sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Dia de chuva


Hoje, cá em Vila Verde, está um daqueles dias de chuva, cinzentos e modorrentos, ideais para virmos à Biblioteca. Nos dias de sol, a Biblioteca é clara e luminosa. Nos dias de chuva, sendo menos luminosa, não é menos acolhedora. Agora temos uns pufes convidativos, forrados a cores primaveris. E livros, muitos livros. Os livros consolam-nos dos dias de chuva.
Quando está mau tempo, penso sempre num livro, numa lareira acesa, numa manta quentinha. É como aquelas constipações épicas: impossível ir trabalhar. É imperioso ficar na cama, tomar xarope, beber muitos líquidos. Resguardar-se bem. Temos tempo para ler livros mais longos, de uma assentada, sem a preocupação de desligar a luz porque no dia seguinte temos de nos levantar cedo...
Por isso, neste dia de chuva, véspera de fim-de-semana prolongado, deixamo-vos sugestões de livros que nos reconciliam com a chuva: Quem me dera ser onda de Manuel Rui (é um daqueles livros que, como o Tintin, interessa a leitores dos sete aos setenta anos) e A educação de uma fada de Didier Van Cauwelaert.

O fabuloso duelo de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro


Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Mário de Sá-Carneiro

Vou moralizar... posso? Só um bocadinho...

Parafraseando os meus alunos: "É assim:"

Este poema é um tanto derrotista. Lindíssimo, mas derrotista. Dedico-o aos meus alunos. Leiam-no agora. Pensem-no. Meditem-no. E contrariem-no. Como? Trabalhando, empenhando-se. Pensando que o futuro se "joga" agora, na escola, no que se faz - como no que não se faz. Não pensem na utilidade imediata do que aprendem, empenhem-se como se disso dependesse o vosso futuro. E pode depender...

Trabalhem. Se agora forem preguiçosos, toda a vida o trabalho vos pesará. Sejam laboriosos. Esforcem-se. Ultrapassem-se.

Como? Contrariem o (belo) poema de Sá-Carneiro com um ainda melhor de Fernando Pessoa:

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.


Ricardo Reis, 14-2-1933



sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Bloco C, porta azul


Este blog era para se chamar "Bloc C, porta azul". Por razões práticas, ficou reduzido a "portazul". Descobrimos depois que havia outros sites com nomes semelhantes.

A designação é... toponímica. Alguém perguntou «Onde é a Biblioteca?» e alguém respondeu «Bloco C, porta azul». Os tempos estão de contenção, as pessoas até nas palavras poupam, mas o nome é simpático. Contraria o verde um pouco sinistro das coberturas. Alude à cor em que a porta foi pintada. É ecológico (ninguém sabe, mas teve de ser azul para aproveitar as sobras de tinta do exterior dos blocos). Faz lembrar o mar. Um verso hipnótico de Mário de Sá-Carneiro. Uma letra de uma canção esquecida: "Azul, azul, da cor do mar..." Um texto de Almada, um quadro de Eduardo Viana: "K 4, quadrado azul". Não é bem o azul Klein, é outro azul. O nosso azul.

Agora, na Biblioteca da Escola Secundária de Vila Verde, um pouco mais de azul. Porque queremos ir mais além. Ter, quem sabe?, golpe de asa.