Um dos Contos Exemplares mais exemplar de Sophia de Mello Breyner Andresen, para mim, é (por razões muito subjectivas) "Retrato de Mónica". O livro está aqui na Biblioteca, os contos são tão breves quanto fantásticos, leiam-no. Um conto por intervalo, por exemplo. É perfeitamente possível.
Mas volto ao conto, e a Mónica:
"Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do século XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria."
Mónica poderia ser, ou talvez seja, nas versões importadas de Hollywood ou produzidas localmente (Lux, Caras, Nova Gente, etc.) o modelo de muita gente. Assim uma Barbie intelectual-caridosa. No texto adverte-se para algo que essas revistas tendem a esquecer: "Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol."
Mas o que mais me importa reter neste texto notável é o excerto seguinte:
"De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito de negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo em cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias."
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