Para mim, hoje, a desilusão tem dois nomes: Chico Buarque e Murray Ringold. Essa é uma das virtualidades das obras de arte, consolar-nos.
Chico Buarque é um cantor de intervenção, que desde sempre defendeu os direitos dos mais desfavorecidos. Em "A ópera do malandro", por exemplo, o bas-fond carioca surge sob uma luz simpática. A prostituta Jenny é a vítima por quem nos apiedamos, o general é um refinadíssimo... mau da fita. E assim sucessivamente.
Num dos seus mais recentes álbuns, "Carioca", pode ouvir-se uma canção emblemática, "Outros sonhos" ("Sonhei que o fogo gelou/Sonhei que a neve fervia/ (...)"), onde polícias e ladrões fazem a sua aparição "De mão em mão o ladrão/Relógios distribuía/E a polícia já não batia".
Mas, quando ouvi a faixa "Ode aos ratos", do álbum "Carioca", senti um estranho desconforto. A própria materialidade da música exaspera, com o ritmo, as aliterações. Imaginei logo o Chico Buarque a ser assaltado, a sentir as suas convicções ir pelo cano abaixo, pelo esgoto. Supu-lo a lidar com o mal-estar escrevendo "Saqueador/Da metrópole/Tenaz roedor/De toda esperança/Estuporador da ilusão" e rematando, a contragosto, o processo de depuração: "Ó meu semelhante/Filho de Deus, meu irmão".
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