segunda-feira, 11 de maio de 2009

Anjos criados em Cervães

Os anjos de Jorge de Sousa Braga têm essa qualidade algo irónica de "anjinhos papudos", como, aliás, boa parte da sua obra poética. Olhem que engraçado, neste


IGREJA DE SANTA CATARINA
Um anjo papudo olha-me
lá do alto e eu estendo
as mãos não vá ele es-
tatelar-se no asfalto
Um anjo papudo
pintado de azul-cobalto.

ou em
AS TROMBETAS DOS ANJOS
As primeiras trombetas dos anjos
despontaram hoje sobre os muros
da alameda. Ao volante dum Ford
apesar do pára-arranca chega-
me aos ouvidos silenciosa e doce
a sua música branda.

ou, ainda, em

UM ANJO NO PORTO
Eu vi-o um dia destes pairando
sobre a Torre dos Clérigos
ou descendo a Avenida dos
Aliados ao fim da tarde
Disfarçava mal as asas
por debaixo da gabardina
e abdicara da auréola. Po-
dem não acreditar mas eu
vi-o. Da última vez atra-
vessava a pé o rio

Os anjos de Sousa Braga conferem uma dimensão poética à cidade.
Sendo anjos, são também humanos (podem estatelar-se no solo e ser amparados por um poeta, um humano que olha o céu e os beirais em vez de cravar os olhos no chão ou nas montras). Com a sua música branda, salvam os condutores presos no tédio do tráfego. Sobrevoam a cidade e misturam-se com os comuns mortais. Ou são pessoas nas quais o poeta entrevê qualidades angelicais: às vezes pairam, outras caminham. Tal e qual como nós, que, sobretudo em dias de nevoeiro, conseguimos fazer as duas coisas ao mesmo tempo.



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