segunda-feira, 4 de maio de 2009

Licença para viver (e para pisar a relva)

A propósito do texto anterior, lembrei-me de uma novela de Henry James, A fera na selva. É um título enganador, dado que se passa, como todos os livros de Henry James que conheço, em ambientes altamente civilizados. Talvez já tenham visto filmes baseados na obra deste autor, como Retrato de uma senhora ou Daisy Miller...
David Lodge escreveu um livro muito interessante, intitulado Autor, autor, baseando-se em (e especulando acerca de) A fera na selva. Segundo David Lodge, estamos perante uma narrativa de fundo autobiográfico, que reflecte o malogro pessoal do seu autor.
Com efeito, trata-de uma novela com um protagonista um tanto atípico em Henry James, um homem cujas aspirações são tão elevadas, que se crê destinado a uma revelação de tal forma extraordinária, que a sua vida não se concretiza, designadamente no plano amoroso.
Em geral, os romances de James relatam a vida de mulheres que se enredam na teia de convenções sociais que, de forma às vezes ingénua, não acatam, acabando por ser ostracizadas pela "melhor sociedade". Neste caso, há, efectivamente, uma personagem feminina que se compromete por amor a este homem. Porém, sendo vítima de uma situação jamesiana usual, não é ela a protagonista, e sim este homem, que só no fim da vida se apercebe que a busca do "graal" (sim, eu ontem dei uma olhadela furtiva ao filme "O código da Vinci"...) é uma patetice e que a vida, a verdadeira vida (ou o amor, se quiserem), esteve sempre ali, ao seu alcance, na pessoa da sua amiga May Bartram.
Independentemente de se tratar de uma parábola de fundo autobiográfico, "A fera na selva" é um livro a ler e a meditar, de preferência deitado na relva de um dos muitos canteiros da escola. Assim juntarão o útil ao agradável: a leitura e o ar livre. Se Fernando Pessoa nos advertiu que "o sol doira sem literatura", melhor ainda é aliar sol e literatura. E farão da escola um daqueles locais onde a relva não é, burguesmente, um cenário sem utilidade, mas um espaço de fruição da natureza. "Mal comparando", como os jardins da Gulbenkian...

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