verdes", dirigente da "Quercus", que sei eu...?

E, antes que o/a IL proteste (e teria toda a razão), deixa-me colocar, em destaque, o título do livro a que me refiro: Ecologia para organizações juvenis. Manual de sensibilização ambiental (Jordi Miralles).

O Alívio está medonho

Há anos e anos que passo pelo Alívio e só este ano me dei conta de que, do ponto de vista arquitectónico, bem... para não ferir susceptibilidades... o Alívio não terá sido concebido num momento de grande inspiração...

O que é engraçado é que nunca me dei conta disso. A razão é mais do que óbvia: é que, antes da poda selvagem a que foi submetido, eu passava e via uma massa de verde que desviava a atenção. Tal como acontece com casas feias, rodeadas de árvores e arbustos e que nos parecem, no seu conjunto, agradáveis. Mas agora, sem esse paliativo, não posso deixar de avaliar o Alívio no seu real esplendor.

Perdoem-me a nostalgia, mas tenho muitas saudades da minha infância, quando, sobretudo no Verão, transpúnhamos alamedas de árvores altas, com uma faixa horizontal de tinta branca. Também tenho saudades dos mecos que pontuavam as estradas, os mais pequenos assinalando (penso eu) cem metros, os maiores um quilómetro. Nestes podíamos ler a distância que nos separava da localidade importante mais próxima, o que, a partir do momento em que aprendíamos a ler, evitava aos nossos pais o aborrecimento de ter de responder pela centésima vez à pergunta: «Ainda falta muito?!» E assim nos entretínhamos, fazíamos contas de cabeça, jogávamos um scrabble inventado a partir das letras das matrículas dos automóveis. Crescíamos calmamente.

O momento melhor, porém, era esse: quando, no calor sufocante e na luz que quase nos cegava, penetrávamos num corredor escuro, vegetal, ligeiramente ondulante. Não tínhamos medo, pois a luz espreitava por entre os interstícios das folhagens e aguardava-nos no fim do túnel. Então, sim, o Alívio devia ser um alívio. Agora é um pedaço de estrada com árvores baixotas e verdes de um lado e árvores baixotas e peladas do outro.

O Alívio está medonho.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A choldra

Temos aqui na Biblioteca um exemplar de O Leopardo, de Tomasi di Lampedusa, de onde se extraiu o filme do mesmo nome, o qual se conclui com o paradoxo "É preciso que tudo mude para que tudo permaneça como está".

E a verdade é que, se lermos Os Maias, verificamos que, mais de um século volvido, o país parece ter mumificado nos antigos vícios. Independentemente das obscuras intenções das agências de "rating"...

«— Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz?

E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados que aquela questão do empréstimo era grave. Uma operação tremenda, um verdadeiro episódio histórico!...

O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar absolutamente. Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta —cobrar o imposto e fazer o empréstimo. E assim se havia de continuar... Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a bancarrota.

— Num galopezinho muito seguro e muito a direito — disse o Cohen, sorrindo. — Ah! sobre isso, ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da Fazenda!... A bancarrota é inevitável; é como quem faz uma soma...»

Arte e alucinação

Hoje de manhã, quando cheguei à escola, vi, pela primeira vez, uma exposição cuja temática era o corpo. Patrocinada pela Direcção-Geral das Artes, pareceu-me de qualidade superior: os textos, a concepção gráfica, o lay-out (vou ver se descubro um sinónimo adequado), a sequência, as fotografias. Fiquei uns minutos parada, a olhar para ela, no meio do bulício matinal. A contragosto, muito a contragosto, vim para a Biblioteca, desagradavelmente consciente de que ia entrar mais tarde do que o habitual.


«Não faz mal, um destes dias dou lá um pulinho para ver tudo com atenção. A ver se falo disto no blogue, para "eles" irem lá ver.» Entretanto, tive de ir ao Bloco B e apreciei, mais uma vez, a tira pintada e serpenteante que pende do corrimão do primeiro piso. «Esta escola está a ficar mais artística.», pensei eu, adolescente no tempo do «Fame» e formatada para acreditar que a escola deve proprocionar uma educação para as diversas linguagens artísticas.

Nas minhas idas e vindas, regressei ao Polivalente. Vinha a comentar com o António Vieira como tinha achado a exposição interessante, quando olho para os expositores e, zás!, já lá não estava exposição nenhuma. Achei que andava a abusar do Icetea - mas o Vieira sossegou-me, explicando que, efectivamente, tinha acabado de ser retirada. Só ficou uns três dias exposta... que pena. Como prémio de consolação, o Vieira deu-me os materiais volantes de apoio à exposição, que ficarão aqui na Biblioteca para consulta.

"Uma carta coreográfica, o corpo como adivinha, a dança como fábula". Brilhante.

Big Foot




A minha amiga Ana Reis, que trabalhou longos anos nesta escola, ofereceu-me dois lenços de mão bordados por ela. Fiquei triplamente satisfeita: os lenços são lindíssimos, foram feitos por ela e permitem-me reduzir um bocadinho a minha pegada ecológica.

É que eu este ano estava a ficar "pézuda": imaginem que me entusiasmei e comprei, de uma assentada, dois pares de calças de ganga. É verdade que ando dia-sim-dia-também de calças de ganga, mas infringi uma (boa) norma pessoal, que adoptei há longos anos e me parece sensata, e que consiste em ter sempre um par de calças mais velhito e outro mais novito.

Para que hei-de eu desperdiçar o meu dinheiro a comprar mais do mesmo? Tratando-se, ainda por cima, de um produto cujo processo de produção implica um elevado consumo de água e de produtos químicos?!

Consolo-me pensando nos meus (belos) lencinhos e prometo a mim mesma que estes dois pares de calças vão durar... um decénio. Mais coisa menos coisa.

E para que não pensem que eu invento estas coisas, leiam alguns dos livros que o projecto "Duas Culturas" nos permitiu comprar:
  • Ecointeligência (David Goleman)
  • O futuro frágil (Viriato Soromenho Marques)
  • Criar cidades sustentáveis (Herbert Girardet)
  • Cidadãos pelo ambiente (Lia Vasconcelos, coord.)
  • Ecologia para organizações juvenis (Jordi Miralles)


domingo, 2 de maio de 2010

Vivement dimanche!




"Dimanche", de Volo ("En attendant", 2009)

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sábado, 1 de maio de 2010

Da paixão

Estou apaixonada. Há muito tempo que não me sentia assim, tão enamorada, com os sentidos tão despertos, com esta vontade de me levantar cedo ao Sábado para escrever alto e bom som (ou em maiúsculas e em "bold"?!) que ESTOU APAIXONADA.

Como tantas vezes acontece, estou apaixonada por quem ainda não conheço muito bem. Talvez seja por isso que nunca me apaixonei por nenhum dos meus amigos de infância (os amigos dos meus pais bem me queriam para nora, mas não estava assim destinado). Talvez seja por isso que não estou apaixonada pelo Marcel, que conheço demasiado bem. Tenho muito carinho por ele, adormeci muitas vezes a seu lado, mas não estou apaixonada.

Agora, porém, estou apaixonada pelo Enrique. O Enrique, aliás, conhece o Marcel. E foi-me apresentado pelo (ele, sempre ele) meu mentor. E agora eu estou apaixonada, e deito-me com ele, e acordo às seis da manhã para, por inteiro, a ele me dedicar.

Para me dedicar ao meu esplêndido, maravilhoso, encantador, fascinante Bartleby & Companhia, do Enrique (Vila-Matas). Eu gosto do Marcel e de A la Recherche du temps perdu. Mas ontem conheci o Enrique e agora estou apaixonada por ele. Sou volúvel.

Uma boa pergunta (retórica) é difícil de encontrar


Pergunta-me o leitor/a leitora IL (de repente senti-me transportada para um "consultório sentimental" de revista cor-de-rosa. Vade retro.) se é impressão sua ou se não ficam a saber qual é o título do livro de Flannery O'Connor de que vos falava na Segunda-feira. Trata-se de uma pergunta retórica, no sentido em que, evidentemente, eu não disse que o livro se chamava Um bom homem é difícil de encontrar.

Querido(a) leitor(a), tenha dó de mim, que à Segunda-feira ainda vou meio estremunhada para a escola. (À Terça vou bastante cansada, à Quarta assaz fatigada, à Quinta completamente exausta, à Sexta absolutamente extenuada. Estou a brincar. Um bocado.)

A importância de se chamar Oscar



Ando há que tempos para explicar por que motivo escrevo às vezes a expressão "A importância de se..." (falar francês/praticar desporto), que me soa, a cada vez, como incorrecta.

A verdade é que a ela subjaz o título de um dos meus autores favoritos de quando era jovem, Oscar Wilde. Por detrás desta minha formulação aparentemente infeliz, à qual devia subtrair o se, está o título A importância de se chamar Ernesto - onde o se se justifica plenamente.