segunda-feira, 15 de junho de 2009

Magia


A professora Beatriz Barbosa ofereceu-me um "tsuru". Achei-o bonito, quase poético. Mais sugestionada fiquei quando soube que este "origami" representa um grou e que, no Japão, é símbolo de felicidade.
Embora seja uma mulher céptica, não sou imune ao pensamento mágico, o qual, na minha opinião, está na base de quase toda a arte humana (e mais nada!). Embora não acredite em amuletos, acredito na amizade das pessoas que no-los oferecem. Embora não creia em milagres, creio que somos capazes de muito mais do que pensamos.
"Jo no creo en la magia, pero los invito a conocer, en la nuestra Biblioteca", os origami que um grupo de professores de Matemática expôs. E fiquem sabendo que, se um "tsuru" dá sorte, mil "tsuru" dão muita sorte, pois, segundo outra lenda japonesa, cada pessoa que complete um Sembazuru (conjunto de mil "tsurus") terá direito à satisfação de um desejo. Se fosse bem formulado, estavam a ver o potencial...

Imenso, imeeenso, imensoooooo

Já repararam que tenho tendência para escrever "imenso" entre aspas? O que de certeza não sabem é que é por vergonha. Vergonha, sim, vergonha.
É que, quando encarno a minha persona de professora de Português e estou de esferográfica vermelha em riste a corrigir trabalhos escritos (às vezes verde, vá lá), uso-a para assinalar certos usos deste "redondo vocábulo".
Esta palavra, segundo-já-sabem-o-quê, designa algo " (...) impossível de medir ou contar; desmedido, ilimitado". Acontece, porém, que, oralmente, usamos "imenso" imenso em vez de muito. Ora, honra me seja feita, ninguém me "apanhou", durante as exposições orais, a corrigir os muitos imensos que para lá se disseram. A meu ver, trata-se de uma palavra em plena mutação linguística. Tanto diremos imenso, que imenso passará a ser apenas muito, como estadia e rentável substituíram, respectivamente, estada e rendível.
A língua é um organismo vivo. Observem com o microscópio do tempo esta palavra imenso e depois veremos se tenho razão...

Quem ganhará a guerra na Palestina?


Na sexta-feira passada tinha decidido ir ver o filme Valsa com Bashir, mas atrasei-me "imenso" e quase desisti, até porque tenciono comprar o DVD. Não vi os primeiros vinte minutos, mas não dei o tempo por perdido. Nada substitui a atenção unicamente focada num filme que uma sala de cinema proporciona.
Valsa com Bashir é um filme de animação impressionante, em que (notem que não vi o início, posso estar enganada) um soldado israelita que participou na invasão do Líbano tenta reencontrar a memória perdida. Para tal, entrevista outros participantes (militares, um jornalista) e conversa com uma psiquiatra para tentar reconstituir uma vivência que não consegue recordar.
É curioso este mecanismo de transposição para banda desenhada ou animação (já aqui falámos de Maus e Persepolis) de acontecimentos históricos traumáticos. Em Valsa com Bashir o artifício parece ainda mais evidente, dado que as entrevistas parecem "desenhadas" sobre os movimentos dos entrevistados.
A pergunta que se coloca é: o que será mais eficaz, documentários, imagens reais ou banda desenhada, animação, livros, filmes? Não sei, apenas posso falar da minha própria experiência: o conflito israelo-árabe sempre foi uma nebulosa para mim. Sempre povoou os jornais e noticiários da minha vida, e sempre representou uma incógnita. Aliás, fiz algumas tentativas de compreensão, mais ou menos goradas, com recurso a livros e revistas de História.
O que posso dizer é que, lendo filmes como Valsa com Bashir, Intervenção Divina ou lendo livros como L'Immeuble de Mathilde (um livro de Hassan Daoud que narra a invasão do Líbano "vista" através das mutações por que passa um prédio de Beiruth), fiquei mais ciente dos danos (nada colaterais) que o conflito no Médio Oriente representa. Um conflito que parece insanável, incompreensível, sem fim à vista.
O que me parece é que certas narrativas, fílmicas (lembro-me, por exemplo, de As tartarugas também voam), literárias ou artísticas são extraordinariamente eficazes para evocarem o sofrimento real a que seres humanos reais são sujeitos.
Porque apresentadas do ponto de vista de sujeitos (narradores) particulares, e não como imagens de uma guerra longínqua (em que os "rockets" não são imagens vagamente apercebidas no telejornal, mas pontos de luz que permitem às milícias exterminar famílias inteiras à noite), estes relatos ficcionais (ou reais, mas desenhados) são integrados no imaginário colectivo como verdadeiros.
Pena é que, enquanto acontecem (como sucedeu com o genocídio no Rwanda) não haja intervenção em tempo útil. Ou seja, toda a informação é pouca, e alguma só nos chega tarde demais. Eficaz, eficaz, verdadeiramente eficaz, seria evitar que estas coisas acontecessem.
Dezanove anos, tinha o soldado que nos assume a narração de Valsa com Bashir. Menos anos do que alguns kamikazes que se imolam nas inúmeras guerras que assolam o planeta neste início do século XXI. Há quem, desde cedo, se recuse a entrar em guerras (vejam-se os portugueses que se exilaram para não participar na gerra colonial), há quem vá e volte com a sua memória (Lobo Antunes, Assis Pacheco, Manuel Alegre), há quem vá e nunca se questione.
Sorte a nossa, que apenas nos sentamos numa sala de cinema às escuras, deitamos uma lágrima furtiva e depois vamos jantar. Mas o que aprendemos, o que aprende realmente a humanidade com tudo isto?
Razão tinha Bertold Brecht, num texto dito há dias pelo Sindicato da Poesia no Museu Nogueira da Silva em Braga:
Perguntas de um Operário Letrado
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu?
Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros?
A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo.
Quem os ergueu?
Sobre quem
Triunfaram os Césares?
A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes?
Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou.
E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A tradução automática e os seus perigos

Ocorreu-me agora que não lhes tenho falado muito dos meus alunos de 11º (nem dos de 9º, já agora). Isto apenas acontece porque, como a língua de comunicação é o francês, os diálogos são, necessariamente, mais limitados. É normal. Costumo dizer que eles só podem falar como se tivessem três ou cinco anos de idade. A comparação é, por diversos motivos, grosseira, mas esclarecedora.
No entanto, há dias, a propósito de um trabalho que parecia ter sido feito com a ajuda do tradutor automático, uma aluna contou-me a seguinte história: uma senhora escreveu uma carta para um (a) francês/francesa, onde figurava a frase :"Estou preocupada", que o tradutor automático transcreveu como "Je suis enceinte", ou seja, "Estou grávida".
E o que é certo é que, dependendo do contexto, estar grávida pode significar estar muuuuito preocupada...

Panelas de pressão

Há umas semanas perguntei aos meus alunos do 11º ano que profissão gostariam de exercer. Muitos não sabiam, hesitavam, mas nenhum disse que queria ser professor. Questionei-os mais directamente: "E ser professor(a)? Não gostavam?" Todos responderam liminarmente que não.
Apenas o Micael, após ponderação, disse que, se fosse de Educação Física...
Fui para casa a pensar nisto. Eu, dantes, adorava ser professora. Até pensava - e às vezes dizia - que tinha a sorte de me pagarem para fazer o que gostava. Tinha muitos alunos que queriam ser professores, talvez porque estes fossem um modelo a seguir.
Agora só me ocorre a hipótese explicativa da panela de pressão. Tal como no "jingle" da Silampos (passe a publicidade), "(...) agora tudo mudou / nas cidades e nos campos". Tal como na imagem final do filme "Intervenção Divina", de Enia Suleiman, somos panelas de pressão, prestes a rebentar.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Teatro

Este ano fui várias vezes ao teatro, não por minha iniciativa, mas por iniciativa de colegas cá da escola.
Os hábitos culturais, as escolhas para os tempos livres são importantes - sobretudo no que diz respeito aos jovens. Com efeito, se se acostumarem a ser "batatas de sofá", isto é, a consumir o vosso tempo livre a olhar para o écrã, não apenas perderão o vosso tempo, como deixarão pouco a pouco de praticar actividades físicas. Além de correr o sério risco de se tornarem "aberrações", como os jovens japoneses de que tenho lido relatos, os quais não saem de casa há vários anos. Não saem de casa há vários anos - repito. Ou seja, perdem várias dimensões importantes na vida de um ser humano, nomeadamente a convivial.
Do ponto de vista cultural, a inércia deve ser combatida. Desde que o trabalho não seja comprometido (este ano, por exemplo, não pude ir ao "Serralves em festa", de que tanto vos falei. Porém, "valores mais altos se alevantaram", mais concretamente, as minhas convicções no Sábado e os testes no Domingo...).
Acontece que, quando vim para Braga, gostava de ir ao teatro. Por razões que não vale a pena esmiuçar, deixei de o frequentar. Mas - em boa hora! - convidaram-me para ir ver o "Concerto «à la carte»" de Franz Xaver Kroetz no Theatro Circo; "Tambores na noite" de Bertold Brecht; e "Deus. Pátria. Revolução", de Luísa Costa Gomes.
Três peças diametralmente diferentes: na primeira não foi proferida, ao longo de quase duas horas, uma única palavra. Extraordinária Ana Burstoff, magnífica dramaturgia!
Na segunda, a palavra predomina. Lamento não vos dizer mais acerca dela. Tenho pouco tempo, pouco espaço, já passaram meses. Recordo apenas um dos muitos momentos memoráveis, o dos vira-casacas.
A terceira era teatro musical (de que gosto muito) com a dose certa de nostalgia e ironia. Gostei muito (nas outras também) do cenário, em particular da versátil máquina dramatúrgica.
O teatro tem esta dimensão física, de proximidade, que nem o cinema, nem a música gravada, nem os computadores, nem a televisão nos podem dar. Uma respiração, um estar-com-gente, um partilhar.

Por isso, aqui deixo um apelo "a quem de direito": tragam a Braga as "Variações enigmáticas" de Eric-Emmanuel Schmitt, encenado pela Comuna. Por favor...?