terça-feira, 27 de outubro de 2009

Da inveja

Embora não me considere uma mulher invejosa, tenho de admitir que invejo certas coisas e até certas pessoas. Como são muitas, vou deixar este texto em aberto, para lhe ir acrescentando as minhas inúmeras dores de cotovelo.

1. Inveja tecnológica:
  • do blogue "Gaveta de nuvens". Quem me falou dele foi a professora Isabel Costa e eu ia ficando doente quando o li. Que sorte têm aqueles alunos, por terem um professor de Português tão dotado para as TIC!
  • das alunas Sara Pereira e Cátia Ferreira do 12º N. Orientadas pela professora Ana Margarida Dias (outra pessoa que me provoca graves "cotovalgias" nessa área), vi uns trabalhos espectaculares, do ponto de vista gráfico, com as personagens do Astérix.

2. Inveja temporal:

  • da família Portas. Toda. Ao que dizem, todos, pai (Nuno Portas) e filhos (Miguel, Paulo e Catarina) dormem pouquíssimo. Imaginem-me com a minha idade, tendo tido mais quatro horas por dia para ler e trabalhar...
  • das pessoas que têm tempo para fazer uma sesta todos os dias e podem fazer férias fora das pausas escolares.

3. Inveja de pessoas que podem ir trabalhar a pé.

4. Inveja de pessoas que podem ver os filmes da Cinemateca. Mais filmes, em suma.

5. Inveja das pessoas que vivem no campo, no meio do silêncio. Que têm fruta e legumes com bicho e, se precisam de salsa, vão colhê-la ao jardim. Basicamente, tenho inveja da nossa amiga Zé.

N.B. As invejas podem ser incompatíveis entre si, do estilo "ter o bolo e comê-lo". Afinal, isto é só um devaneio ante-aula)

6. Inveja das pessoas que têm uma postura corporal perfeita, como a nossa amiga Ana Cristina. Por isso é que eu passo a vida a corrigir os meus alunos: para que, quando forem adultos, não tenham inveja.

7. Inveja dos livros e filmes a que os nossos alunos têm acesso. "No meu tempo" havia muito menos acesso à cultura. E notem que não estou a falar de Internet.

8. (...) E vocês? Têm inveja de quê?

Mulheres perfeitas

Um dos Contos Exemplares mais exemplar de Sophia de Mello Breyner Andresen, para mim, é (por razões muito subjectivas) "Retrato de Mónica". O livro está aqui na Biblioteca, os contos são tão breves quanto fantásticos, leiam-no. Um conto por intervalo, por exemplo. É perfeitamente possível.
Mas volto ao conto, e a Mónica:

"Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do século XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria."

Mónica poderia ser, ou talvez seja, nas versões importadas de Hollywood ou produzidas localmente (Lux, Caras, Nova Gente, etc.) o modelo de muita gente. Assim uma Barbie intelectual-caridosa. No texto adverte-se para algo que essas revistas tendem a esquecer: "Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol."

Mas o que mais me importa reter neste texto notável é o excerto seguinte:

"De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito de negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo em cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias."

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra



Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra

(Carlos Drummond de Andrade)

A vingança do poeta

Ontem, folheando a Antologia Poética do brasileiro Carlos Drummond de Andrade, recentemente adquirida pela Biblioteca, deparei com uma nota final do Autor, que escapa aos discursos do costume. Ora leiam:

"Fui muito criticado e ridicularizado quando jovem. O meu poema «No meio do caminho», composto de dez versos, repete de propósito sete vezes as palavras «tinha» e «pedra», e seis vezes as palavras «meio» e «caminho». Isto foi julgado escandaloso; hoje o poema está traduzido em 17 línguas, e me diverti publicando um livro de 194 páginas contendo as descomposturas mais indignadas contra ele, e também os elogios mais entusiásticos. Achavam-me idiota ou palhaço (...)"

E termina: «Acho que a literatura, tal como as artes plásticas e a música, é uma das grandes consolações da vida, e um dos modos de elevação do ser humano sobre a precariedade da sua condição.»

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Não me façam falar! (II)

Por isso, decidi que não vou falar:
- da Maitê Proença (mas lá que o Salazar foi eleito - num concurso televisivo, bah - o grande português do século XX, foi; e que há muitos portugueses que cospem, há);
- das declarações polémicas do José Saramago;
- de coisas, porventura importantes, mas que não tenham directamente a ver com as minhas aulas. Pelo menos enquanto não me esquecer do que ouvi, na sexta-feira passada, à entrada do bloco A.

Não me façam falar! (I)

Na sexta-feira ia a entrar no bloco A e ouvi um aluno não identificado a dizer o seguinte: «O não-sei-quantos é o meu herói. Conseguiu que a professora de Filosofia ficasse uma hora a falar!» Eu desconfio que a escola está cheia de "heróis" destes. Acho até que conheço alguns. E fico a pensar que algumas das coisas mais importantes que aprendi na escola, nomeadamente com a minha querida professora de Francês, Maria Laura Macedo, não tinham directamente a ver com a disciplina. Eram aqueles espaços em que aprendíamos a ser, a pensar, a estar no mundo. Mas NÃO resultavam de uma armadilha estendida por alunos com intenções dúbias a docentes bem intencionados.


Pois não deverá um professor de Filosofia responder a uma pergunta de um aluno?! Mesmo quando essa pergunta não se enquadra directamente no ponto do programa que está a leccionar? Não poderá ou não deverá comentar uma tema da actualidade acerca do qual é questionado? A resposta é, sem dúvida, afirmativa. Porém, se esta resulta de uma manipulação, temos alunos que estão a boicotar conscientemente o trabalho do seu professor. São uns heróis, são. Da mediocridade.

Tristeza

Este blogue tem estado parado e triste. Não é por acaso.



POEMA DE FINADOS

Amanhã que é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.

Leva três rosas bem bonitas.
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão
(...)

(Manuel Bandeira)

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Campanha eleitoral na ESVV (IV)

Para concluir, espero:
As campanhas políticas, seja qual for a sua esfera (internacional, nacional ou local) devem ser conduzidas com elevação. Os programas devem ser pensados de forma realista, prevendo soluções concretas. Os eleitores devem saber o que está em causa e o que, verdadeiramente, distingue os candidatos. Após as eleições, devem exigir o cumprimento das promessas. E os eleitos ficam obrigados a promover e-f-e-c-t-i-v-a-m-e-n-t-e as condições de trabalho e estudo dos votantes envolvidos. E ponto final.

Campanha eleitoral na ESVV (III)

Volto ao livro A política explicada às crianças... e aos outros para transcrever uma parte que me parece particularmente pertinente nesta temporada eleitoral:



«A política não é mais do que a tua vida e a dos outros. É a forma como as pessoas se organizam para viverem em grupo. Afirmar "Eu cá não faço política" é o mesmo que dizer "Eu cá não respiro."
Ter uma opinião política é uma coisa fundamental. Não se escolhe uma opinião como quem escolhe a cor de uma gravata ou a marca de uns sapatos desportivos. Aliás, não se escolhe uma opinião.
É algo que existe no mais íntimo de nós próprios. É a forma como reagimos perante aquilo que se passa perante os nossos olhos, uma discussão, uma injustiça, uma manifestação de rua. Uma opinião é uma parte de nós mesmos. Se há algo que nos distingue dos animais, é justamente o facto de termos opiniões.
Por isso, deves bater-te decididamente pelas tuas opiniões. Não deixes ninguém sobrepor-se a ti, mesmo que isso te possa trazer alguns aborrecimentos. Não tentes imitar os outros. Pensa bem, sempre que tiveres de te pronunciar. Pesa bem os prós e os contras. Não vás atrás do que diz um amigo teu, só porque ele fala bem, porque é bom camarada ou porque outros fazem o mesmo. Não deixes que te "façam a cabeça", como é costume dizer. Não sejas como um catavento.» (pp. 25-26)
E o autor prossegue, enumerando num tom simples, sereno e didáctico, outros conselhos a seguir:
«Tu tens uma opinião, os outros são livres de ter a sua. Deixa-os falar. Ouve-os. Faz-lhes algumas perguntas. Se pensas que estão errados, tenta convencê-los. Mas se achas que têm razão, reconhece-o. Só os imbecis não mudam nunca de opinião. Se te provarem que estás enganado, seria estúpido teimares no teu erro.
Mas, sobretudo, não adoptes nunca uma opinião sem teres reflectido bastante. (...) Se, depois de teres reflectido, não tiveres opinião sobre um assunto, se, numa discussão, não souberes quem é que tem razão, di-lo também. Não é vergonha nenhuma fazer isso. Não adiras forçosamente à opinião da maioria. Nada prova que, só por serem muitos, estejam certos.» (p. 27)

Campanha eleitoral na ESVV (II)

Duas mãos amigas, duas, emprestaram-me o livro A política explicada às crianças... e aos outros, de Denis Langlois. O livro lê-se de uma assentada e tem umas ilustrações óptimas do desenhador francês, especializado em assuntos políticos, Plantu - cujo sítio oficial merece a visita.
Transcrevo uma parte do prefácio, que resume o que penso acerca da "coisa" política:
«A política não são só os discursos na rádio ou na televisão, os compadrios, as negociações, as promessas eleitorais: "Votem em mim e darei a todos um emprego. Elejam-me e conduzir-vos-ei ao paraíso.» É também a maneira como os seres humanos organizam a vida, os esforços que fazem para tentar criar um mundo no qual possam ser mais livres e mais iguais, no qual já não se olhem como inimigos mas como irmãos.
A política não é forçosamente uma coisa suja, que deve ser rejeitada. Para aqueles que são vítimas da miséria e da injustiça é também a esperança de uma mudança.
De qualquer forma, mesmo que não te metas com a política, a política mete-se contigo. Não se trata de um jogo (...) Haverá sempre gente a decidir por ti, a organizar a tua vida e a dos outros. É claro que podes deixá-los agir e limitar-te a ver o mundo a girar à tua volta, não intervir quando se comete uma injustiça, dizendo para contigo. "As desgraças dos outros não me dizem respeito." Mas será isso viver? Não será apenas existir como um vegetal?» (pp. 5-6)



Campanha eleitoral na ESVV (I)

Hoje a chegada à escola pareceu-me uma descida aos infernos. A campanha eleitoral começou e, com ela, o cortejo habitual: muita gente, muita excitação, papéis, décibeis, autocarros, tendas, balões, rebuçados, flores.
Tive mais dificuldade em ler os programas das listas, embora seja uma leitura digna de se fazer. Fiquei perplexa com certas promessas. A meu ver, são totalmente irrealizáveis. Numa breve sondagem, perguntei a algumas pessoas o que é que as Associações de Estudantes têm feito pela escola. Só me falaram em bailes e viagens de finalistas.
Eu própria tenho uma experiência díspare, a de um representante dos delegados de turma no Conselho Pedagógico que desmobilizou à primeira e de uma delegada que participava activa e construtivamente, defendendo os alunos que representava de forma assaz pertinente.
Por isso, antes de votar, leiam os programas e questionem-se acerca das reais intenções dos elementos das campanhas. E, depois, "monitorizem" as promessas que vos foram feitas.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Dia Mundial da Alimentação





Com tanta moralina, já me esquecia das nossas "boas práticas".
Na sexta-feira cheguei ao Bloco A e deparei com duas mesas cheias de bolos apetitosos (todos eles confeccionados com frutos frescos ou secos), chás de ervas e maçãs. Abasteci-me logo, e fiquei a admirar o à-vontade das alunas que participaram neste projecto. Além da Alzira Dias (que já conheço porque é uma assídua frequentadora da Biblioteca), também as outras meninas demonstraram uma atitude... deixem-me dizer isto... assertiva. Ainda gostei mais do que dos bolos.


Antídotos contra a TDACHSR

Parafraseando o Júlio Machado Vaz, "ora vamos lá ver se nos entendemos":
1. De acordo com José Pacheco Pereira, ainda estarão imunizados contra este vírus os que foram expostos a «(...) algum silêncio, algum tempo lento, alguma prevalência da leitura sobre a televisão, ou apenas a televisão e os jornais, mas tudo ainda muito devagar e pouco "interactivo".»
2. Inocular-se-ão deliberadamente contra este vírus os detentores do verdadeiro poder. Ora leiam: «O vírus da TDACHSR produz uma rede muito complexa porque emaranhada, mas é incapaz de gerar uma seta, uma direcção, um sentido, um significado. E produz uma memória curtíssima, uma presentificação absoluta, uma incapacidade de lembrar tempos, e de os comparar. Pode-se "ler" nesta "nuvem"? Poder pode, mas fora dela. É o que fazem os poderosos que se colocam noutro lugar. Atentos. Sem deficit de atenção. Com memória. Focados. No "ponto".»
Pacheco Pereira é por vezes acusado de ser demasiado pessimista. E embora eu concorde que - como diria o Mário de Carvalho - nunca se deve confundir o Manuel Germano com o género humano, julgo que estas palavras nos deviam interpelar.

Educação cívica

Correndo o risco de este blogue ser uma espécie de satélite do Público, desta feita é o artigo de Sábado de Pacheco Pereira (JPP) que nos chama a atenção. Em primeiro lugar, pelo título longuíssimo : "Transtorno do déficit de atenção cívica com hiperactividade social em rede (TDACHSR)".
Transcrevo um dos passos deste artigo, que me parece muito pertinente numa altura em que receio que os soundbytes da campanha para a Associação de Estudantes não sejam acompanhados por programas devidamente pensados e, depois, por uma atitude participativa por parte dos alunos que vierem a ser eleitos:
«Chegada às escolas, a doença começa de baixo para cima, nos mais novos, e está em plena força nas "novas gerações" e nas ex-"novas-gerações". Ou seja, está a fazer-se cada vez mais forte quando essas gerações hoje infantes chegarem à vida cívica, ou seja, a partir do momento em que começam a escrever umas banalidades arrogantes em qualquer sítio da Rede, quando passarem do SMS no telemóvel para o Facebook e o Twitter. Comunica-se também um pouco para os "mais velhos", mas não é ainda dominante. Estes ainda mantêm um certo arcaísmo social, alguma "atenção", porque ainda conheceram na sua juventude algum silêncio, algum tempo lento, alguma prevalência da leitura sobre a televisão, ou apenas a televisão e os jornais, mas tudo ainda muito devagar e pouco "interactivo". Ainda prezam a sua privacidade, outro dos bens que se estão a tornar escassos por uma geração que acha normal ter localizadores nos telemóveis e começar qualquer conversa por "Onde estás?". E não lhes passaria pela cabeça colocar fotografias em poses obscenas no hi5, ou dizer "onde estão" de meia em meia hora no Twitter.
O que é que caracteriza esta TDACHSR? Uma completa falta de atenção ao que é relevante, cultural, social, económica, politicamente, uma enorme dificuldade de identificar o "ponto" e de ir ao "ponto". Pelo contrário, manifesta-se por uma imersão numa multidão de "pontos", todos igualmente dispersos, todos igualmente irrelevantes. Uma enorme dificuldade em aprender, porque nunca se está no mesmo sítio, nunca se está calado, nunca se pára de mexer, nunca se desliga o telemóvel, nunca se sai de frente de écrãs, televisão e computador, nunca se deixa de falar, de "twitar", de enviar SMS, nunca se deixa de receber "tweets" e SMS, fotografias, sons, vídeos, alguns, poucos, textos.»
Moralina, sim - mas desta vez não é minha...

Quem sabe, sabe

Na Sexta-feira fiquei roída de inveja. Li o Público e, na rubrica diária do Miguel Esteves Cardoso (MEC), lá vinha a designação, o nome justo, o nome certo, para a Agustina Bessa-Luís: génia. É isso que a senhora é, uma génia.
Em latim existe uma expressão, genius loci, que, levianamente traduzida, seria algo como o génio (o espírito, a alma) do lugar. No romance Howards End, E. M. Forster atribui a uma propriedade rural inglesa uma alma, confiada a uma guardiã e transmitida de geração em geração - embora não na mesma família. Assim, o genius loci do campo português (com as suas inúmeras extensões na cidade) teria esta guardiã que é, simultaneamente, uma escritora de génio.
A escrita de Agustina flui de forma misteriosa, iluminando o que não sabemos, dizendo-nos o que não queremos saber mas que não podemos evitar. Os génios incomodam, e Agustina incomoda.
Pressentimos, pois, outra acepção no nome justo que MEC lhe atribui: algo a que por vezes se chama mau génio, não dissimulado por diplomacias, punhos de renda, delicadezas, subtilezas.
A civilização é uma coisa boa? Será, mas algo se perde quando esquecemos o chão que pisamos, quando cortamos as árvores, quando ignoramos a água que corre sob o asfalto. Quando esquecemos que, mais tarde ou mais cedo, ela encontrará um caminho alternativo e inundará tudo outra vez.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Uma feiticeira portuguesa faz anos

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Hoje este blogue deveria ter festejado, em tempo útil, os anos da escritora Agustina Bessa-Luís. Ainda por cima, esta vossa escriba sentada é uma grande apreciadora da obra da escritora amarantina. Mas isso era noutros tempos. Agora falta-me o tempo e o fôlego, e tenho-me dedicado a obras mais breves. Tenho saudades dos tempos em que lia grossos volumes, como A Muralha, e me sabiam a pouco. Enfim.
Talvez a melhor homenagem a um escritor seja, como reiterou Maria João Seixas no programa "A força das coisas" (aos Domingos das 10h às 11h na Antena 2), lê-lo.
E, assim, vou à estante procurar o meu exemplar desconjuntado - porque muito lido e relido da, para mim fascinante, Sibila. A essência de uma certa portugalidade, de que muitos se envergonham e que outros ignoram por completo, encontra-se lá - e chama-se Quina.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

"Un amoureux trop curieux"

Em resposta ao texto anterior, encontrei num livro de um autor francês que muito aprecio, Bernard Friot (e desconfio que há "autores" portugueses que também o apreciam muito, não me perguntem porquê...), uma história que mostra as coisas terríveis que podem acontecer a quem maltrata plantas (animais, pessoas...)

Un jeune amoureux cueillit au jardin une reine-marguerite. Il commença - c'était un amoureux bien peu original - à arracher un à un les pétales.
- Elle m'aime un peu, beaucoup...
- Mais arrêtez, ça fait mal! hurla la marguerite.
- ... à la folie, passionnément, pas du tout. Elle m'aime un peu..., continua le jeune homme.
- Bourreau, assassin, monstre sanguinaire, jardinier catastrophique! gémissait la marguerite atrocement torturée.
On en dirait autant à sa place, je suppose.
Mais l'insensible amoureux récitait imperturbablement:
- Beaucoup, à la folie, passionnément...
Jusqu'au dernier pétale:
- ... pas du tout!
- Bien fait! dit la fleur.
Et elle mourut dans un très long soupir.

Ai as árvores ai as árvores ai as árvores ai as árvores


Há muitos, muitos anos, ainda vocês não eram nascidos, li um artigo interessantíssimo acerca da sensibilidade das plantas. Segundo o seu autor, numa esquadra de polícia americana alguém tinha pendurado numa planta da borracha um detector de mentiras ligado. Quando lhe voltaram a pegar, constataram que o detector de mentiras tinha registado movimentos. E que movimentos eram esses? De cada vez que um cigarro era apagado no vaso, a planta estremecia.
Agora sigam o meu raciocício: se uma planta estremece por causa de um cigarro apagado, o que "sentirá" ela - no seu modo vegetal - quando é podada?!!

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Planeta banda desenhada

O meu aluno Vohel surpreendeu-me com os seus conhecimentos sobre manga, banda desenhada de origem nipónica acerca da qual eu praticamente só sei o que li em O Japão é um lugar estranho (Peter Carey), livro que será hoje apresentado à Comunidade de leitores da Velha-a-Branca pelo seu tradutor, Carlos Vaz Marques.



O Vohel trouxe-me dois livros: Naruto, de Masashi Kishimoto, e Hunter, de Yoshihiro Togashi. Muito avisadamente, explicou-me como devia abrir e ler o livro. Para lhe retribuir a gentileza, pedi à professora Ana Margarida Dias para colocar aqui os sites de dois autores de BD belga de referência, Benoît Peeters e François Schuiten:
La fièvre d'Urbicande, cuja versão francesa pode ser requisitada na Biblioteca.
Vejam também

e

Oh as árvores as árvores as árvores as árvores

Numa das série de banda desenhada que mais aprecio, Astérix (que existe aqui na Biblioteca), uma personagem canina, o Idéafix (que é de ideias fixas), sofre como um cão (o trocadilho é fácil, demasiado fácil, mas irresistível), sempre que uma árvore é arrancada.


No ano passado fiz uma promessa, que ainda não cumpri, à escritora Maria do Céu Nogueira. Ao passarmos no Alívio, ambas nos insurgimos contra a forma como as árvores tinham sido podadas. O panorama era tanto mais confrangedor, quanto de um lado tinham sido podadas e do outro não.


Desde que as brigadas municipais estão equipadas com motoserras, as árvores não são podadas, são mutiladas. Metem dó, as pobres. Depois crescem, é verdade, mas tortas, cheias de nós. Menos altivas. Que se cortem os ramos podres, acho bem. Agora que se dispam as árvores de ramos e de dignidade, acho mal. Dá-me vontade de uivar, como o Idéafix.



O meu sonho era que, tal como no álbum O Domínio dos Deuses, um druida inventasse bolotas mágicas capazes de gerar instantaneamente uma árvore altaneira. Andaria com os bolsos cheios de bolotas e atirá-las-ia sorrateiramente para as valas. Mas, como isso só existe nos meus sonhos mais selvagens, resta-me apelar às Câmaras Municipais para que deixem as árvores crescer em paz...

Escola e política

No rescaldo da campanha eleitoral, já me posso permitir fazer aqui uma crítica que silenciei ao longo destes dias. Tem ela a ver com os carros equipados com altifalantes que debitam palavras de ordem ao passar pelas(s) escola(s). A meu ver, devia haver um perímetro (e um horário) protegido.
As campanhas eleitorais (e incluo nesta crítica as internas à escola, designadamente aquelas que dizem respeito à Associação de Estudantes) deviam ser mais ecológicas, evitando desperdícios de papel e de lixo, assim como o ruído excessivo.
Mas o que mais impressiona é o contraste absoluto que existe entre a mobilização de meios e recursos postos ao serviço das campanhas e o eclipse (quase) total das iniciativas associativas ao longo de todo o ano.
Nunca me cansarei de dizer que a política é, ou deveria ser, uma actividade nobre. Por que não começar logo aqui, na escola?

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Blogues rivais

Não resisto a pôr aqui uma canção de Charles Trénet que, a meu ver, vem fazer uma séria concorrência ao blogue "Duas culturas". Veremos se há reacção...


Si les mystères de la vie
Vous mènent à zéro,
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.
Pourquoi, lorsque tombe la pluie,
Nous vient-elle d'en haut ?
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.
Pourquoi la lune a-t-elle une influence
Sur les marées des océans immenses ?
Pourquoi l'paon dit-il "Léon",
Le coq "Cocorico" ?
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.
Si vous avez soif la nuit
Et qu'il n'y ait pas d'eau,
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.
Si, pour traverser Paris
Vous prenez le métro,
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.
Un peu d'oubli ne fait pas d'mal en toutes choses
Et trop d'génie vous rend parfois morose.
Si vous jouez d'la guitare
Et pas du banjo,
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.
Pourquoi dit-on mon beau-frère
A un type vraiment pas beau ?
N'y pensez pas, n'v pensez pas, n'y pensez pas trop.
Et pourquoi : ver "solitaire"
Avec tant d'anneaux ?
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.
Pourquoi dit-on qu'elle est grand', cette petite ?
Pourquoi l'saumon
A-t-il le goût d'la truite ?
Pourquoi cett' bonne est mauvaise
Et ces bas sont hauts ?
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.
Si vous ignorez l'algèbre,
Les points cardinaux,
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.
Si vous confondez le zèbre
Avec le taureau,
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.
Soyez heureux
Avec le peu de science
Qui rend joyeux
Les braves gens sans méfiance.
Pourquoi les vaches ont des puces
Et les puces pas de veaux ?
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.
Laissez faire le monde qui tourne.
C'est la loi d'En-Haut.
N'y pensez pas, n'y pensez pas, n'y pensez pas trop.




(Já estou daqui a ver os meus colegas do "Duas culturas" a contrariar-me: a ciência surge quando se colocam as perguntas certas, que é o que, em parte, acontece aqui). Vou ser magnânima (não é francês, é português mêmo e significa apenas, neste contexto, ser boazinha), evitar o contraditório e conceder que o que nesta música me interessa é mesmo o imperativo "Soyez heureux".

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Chove chuva

Não resisto a acrescentar a canção de Jorge Ben "Chove chuva", "chove sem parar" que sempre alio a Braga.

Margarida

Baladas para dias de chuva



ESTÁ CHOVENDO NA ROSEIRA (Tom Jobim)
Olha
Está chovendo
Na roseira
Que só dá rosa
Mas não cheira
A frescura
Das gotas húmidas
Que é de Luísa
Que é de Paulinho
Que é de João
Pétalas de rosa
Carregadas pelo vento
Um amor tão puro
Carregou meu pensamento
Olha
Um tico-tico mora ao lado
E passeando no molhado
Adivinhou a primavera
Olha que chuva boa
Prazenteira
Que vem molhar Minha roseira
Chuva boa criadeira
Que molha a terra
Que enche o rio
Que lava o céu
Que traz o azul
Ah Você é de ninguém
A chuva boa


LE PARAPLUIE (Georges Brassens)


Il pleuvait fort sur la grand route, elle cheminait sans parapluie,
J'en avais un volé sans doute, le matin même à un ami
Courant alors à sa rescousse, je lui propose un peu d'abri
En séchant l'eau de sa frimousse, d'un air très doux, elle m'a dit «oui».
Un petit coin de parapluie,
Contre un coin de paradis
Elle avait quelque chose d'un ange,
Un petit coin de paradis,
Contre un coin de parapluie,
Je ne perdais pas au change, pardi!
Chemin faisant, que ce fut tendre d'ouïr à deux le chant joli
Que l'eau du ciel faisait entendre sur le toit de mon parapluie
J'aurais voulu, comme au déluge, voir sans arrêt tomber la pluie,
Pour la garder, sous mon refuge, quarante jours, quarante nuits.
Un petit coin de parapluie,
Contre un coin de paradis
Elle avait quelque chose d'un ange,
Un petit coin de paradis,
Contre un coin de parapluie,
Je ne perdais pas au change, pardi!
Mais bêtement même en orage, les routes vont vers des pays
Bientôt le sien fit un barrage à l'horizon de ma folie
Il a fallu qu'elle me quitte après m'avoir dit grand merci
Et je l'ai vue toute petite partir gaiement vers mon oubli...
Un petit coin de parapluie,Contre un coin de paradis
Elle avait quelque chose d'un ange,
Un petit coin de paradis,
Contre un coin de parapluie,
Je ne perdais pas au change, pardi!


sábado, 3 de outubro de 2009

"Já não se escrevem cartas de amor"

É frequente ouvir uns bocadinhos do programa “Quinta essência”, que é emitido às sextas-feiras das 13 (suponho) às 14h (tenho a certeza) na Antena 2.
Hoje só ouvi o fim de uma entrevista a Mário Zambujal. A propósito, suponho, do seu livro Já não se escrevem cartas de amor, o escritor/jornalista/cronista desportivo/radialista (…) sustentou, com declarada nostalgia, que cartas de amor, tal como antigamente, já não haveria muitas. O entrevistador temperou a afirmação, avançando que talvez ainda houvesse... sms de amor. Não ouvi bem a resposta, mas a conversa mudou de rumo, pois, a dado momento, Mário Zambujal admitiu que só tinham mudado os adereços, e que a essência humana permanecia. A prova? A obra de Shakespeare, cujos tipos/personagens mantêm a frescura e a actualidade.

Pois é. Poderá não haver cartas de amor a circular, mas as pessoas encontram novos meios de se exprimirem. Sms, por certo, mas também mensagens electrónicas. Isso já vocês sabem… Ditos e não-ditos. Percursos por aqui e não por ali. Linguagem corporal. É como o senhor diz: “Só mudam os adereços”.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Manoel de Barros

O poeta brasileiro Manoel de Barros foi galardoado com o prémio Sophia de Mello Breynner. Deixo-lhes um brevíssimo excerto de "Uma didática da invenção":


XXI
Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais
ou no Viterbo* -
A fim de consertar minha ignorãça,
mas só acrescenta.
* Eu, já sabem, é mais "no Hoauiss"...

Músicas contra o esquecimento

Na exposição "Retratos de família", patente de 7 de Setembro a 2 de Outubro de 2009 na Biblioteca Municipal Prof. Machado Vilela, podem ver-se vinte e três fotografias de famílias de Vila Verde. Já havíamos falado de parte destes retratos, então expostos no Museu da Imagem, em Braga. Mas "o bom filho à casa torna", e agora podem ver o "núcleo vilaverdense" da Photo Aliança in loco.
Esta exposição, onde podemos admirar os vilaverdenses tal como se apresentavam noutros tempos ("su buena gente, su dignidad", cantava Roberto Goyeneche, acompanhado pelo bandoneon de Astor Piazzolla), resulta da colaboração do Museu da Imagem (dirigido por um ex-professor desta Escola, Rui Prata) e da Câmara Municipal (presidida pelo também ex-professor e ex-Presidente da Escola, António Vilela).
Muito curioso é o apelo lançado à população no sentido de constituir um Repositório de Memória Colectiva, formado não apenas por objectos ou documentos, mas também pelas histórias de vida dos vilaverdenses. A memória é, tal como o tango - agora classificado, pela Unesco, como Património intangível da Humanidade -, o que faz de nós o que somos.
Em vez de renegar o passado, devemos aceitá-lo, compreendê-lo e, até, perscrutá-lo para melhor nos conhecermos. Tal como na letra de uma das minhas músicas preferidas de Astor Piazzolla, "Vuelvo al sur", regressamos sempre - às raízes...
Vuelvo al Sur,
como se vuelve siempre al amor,
vuelvo a vos,
con mi deseo,
con mi temor.