sexta-feira, 29 de maio de 2009

R.S.F.F.


http://1.bp.blogspot.com/

R.s.f.f. significa "Responda, se faz favor". Trata-se de uma sigla que surge com frequência em convites: é muito diferente contar com cinquenta, cem ou cento e cinquenta convidados. Quando se foi honrado com um convite, deve responder-se e agradecer.
P.f., esse tão esquecido quanto necessário por favor.
V.s.f.f = indicação para virar a folha.
Cf. significa "confronte, confira".
Q.b. - "quanto baste".
N.B.: "note bem" e Obs. "observação".
P.S. O P.S. não é o P.S. O P.S. é Post Scriptum, ou seja, o que escrevemos depois de termos terminado.
Há outras que têm obrigação de saber, como a.C. e d.C., que aprenderam nas aulas de História.
De repente, falhou-me a inspiração: de que outras siglas importantes me estou a esquecer? R.s.f.f.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Mundo mundo, vasto mundo


Explicações, pedido de desculpa, contextualização:
- Que queria eu dizer com "estrangeiro" no texto acerca do "Serralves em festa"?

Outrora, em tempos que já lá vão, em Portugal quase não havia bibliotecas (havia uns poucos e raros edifícios; e as itinerantes da Gulbenkian, de que já aqui vos falei). Havia poucos cinemas ou teatros (ou cine-teatros). Havia poucos museus e, naturalmente, poucas exposições. Poucas salas de concertos e, naturalmente, poucos concertos. Se excluirmos a arte dita popular, a cultura era um privilégio das elites.
Claro que sempre houve honrosas excepções, que havia arte "consumida clandestinamente", serões culturais (frequentemente com uma orientação política definida); e claro que, com o 25 de Abril, a arte saiu à rua. Lembro-me de sessões de cinema em lugarejos perdidos, de "brigadas culturais", etc. Mas depois as coisas, fora de Lisboa ou Porto, voltaram a esmorecer.
Actualmente, a rede de Bibliotecas e a reabilitação/construção de cine-teatros, Casas das artes, Centros culturais e quejandos vieram reanimar este cenário. Numas mais, noutras menos.
Mas é preciso reconhecer que a França, por exemplo, já tinha "Maisons de la culture" espalhadas por todo o país desde os anos sessenta ou setenta. O Centro Georges Pompidou constituiu um "sintoma" da vontade de aproximar a arte da rua. Deixaria de haver uma fronteira nítida entre "alta" e "baixa" cultura. E, com efeito, ela deixou de ser acessível apenas às classes mais elevadas, um sinal distintivo que, inclusivé, lhes permitia perpetuar os seus privilégios. Costuma dizer-se que dinheiro atrai dinheiro, o que às vezes é verdade. Esquecem-se é de dizer que cultura atrai cultura - e que a cultura também pode atrair dinheiro.

Como? Olhem, se o sociólogo Pierre Bourdieu andou anos e anos a estudar estas questões, não serei eu a explicá-las aqui em Vila Verde, quase à hora do almoço, avizinhando-se uma tarde de reuniões e uma noitada de trabalho.

Sigam a Cecília

Temos visitas: a Cecília Soares do 11º C está cá hoje. Lembram-se que ganhou uma menção honrosa no prémio Ferreira de Castro?
Claro que teve de me aturar com os discursos do costume: "Vês? vês? nós temos cá alunos que fazem coisas interessantíssimas, mas nem sempre as valorizam e raramente mandam os seus trabalhos para concursos." Isto tem de mudar! Sigam a Cecília, escrevam (pintem, dancem, esculpam, fotografem, componham) e partilhem o vosso trabalho. PARTICIPEM. VIVAM. SEJAM.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Educação e criatividade





O vídeo que a professora Ana Margarida fez o favor de colocar no blogue tem alguns defeitos e muitas qualidades. Os defeitos: o facto de ser enquadrado por uma campanha publicitária que não tem nada a ver; o facto de estar legendado em português falado (escrito) no Brasil, e com opções de tradução algo duvidosas.
Mas pouco importa. O vídeo tem também inúmeras qualidades, e vem mesmo a calhar numa altura em que os alunos de décimo ano começam a treinar os seus dotes oratórios. Reparem como este senhor, que não é um actor profissional (senão na medida em que, como rezava um lugar-comum dos estágios pedagógicos, "o professor é um actor"). Durante quase vinte minutos, sem papel ou teleponto, deixa uma audiência, que se adivinha exigente, em suspenso das suas palavras. Recorre, sem exageros hollywoodescos, ao sentido de humor e às histórias pessoais (apetecia-me dizer parábolas).
E, depois, o conteúdo, que diz respeito a todos: a vocês, queridos alunos. Do que querem da escola e da vida. A nós, pais, professores, do que queremos fazer com a escola, com os nossos filhos e alunos, com as sociedades do futuro. Do que a escola valoriza e desvaloriza. Do que pode acontecer quando a escola desvaloriza justamente aquilo que devia valorizar. Vejam-no e meditem-no. Eu confesso que, pela primeira vez na minha vida, almocei em frente ao écrã do computador, incapaz de me "despegar". Valeu a pena.

Serralves em festa: mundo mundo, vasto mundo

Não sei se alguma vez foram ao Serralves em festa, mas, se não forem, VÃO! É no Sábado e no Domingo.
Vou dizer uma coisa horrível: parece que estamos "no estrangeiro". Eu explico: já vi cá em Portugal coisas fantásticas (em Serralves, nomeadamente. Na Gulbenkian). Mas o que é fantástico aqui não é apenas a qualidade dos espectáculos (teatro, performance, música) - todos grátis - mas também a alegria do público (um público, não sei como explicar... bonito), a apropriação dos espaços. Em todos os cantos e recantos, há coisas "giras" a acontecer.
Querem um conselho? Vejam mundo. Vão a Serralves!

Encontros da Imagem (III)




No Sábado fui ver as exposições dos Encontros da Imagem que estão em Tibães.
Tibães, aqui tão perto, é outro lugar mágico. Desta vez, limitei-me à primeira sala - e mal tive tempo de ver tudo. Também aproveitei para ver a exposição que está patente no Museu dos Biscainhos.
Não que isso seja importante, mas estes dois-em-um são todos grátis. Em tempos de crise, ter programas desta qualidade a custo quase zero (estou a exceptuar as deslocações), é de aproveitar. A festa de encerramento é no dia 30 ("é já a seguir", não há tempo a perder) e ainda há um ciclo de cinema e uma rave.


Banalidades

Ultimamente, temos descurado um bocadinho as nossas explicações. Dado que falámos em lugares-comuns e a Agatha Christie se referia à palavra cliché, é chegada a hora de algumas explicações.
Segundo o dicionário Houaiss, a palavra cliché designa "uma placa de metal (...) gravada fotomecanicamente em relevo, obtida por meio de estereotipia, galvanotipia ou fotogravura, destinada à impressão de imagens e textos em prensa tipográfica." Por extensão, passou a ser utilizada na acepção de "frase (...) rebuscada que se banaliza por ser muito repetida, trenaformando-se em unidade linguística rebuscada, de fácil emprego pelo emissor e fácil compreensão pelo receptor."
Dado que se trata de um galicismo, é preferível recorrer às expressões lugar-comum, banalidade ou chavão.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Morte na Biblioteca (II)


O Pedro Santos do 10º I apresentou oralmente um livro de R.L. Stine que se intitula Terror na Biblioteca. Ele gostou muito, o que é sempre uma boa recomendação.
Eu, pelo meu lado, diverti-me "imenso" com algumas passagens. E está visto que, ao contrário do senhor Mortman, o bibliotecário, não obrigo os meus alunos a ler apenas «clássicos».
Devo dizer que, apesar de ter lido uma parte do livro na diagonal, ele tem aspectos muito interessantes: por exemplo o programa de leitura em que os pais de Lucy a escreveram. Mas algo me diz que o Pedro o escolheu por outros motivos: "O senhor Mortman continuou a cantarolar, mesmo enquanto a sua cabeça inchava e palpitava por cima dos seus ombros e os seus olhos saíam como que em cima de hastes, espetados para cima como antenas de insectos.E então a sua gande boca começou a retorcer-se e a crescer. Estava completamente aberta, como um enorme buraco negro na gigantesca cabeça que emergira subitamente." Mas o melhor de tudo é o final, que o Pedro me contou. Não conseguirão arrancar-mo, nem que já vos estejam a nascer presas!

Caros utentes da Biblioteca da Escola Secundária de Vila Verde: o relato acima transcrito é pura ficção. Todas as personagens e acontecimentos são inventadas. As câmaras de vigilância jamais detectaram qualquer movimento suspeito após o fecho da Biblioteca - e nós aqui só bebemos chá e comemos bolachinhas.

Morte na Biblioteca (I)

No âmbito das exposições orais que os alunos de décimo ano estão a trabalhar, foram apresentados dois livros que têm tudo, mas tudo, a ver connosco. Eu não diria que ambos se situam ao mesmo nível, até porque já conhecia um e desconhecia o outro. E porque releria o primeiro e não me parece que venha a ler o segundo.
O primeiro é um clássico da Agatha Christie, foi apresentado pela Elisa Silva do 10ºF e intitula-se Um corpo na Biblioteca. Julgo que o terei lido com outro título, cuja capa, das edições Vampiro (não as primeiras, verdadeiros clássicos, assinadas por artistas plásticos de grande qualidade) estou a "ver" perfeitamente.
Comecemos pelo primeiro: a própria Agatha Christie escreve, no prefácio, o seguinte:
"Existem certos clichés que pertencem a certos tipos de ficção. O «barão brejeiro e atrevido» no melodrama, «o corpo na biblioteca» no romance policial. Durante vários anos, acalentei a possibilidade de uma conveniente «Variação sobre um Tema conhecido». Impus a mim mesma certas condições. A biblioteca em questão deveria ser uma biblioteca altamente ortodoxa e convencional. O corpo, por outro lado, devia ser um corpo extraordinariamente improvável e sensacional."
Ora "assistam" ao telefonema de Mrs. Bantry à sua amiga (uma das minhas personagens favoritas de Agatha Christie, vários "furos" acima de Hercule Poirot) Miss Marple:
"-És tu, Jane?
Miss Marple ficou muito surpreendida.
- Sim, é a Jane. Levantaste-te muito cedo, Dolly.
A voz de Mrs Bantry soou ofegante e agitada na linha.
- Sucedeu uma coisa terrível.
- Não me digas!
- Acabámos de encontrar um corpo na biblioteca.
Por um momento, Miss Marple pensou que a amiga tinha enlouquecido.
- Encontraram o quê?
- Eu sei. Não dá para acreditar, pois não? Quero dizer, julguei que só acontecia nos livros. Hoje de manhã, tive de discutir durante horas com o Arthur para convencê-lo a ir ver o que era.
Miss Marple tentou controlar-se. Perguntou ansiosamente: - Mas de quem é o corpo?
- É uma loura.
- Uma quê?
- Uma loura. Uma loura muito bonita... outra vez como nos livros. Nenhum de nós a conhece. Este simplemente ali estendida na Biblioteca, morta. É por isso que tens de vir imediatamente."
Curiosos? Até eu fiquei com vontade de reler o livro.
Receita
Dirigir-se à Biblioteca. Na secção Ficção Estrangeira, prateleira Literatura Policial, estender a mão. Pegar no volume 16 das obras de Agatha Christie. Cumprimentar a sra. D. Lúcia, mostrar-lhe o livro. Esperar dois minutos, enquanto preenche a requisição. Colocar na pasta. Em casa, tirar da pasta, escolher um local confortável. Ler enquanto apetecer.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Atrasos (II)


Por falar em atrasos e antes que me esqueça: Jorge Macedo, actualiza-nos o "blog", que os nossos textos estão a ficar fora de prazo!

Atrasos (I)

Estava eu a lanchar com uns amigos e a indignar-me com o facto de ter sido produzida legislação que abranda as multas a aplicar a quem polui (o chamado princípio do "poluidor-pagador"), quando alguém me perguntou: "Mas onde é que tu andas? Isso já foi na semana passada!" Era verdade, pelo que, desde então, tenho andado a perguntar-me em que mundo ando.
No meu mundo trabalha-se muito. Isso significa que agora me limito a comprar dois jornais ao Sábado, e que nem sempre tenho tempo para os ler. Ouço bocadinhos de rádio, quando ando de carro e não levo ninguém de boleia. Vejo uns bocadinhos de televisão. Falo com amigos. Como vêem, a informação chega-me aos bocados, retalhada e, frequentemente, atrasada. Além disso, pouco tempo tenho para reflectir acerca do que leio, vejo ou ouço.
No meu mundo trabalha-se muito, mas será que se trabalha bem? Pergunto-me muitas vezes se a minha agitação é, efectivamente, eficaz. Se o que "ensino" é importante. Se tem impacto na vida dos alunos. Se - mesmo que no dia, na hora, em que falo acerca do plural de "molhos", um punhado de alunos esteja distraído - não se acenderá uma luzinha vermelha nos seus cérebros na hora de pronunciar a palavra. Se hesitarão antes de dizer "Eu disse-le a ele." ou de escrever "Eles põem-o no frigorífico." O que sei é que no meu mundo devia haver tempo para ler, pelo menos, as "gordas" de um jornal diário. Mas não há. No meu mundo há sempre trabalho para fazer. Às vezes, trabalho para anteontem. Às vezes, trabalho que poderá não ter continuidade (como se pode ser professora de Português e não nos angustiarmos com as mutações que a TLEBS tem vindo a sofrer; ou com o acordo ortográfico?) - mas que é preciso fazer. Às vezes, trabalho que não aproveita a ninguém, mas que é obrigatório fazer.
O meu mundo vai ficar ainda mais poluído e eu não escrevi nada sobre o assunto. Sinto-me como o Carlos Drummond de Andrade:


LANTERNA MÁGICA (VIII)
BAHIA
"É preciso escrever um poema sobre a Bahia
Mas eu nunca fui lá."

Anjos na América

É engraçado: foi precisa uma estranha associação de ideias para que me recordasse de uma série magnífica, chamada, vejam lá: "Anjos da América".
Eu explico o meu tortuoso raciocínio: há tempos li no "Le Monde" - que uma alma caridosa (suspeito que o sr. Jean-Claude Costa) deixa na sala de professores - que os documentários suscitam cada vez mais o interesse do público. Subscrevo esta ideia, e deixo-vos dois nomes de documentários excelentes que vi nos últimos tempos: "Fleurette", do Sérgio Tréfaut (o mesmo de "Lisboetas") e "Mondovino", sobre vinhos. Muitos alunos desta escola viram "A marcha dos pinguins" e "Uma verdade inconveniente" (clássicos sobre o ambiente) e "Supersize me" (acerca dos perigos do pronto-a-comer), até porque estão, todos, disponíveis para requisição na Biblioteca.
Há um ano ou dois tinha lido que o melhor cinema reside (residia, pelos vistos) nas séries televisivas. Uma ideia difícil de tragar, embora, nessa época, estivessem a passar na televisão portuguesa séries fantásticas, como o já referido "Anjos da América" e "Sete palmos de terra".

Não sei se se lembram de "Sete palmos de terra", mas era uma série absolutamente improvável cujos episódios se iniciavam, invariavelmente, com uma morte - dado que as personagens principais eram proprietárias de uma agência funerária. Eu, que sou impressionável, adorava-a. Devo dizer, sem exageros, que passei a encarar certos aspectos da vida e da morte sob outra perspectiva. E não foram raras as vezes em que passei uma semana inteira a remoer, a matutar, a reflectir sobre um episódio da série.
Embora "Sete palmos de terra" fosse irrepreensível de todos os pontos de vista, "Anjos da América" era um produto claramente mais cinéfilo (realizado, aliás, por Mike Nichols). Basta afirmar que no elenco se incluíam Meryl Streep, Emma Thompson e Al Pacino, entre outros. Só que os anjos da América eram anjos muito terrenos, no sentido em que viveram as primeiras repercussões da Sida, as crises de identidade sexual e se debateram com a corrupção política...
Agora, embora goste de "Anatomia de Grey" e me ria incontrolavelmente com "A vida é injusta", não há nenhuma série que me faça hesitar em sair de casa nesse dia. Neste momento, as que sigo são todas descartáveis.
O professor Custódio Braga, de visita aqui à Biblioteca, não escapou à minha curiosidade, e lembrou duas boas séries, das quais também gostei: "Profiler" e "Ficheiros secretos".


A professora Ana Cristina Oliveira referiu as "Donas de casa desesperadas", a professora Maria José Ribeiro "True calling" e a professora Ana Margarida Dias "Irmãos e irmãs". Por falar nisso: a minha irmã gosta muito de "Mal-me-quer-bem-me-quer" e de "Jogo de audazes"; e uns amigos meus gostam muito do "Boston Legal".
E vocês? Que séries recordarão daqui a vinte anos? "Postem" as vossas sugestões.

Os meninos da rádio

A minha "cusquice" dirigida levou-me a indagar quem eram os elementos da Rádio S-cool (que nome tão "cool"!), como se chamavam e de onde vinham.
O professor responsável é o José Cruz, o aluno é o Ricardo Peixoto do 12º D. Ainda do 12ºD, integram a equipa o Tiago Cunha, o Hélder Fernandes, o Ricardo Barros e o Rui Martins. Do 12º E, o André Silva. Do 11º D, o Bruno Fernandes. As "divas" do décimo ano são a Filipa Vitoriano e a Bárbara Alexandra (só duas? estou a ver que temos de instaurar um sistema de quotas... mau, mau...)
Parafraseando um bom filme sobre rádio (e também sobre a guerra do Vietname):

«Gooood mooooooorning, Vila Verde!!!»

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Encontros da Imagem (II)





A primeira exposição dos Encontros da Imagem que fui ver este ano é um verdadeiro três-em-um, e dos melhores.
Finalmente, fui ver o novo arranjo arquitectónico da Fonte do Ídolo, um sítio arqueológico verdadeiramente mágico. E as duas exposições que lá estão patentes, cujos temas não vou revelar, mas que, advirto desde já, são chocantes.
Espero que tenham a decência de as ir ver e não "bufar" neste blogue do que se trata.

Parabéns

A professora Maria do Rosário de Educação Física (ou seja: a nossa "Xali") teve um bebé, a Leonor. Para não vir para aqui transcrever as estafadas (mas belíssimas) Leonores de Camões e de Rómulo de Carvalho, fui abrir "a" Adélia Prado e consegui encontrar um poema que fala de meninas, de anjos e de Maio:
VEROSSIMIL
Antigamente, em maio, eu virava anjo.
A mãe me punha o vestido, as asas,
me encalcava a coroa na cabeça e encomendava:
'Canta alto, espevita as palavras bem'.
Eu levantava vôo rua acima.

Xali: mesmo que não vistas a Leonor de anjinho, esperamos que levite. Já sabemos que, para ti, ela tem asas. E agora, também os nossos beijos.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

O coelho da Alice e eu


Sinto-me como o coelho da Alice no País das Maravilhas, sempre agarrado ao relógio e a lamentar-se da falta de tempo.
É que na escola têm acontecido "imensas" coisas interessantes e eu não tenho tido tempo para vo-las relatar. "Ele foi" o nosso quarteto, que era de cordas (no 25 de Abril). "Ele foi" uma exposição-venda de trabalhos, promovida pela turma A do 12º ano. "Ele foram" os alunos de uma turma da professora Ana Paula Fontão, que escreveram um texto muito interessante, publicado na revista Visão Junior. "Ele foram" as escritoras Lígia Bastos e Maria do Céu Nogueira, que voltaram à nossa escola. "Ele é" a exposição acerca dos países da União Europeia, patente no Bloco A e organizada pela professora Maria da Luz Fernandes e pelos alunos do sétimo ano. "Ele é" o clube de rádio, que passou da infância à adolescência (o que, às vezes, é sinónimo de ritmos... animados...).
Mas os meus botões já murmuram em surdina: «Ó céus! Ó céus! Vou chegar tarde de mais!» à aula. Adeus, adeus, que me vou embora.

Encontros da Imagem (I)


Este ano voltamos a ter direito aos Encontros da Imagem. Aproveitem e vão ver os diversos espaços expositivos, espalhados por Braga.
Há exposições no Museu da Imagem (claro!), no Museu Nogueira da Silva, no Museu D. Diogo de Sousa, no Mosteiro de Tibães, no Museu dos Biscainhos, na Fonte do Ídolo, na Torre de Menagem, na Casa dos Crivos, na Velha-a-Branca, no BragaParque e na Fnac. Se exceptuarmos estes dois últimos locais (de peregrinação pós-moderna), poderão aliar o prazer de ver óptimas exposições de fotografia - congregadas sob a temática do género - mas também a fazer uma verdadeira romagem por alguns, muitos, dos locais mais significativos da cidade e arredores.
Há outro excelente motivo para se visitarem estas exposições: é que se não houver público, se não se formarem públicos, estas iniciativas acabarão por morrer. E nós não queremos que isso aconteça, queremos?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Acto falhado


Este texto vai ser um fracasso. Eu sei que ele vai ser um fiasco, mas não posso impedir-me de o escrever.
Com tantos anjos, lembrei-me de repente que tinha visto (?) um filme, ainda por cima de uma cineasta que muito aprecio, Jane Campion (autora, entre outros, do inesquecível O piano e de uma adaptação muito respeitável de um livro de uma das minhas escritoras favoritas, Virginia Woolf, intitulado Orlando). O filme chamava-se Um anjo à minha mesa, julgo que falava sobre escola (e a minha vida gira, desde os seis anos de idade, à volta da escola) e sobre uma escritora.
Pois se era da Jane Campion, se tinha a ver com escola (?) e com livros (?), por que motivo não me lembro senão muito vagamente da imagem de um pique-nique sob as folhagens?! Se é que me lembro de um pique-nique sob as folhagens...
Em contrapartida, lembro-me MUITO BEM por que motivo não me lembro do filme (e isto não é um paradoxo). É que foi um dos últimos filmes que fui ver ao Teatro Circo, quando ele ainda se chamava Teatro Circo e ainda passava filmes bons. Era Inverno, eu fui agasalhadíssima e levei um casaco de caxemira que só consigo usar em situações de frio glaciar. Só para que vejam, não o usei nos últimos três anos... ainda assim, depois do intervalo só conseguia pensar: "Os meus pés, os meus pés, os meus pés." Tive receio de que um dedo me caísse. De apanhar uma pneumonia e ser hospitalizada. De ter de ser descolada da cadeira, em estado de hipotermia, pelo arrumador. Em suma: pensei em tudo menos no filme.
O Teatro Circo, agora Theatro, nunca mais voltou a programar filmes. Quando reabriu, nem me ocorreu que não seria uma reedição, para melhor, da Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão. Ou que não tivesse a vitalidade do Centro Cultural Vilaflor. "Os cujos" têm uma óptima programação de cinema. Assim como Vila do Conde, que só agora vai reabrir o Cine-Teatro (o último filme que vi lá, com os meus pais e a minha irmã - e vila do conde em peso - foi o "África Minha"), mas onde todas as semanas há bons filmes e onde se organiza, anualmente, o festival das curtas metragens. Ou a Póvoa do Varzim, que mantém há anos o cineclube "Octopus".
Não acho normal, mesmo nada normal, que Braga delegue essa tarefa num privado, o sr. Gomes, proprietário do Bragashopping. É verdade que a programação já teve um ou dois deslizes. Se me pedirem muito, eu digo quais são. Não obstante, considero que o sr. Gomes (que é coadjuvado por um professor da Universidade do Minho, Alberto Filipe Araújo) merecia mais do que... outros... ser agraciado com o grau de comendador. Porque, na prática, o sr. Gomes tem feito mais pelo cinema de qualidadade na cidade de Braga do que qualquer outra pessoa.
Para ser justa, devo dizer que a livraria Centésima Página e a Velha-a-Branca também programam filmes, e dos bons. Porém, as condições não se assemelham às de uma sala de cinema (como consta existir no Theatro Circo). Vocês sabem, a Rita Lee já cantou, "o escurinho do cinema"...
Também me enerva sumamente verificar que Festivais de cinema, como o IndieLisboa, têm extensões em cidades "da província". Como o mais ecléctico (não é só cinema) "Temps des Images".
Braga é assim como aqueles gritos da praxe "E pra Braga, não vai nada nada nada?!".
Só que a resposta é, quase sempre, um rotundo "Nãããããão!"

Anjos criados em Cervães

Os anjos de Jorge de Sousa Braga têm essa qualidade algo irónica de "anjinhos papudos", como, aliás, boa parte da sua obra poética. Olhem que engraçado, neste


IGREJA DE SANTA CATARINA
Um anjo papudo olha-me
lá do alto e eu estendo
as mãos não vá ele es-
tatelar-se no asfalto
Um anjo papudo
pintado de azul-cobalto.

ou em
AS TROMBETAS DOS ANJOS
As primeiras trombetas dos anjos
despontaram hoje sobre os muros
da alameda. Ao volante dum Ford
apesar do pára-arranca chega-
me aos ouvidos silenciosa e doce
a sua música branda.

ou, ainda, em

UM ANJO NO PORTO
Eu vi-o um dia destes pairando
sobre a Torre dos Clérigos
ou descendo a Avenida dos
Aliados ao fim da tarde
Disfarçava mal as asas
por debaixo da gabardina
e abdicara da auréola. Po-
dem não acreditar mas eu
vi-o. Da última vez atra-
vessava a pé o rio

Os anjos de Sousa Braga conferem uma dimensão poética à cidade.
Sendo anjos, são também humanos (podem estatelar-se no solo e ser amparados por um poeta, um humano que olha o céu e os beirais em vez de cravar os olhos no chão ou nas montras). Com a sua música branda, salvam os condutores presos no tédio do tráfego. Sobrevoam a cidade e misturam-se com os comuns mortais. Ou são pessoas nas quais o poeta entrevê qualidades angelicais: às vezes pairam, outras caminham. Tal e qual como nós, que, sobretudo em dias de nevoeiro, conseguimos fazer as duas coisas ao mesmo tempo.



sábado, 9 de maio de 2009

Asas definitivamente não assexuadas

Mas, como é fim-de-semana, deixamo-vos a letra de uma música dos GNR (bem podem agradecer às professoras Ana Cristina Oliveira e Gracinda Duarte. Foram elas que se lembraram. Ficaram ambas com um ar sonhador, não sei lá porquê...)

Asas servem para voar,
Para sonhar, ou para planar
Visitar, espreitar, espiar,
Mil casas do ar.
As asas não se vão cortar;
Asas são para combater,
Num lugar infinito no vácuo,
Para respirar o ar.
As asas são
Para proteger, te pintar
Não te esquecer,
Visitar-te, olhar-te, espreitar-te
Bem alto do ar.
E só quando quiseres pousar
Da paixão que te roer,
É um amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar.
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer.
Mas só quando quiseres pousar
Da paixão que te roer,
É um amor que vês nascer
Sem prazo, idade de acabar. (x2)
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer.
Não vejo leis para te prender
Aconteça o que acontecer.
Não há leis para te prender
Aconteça o que acontecer...

Anjos em Garrett

Os portugueses têm uma certa tendência para serem mais inefáveis (dos mais antigos, nem se fala.) Almeida Garrett é um homem do seu tempo, como se pode ver pelo poema que transcrevemos de Flores sem Fruto:

AS MINHAS ASAS

Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um Anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Bati-as, voava ao céu.

– Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que mas deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra.
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
– Veio a ambição, co'as grandezas,
Vinham para mas cortar
Davam-me poder e glória
Por nenhum preço as quis dar.

Porque as minhas asas brancas,
Asas que um Anjo me deu,
Em me eu cansando da terra
Batia-as, voava ao céu.

Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
– Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas...
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.

E as minhas asas brancas,
Asas que um Anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.

Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores...
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!

– Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu
Pena a pena me caíram...
Nunca mais voei ao céu.
Podem ler, do mesmo autor, "O Anjo caído": "Era um anjo de Deus / Que se perdera dos céus / E terra a terra voava. (...)" e "Anjo és": "Anjo és tu, que esse poder / Jamais o teve mulher (...)".

Drummond em Adélia, ou de como um anjo PODE ter sexo

Adélia Prado, essa maravilhosa e ainda não muito conhecida (entre nós) "poeta" brasileira, é muito mais positiva - como é seu timbre. Reparem como a condição feminina é considerada uma vantagem, e não uma desvantagem. O seu desassombramento assombra-me. Prometo revisitá-la...


COM LICENÇA POÉTICA
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável.
Eu sou.


(In Adélia Prado, Poesia Reunida, Siciliano, São Paulo, 1991)

Vou só repetir, para saborear devidamente: "(...) já a minha vontade de alegria, / sua raiz vai ao meu mil avô."

Sem querer cair no "psicologismo", um dos aspectos que mais me agrada em Adélia Prado é esta vontade de alegria, sinónimo de inteligência emocional (confesso que a leitura do livro Inteligência emocional de David Goleman me afectou profundamente. Confesso que, se tivesse tempo para fazer pesquisas relacionadas com o meu trabalho - não tenho... - essa seria a área a que me votaria. O livro está integralmente disponível na Internet.)

Pergunta para os alunos do 10º ano que andam a ler "O quarto anjo" de José Eduardo Agualusa: qual é o anjo que revela mais inteligência emocional?

Anjos e Drummond em Chico


Numa música muito conhecida, que embalou a minha infância e juventude, Chico Buarque revisita Drummond:

Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
Inda garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim
Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim
Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, minha mula empacou
Mas vou até o fim
Não tem cigarro, acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim?
Eu já nem lembro pr'onde mesmo que vou
Mas vou até o fim
Como já disse, era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu tava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até ao fim.

Anjos em Drummond


Reparem como Carlos Drummond de Andrade inicia um dos seus poemas mais conhecidos (e mais glosados), "Poema de sete faces":

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Jorge Macedo, sê um anjo - e actualiza-nos o "blog"...

Anjos


A professora Ana Paula Matos pôs-nos a seguinte questão: que sabemos nós sobre anjos? As resposta são múltiplas. Assim, à partida, sem preparação nenhuma, e exceptuando os anjos vicentinos acerca dos quais TODOS os alunos do nono ano em diante sabem alguma coisa - e não venha cá a nossa querida anónima do 12º duvidar, porque sabem. Tenho ou não razão? ; )
A pergunta vinha a propósito de um conto do José Eduardo Agualusa que vamos trabalhar nas aulas de Português. Visualizámos logo uma imensa quantidade de caricaturas com anjos. Vá-se lá saber porquê, há muitas. E depois, um daqueles filmes da vida de muita gente (eu incluída), As asas do desejo, de Win Wenders. Um filme deslumbrante, aqui na Biblioteca, à espera que vocês o requisitem...
Há anjos pintados por todo o lado (nomeadamente os de Rafael, reproduzidos ad nauseam em posters, T-shirts, guarda-chuvas). Um dos insultos mais criativos que conheço (estou a exceptuar os do capitão Haddock) é "Meu anjinho papudo!" E eu própria tenho um casaco acolchoado de meia estação, de que gosto muito, mas que larga penas - o que me deixa aborrecida e, ao mesmo tempo, meio sonhadora...
O Luís Fernando Veríssimo tem um livro de que talvez vos tenha falado, um policial cheio de sentido de humor, intitulado O clube dos Anjos. Os brasileiros parecem gostar muito de anjos (leiam o tal conto do José Eduardo Agualusa, "O quarto anjo", e talvez percebam porquê...).

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Etiqueta e boas maneiras

Há pouco fui à reprografia e vi um livro que não era, obviamente, um livro escolar, pousado em cima da mesa. Como já lhes disse, curiosidade acerca de livros não constitui, no meu código de honra pessoal, bisbilhotice ou má educação. Eu, que nunca faço perguntas relativamente à vida pessoal de ninguém, não tenho pejo nenhum (ui, tantas negativas) em inquirir sobre livros. Ou filmes, vá lá...
Abreviando: perguntei à Sra. D. Glória, uma daquelas pessoas da nossa escola que merecia receber uma medalha de "mérito leitor", que livro andava a ler. Respondeu-me que se tratava do livro de um professor, e pegou-lhe. Olhei de soslaio e li: Guia Larousse de etiqueta e boas maneiras. Ou algo assim.
Ora eu não posso senão aprovar. Os livros de boas maneiras têm má imprensa, eu sei. Porém, são talvez dos livros que mais se deviam ler. Significa isto que sou uma maníaca da etiqueta? De modo algum. Mas sou a favor de todas as regras que nos permitam viver harmoniosamente em sociedade. Devo alegar, em minha defesa, que prefiro, de longe, uma pessoa bem formada (mesmo que não saiba comer à mesa) a uma pessoa que sabe todos os preceitos da boa educação e é... e é... uma má pessoa, pronto.
No preciso momento em que escrevo, entraram na Biblioteca oito alunos que estarão, pelo aspecto, entre o nono e o décimo ano. Entraram a correr e atiraram-se para cima dos nossos queridos pufes, que são só quatro. Um deles, na pressa de "apanhar" lugar, passou por cima da mesa. Com pés e tudo.
Mas isto é apenas uma pequena amostra do que vemos e ouvimos, todos os dias, na escola e fora dela. Mesmo em contexto de sala de aula, os alunos dizem palavrões, falam com grosseria, espreguiçam-se, deitam papéis para o chão, deixam desarrumados espaços que encontraram limpos, etc., etc. A lista seria longuíssima. Já para não mencionar a forma como se tratam entre si ou se dirigem a pessoas mais velhas (funcionários e professores).
Os professores tentam secundar, na escola, uma batalha que, outrora, se travava quase exclusivamente em casa, pelos pais e pela família alargada que constituía o contexto da maioria dos agregados: avós, tios, primos. Dizia-se então que era preciso uma aldeia inteira para educar uma criança. E era verdade.
Agora, porém, em função de horários de trabalho mais exigentes, o convívio dos pais com os seus filhos é (muito) menor. As famílias estão, tendencialmente, reduzidas à expressão mais simples, e os parentes próximos só se reúnem em certas ocasiões. As crianças convivem entre si, e sofrem a influência cada vez mais marcante da televisão e da Internet (geralmente não supervisionadas)...
Por isso, aplaudo a iniciativa do meu colega. Devemos recorrer a todos os meios ao nosso alcance, mesmo os menos ortodoxos, para travar esta batalha contra (deixem-me ser hiperbólica) a barbárie.

Modas

A moda é um tema que interessa a quase toda a gente. Confesso que fico um bocadinho céptica quando alguém que não tenha o aspecto da Susan Doyle diz, com ar de desprezo, não se interessar por moda. Embora considere que a personalidade, o carácter, a vivacidade das pessoas é muitíssimo mais importante do que a maneira como trajam, devo admitir que a forma como nos vestimos revela algo acerca de nós: o que somos, o que queremos ser, o que queremos parecer...
Uma das tendências contemporâneas - mas que remonta à noite dos séculos (desculpem o lugar-comum) - é a de "decorar" o corpo. Pintura, tatuagem, perfurações, deformações (anéis de pescoço de certas sociedades primitivas, pés das chinesas de classe elevada até meados do século XX, espartilhos das damas vitorianas), dietas, operações... Daí que me repugne concordar quando alguém me diz: "Já viste o cabelo dele? Mas aquilo tem algum jeito?!" ou "T-shirts de manga curta por cima de mangas compridas? Que horrooooor..." ou franze o nariz a "piercings" em lugares improváveis.
Penso - ou digo - que, se fosse jovem ou adolescente, provavelmente faria o mesmo.
E a verdade é que, até certo ponto, eu própria fui vítima de idênticos preconceitos. Quando se recomeçaram a usar brincos (durante muitos anos foram considerados "pirosos"), eu não tinha as orelhas furadas. Para grande desgosto da minha mãe, resolvi furá-las. Fui à ourivesaria mais próxima e disse ao que ia. O proprietário respondeu-me, com ar horrorizado e indisfarçável desprezo: "Menina, eu não sou nenhum carniceiro!".
"Não és um carniceiro, mas és um parolo.", pensei para os meus (formalmente) bem educados botões de dezasseis anos. Tive de ir a vários sítios para conseguir que me furassem as orelhas. Passados uns tempos (lenta, mas seguramente, as modas disseminam-se), quem não tinha orelhas furadas rendeu-se à evidência (enfim, algumas, poucas, escaparam). E o ourives, o tal que não era carniceiro, afixou na montra o cartaz "Furam-se orelhas".
Conclusão e moral da história: nunca digam nunca. Evitem julgamentos. Cada pessoa vive no seu tempo e com as suas circunstâncias. A cada idade, sua tendência. E assim sucessivamente...
Uma precaução, apenas: tenham muito cuidado com as condições sanitárias dos locais que escolhem e não se esqueçam que, à luz dos conhecimentos científicos actuais, há coisas que NÃO DEVEM FAZER EM CIRCUNSTÂNCIA ALGUMA.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Licença para viver (e para pisar a relva)

A propósito do texto anterior, lembrei-me de uma novela de Henry James, A fera na selva. É um título enganador, dado que se passa, como todos os livros de Henry James que conheço, em ambientes altamente civilizados. Talvez já tenham visto filmes baseados na obra deste autor, como Retrato de uma senhora ou Daisy Miller...
David Lodge escreveu um livro muito interessante, intitulado Autor, autor, baseando-se em (e especulando acerca de) A fera na selva. Segundo David Lodge, estamos perante uma narrativa de fundo autobiográfico, que reflecte o malogro pessoal do seu autor.
Com efeito, trata-de uma novela com um protagonista um tanto atípico em Henry James, um homem cujas aspirações são tão elevadas, que se crê destinado a uma revelação de tal forma extraordinária, que a sua vida não se concretiza, designadamente no plano amoroso.
Em geral, os romances de James relatam a vida de mulheres que se enredam na teia de convenções sociais que, de forma às vezes ingénua, não acatam, acabando por ser ostracizadas pela "melhor sociedade". Neste caso, há, efectivamente, uma personagem feminina que se compromete por amor a este homem. Porém, sendo vítima de uma situação jamesiana usual, não é ela a protagonista, e sim este homem, que só no fim da vida se apercebe que a busca do "graal" (sim, eu ontem dei uma olhadela furtiva ao filme "O código da Vinci"...) é uma patetice e que a vida, a verdadeira vida (ou o amor, se quiserem), esteve sempre ali, ao seu alcance, na pessoa da sua amiga May Bartram.
Independentemente de se tratar de uma parábola de fundo autobiográfico, "A fera na selva" é um livro a ler e a meditar, de preferência deitado na relva de um dos muitos canteiros da escola. Assim juntarão o útil ao agradável: a leitura e o ar livre. Se Fernando Pessoa nos advertiu que "o sol doira sem literatura", melhor ainda é aliar sol e literatura. E farão da escola um daqueles locais onde a relva não é, burguesmente, um cenário sem utilidade, mas um espaço de fruição da natureza. "Mal comparando", como os jardins da Gulbenkian...

Dia 1 de Maio: licença para flanar

Eu confesso: no dia 1 de Maio fui flanar.
Lembram-se que, na semana passada, me sentia a estiolar entre quatro paredes, cheia de inveja dos participantes no cicloturismo? E não sabem - porque eu não lhes disse - que me sentia um mocho, uma coruja - um desses animais pálidos, cuja pele jamais capta os raios solares.
Durante semanas, olhava para o espelho e lembrava-me da descrição de Pierrot, a personagem do conto "Pierrot ou les secrets de la nuit", do livro Sept Contes (que nós temos aqui na Biblioteca):
"Peut-être parce qu'il travaillait la nuit et dormait le jour, il avait un visage rond et pâle qui le faisait ressembler à la lune quand elle est pleine. Ses grands yeux attentifs et étonnés lui donnaient l'air d'une chouette, comme aussi ses vêtements amples, flottants et tout blancs de farine. Comme la lune, comme la chouette, Pierrot était timide, silencieux, fidèle et secret. Il préférait l'hiver à l'été, la solitude à la société, et plutôt que de parler - ce qui lui coûtait et dont il s'acquitait mal - il aimait mieux écrire, ce qu'il faisait à la chandelle, avec une immense plume, adressant à Colombine de longues lettres qu'il ne lui envoyait pas, persuadé qu'elle ne les lirait pas."
Embora Colombine se encante momentaneamente com Arlequin, são as cartas de Pierrot que, finalmente, a conquistam.
O que significa que o poder de uma carta (uma mensagem, um "mail", um bilhete, um postal) bem escrita não é de subestimar. Se se lembram, por exemplo, do filme "Cyrano de Bergerac", de Jean-Paul Rappeneau, verificam que o que verdadeira e indelevelmente seduziu Roxanne não foi a beleza de Christian, mas as cartas de Cyrano. No livro Aquilo que eu amava, de Siri Hustvedt, as cartas de Bill Wechsler desempenham um papel fundamental na conquista amorosa. Ora bem: Pierrot é um contemplativo, mas Cyrano e Bill são homens de acção.
Conclusão e moral da história: nem sempre leitura e escrita, nem sempre bicicleta e caminhada.