quarta-feira, 25 de março de 2009

Casa de pais, escola de filhos

Este texto, prometo - ou ameaço? -, vai aumentar, aumentar, aumentar. Isto porque o tema é actual, difícil e polémico. Ele surge a propósito de vários textos que li recentemente na imprensa acerca do tempo de permanência das crianças e jovens na escola. Julgo que este interesse tem a ver com a reivindicação de dilatação dos horários de abertura de creches, infantários e escolas por parte das Associações de pais e encarregados de educação.
Já estão a ver por que motivo este tema é tão polémico: logo à partida, ficamos um pouco arrepiados por haver pais que precisam de deixar crianças 24 horas por dia num local que não a sua própria residência. Por haver pais que os deixam de madrugada, que os vão buscar noite fechada. Mas as pessoas que vivem nos mesmos locais vivem, frequentemente, em universos diferentes. Um caso paradigmático - e estou a pôr a fasquia muito alta - é o de pilotos e pessoal de bordo. Mas há muitos outros casos, bem menos "glamourosos":
Uma das curtas metragens do filme "Paris je t'aime", intitulada "Loin du 16e" e assinada por Walter Salles et Daniela Thomas, mostra uma jovem de tipo latino a deixar, noite escura, um bebé numa creche. O bebé chora e ela volta para trás. Canta e faz um gesto calmo, quase hipnótico, com as mãos. Sai e apanha vários transportes até chegar a uma bela casa. Está atrasada, e a patroa fica um pouco aborrecida. Pergunta-lhe se pode ficar até mais tarde nesse dia. Ela hesita, mas aquiesce. Veste uma bata e vai trabalhar. A casa parece vazia. De repente, ouve-se um ruído: um bebé a chorar. A jovem parece interdita. Nós ficamos inquietos (talvez alguns se lembrem de "A mão que embala o berço"). Ela olha. Poder-se-ia ler, no seu olhar, alguma repugnância?
Mas a jovem limita-se a erguer a mão. E canta:
«Qué linda manito que tengo yo, qué linda y blanquita que Dios me dio
Qué lindos ojitos que tengo yo, qué lindos y negritos que Dios me dio
Qué linda boquita que tengo yo, qué linda y rojita que Dios me dio»
O nosso arrepio mudou. Já não é o arrepio dos filmes de terror, é o arrepio da compaixão.

2 comentários:

  1. Olá...

    Andava aqui a tentar encontrar algo para comentar e descobri este post que fala de um assunto que eu costumo questionar muito.
    Os filhos são dos pais ou dos professores, educadores e auxiliares?
    Pois, ninguém me consegue dar uma resposta que me convença, por mais incrível que pareça.
    Acho espantoso o alargamento do horário das creches, quem lá trabalha não tem família?
    Talvez tenham mas os pais (se se pode chamar pais) não se lembram desse pormenor, pois o que interessa é poderem ter os filhos ocupados e num sítio onde estejam bem.
    Percebo os pais que não podem mesmo ficar com os filhos, por causa do emprego, como o caso da história que a professora escreveu em cima, mas acredita que as pessoas que não podem estar muito tempo com os filhos são as que fazem tudo por tudo mas arranjar nem que seja 5 minutos.
    Fica aqui a minha opinião, que me desculpem todos os pais que não tem mesmo hipótese de estar mais tempo com os filhos.

    Ana Soraia 10ºB

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  2. Ana Soraia:

    Há uma letra de canção que diz "Quando alguém nasce / Nasce selvagem / Não é / de Ninguém". Estas coisas dizem-se, geralmente, em contextos amorosos, mas também se podem aplicar ao contexto educativo.
    Espero que mais ninguém me leia, mas sempre te digo que há assuntos acerca dos quais pouco podemos fazer. Por muito que tentemos - e tentamos. São eles: escola, sexo e droga. No sentido lato, claro. Infelizmente, por qualquer motivo que não consigo descortinar, muitos (ou pelo menos alguns) jovens decidem ignorar o que lhes dizem os adultos. Os resultados são frequentemente lastimosos.
    A educação dos jovens faz-se por múltiplas vias: a adicionar ao que ouvem na escola e em casa, há o que vêem na escola e em casa. Eu explico: nem sempre os educadores fazem o que pregam. Espero que não seja o teu caso.
    Depois, há a convivência com os colegas. "Mitos urbanos", já ouviste falar? Histórias da carochinha que um pingo de bom senso destruiria em dois segundos, mas em que as pessoas acreditam.
    A televisão. Oh meu Deus, a televisão e os seus modelos completamente ridículos, telenovelas onde as pessoas têm criada, chauffeur e jardineiro mas não dizem "uma para a caixa"?! Pseudo-moralismos? Vidas como NINGUÉM tem? Cantoras, modelos e actrizes, futebolistas e comentadores maquilhadíssimos e produzidíssimos? Videntes? Não, esta é a que mais me escandaliza: tarólogas na t-e-l-e-v-i-s-ã-o?
    E as revistas? A sério, parecem escritas por mentecapto/as. Fazem a(o)s jovens acreditar que "só se": só se tiveres isto, usares aquilo, fizeres aqueloutro és gente.
    Dos filmes, nem me apetece falar. Só quem está feliz feliz feliz apaixonada/o apaixonada/o apaixonada/o (ou em vias de) tem direito à existência.
    Neste cenário, é normal que todos, pais e filhos, se sintam miseráveis. Porque se não derem isto, e mais isto, e mais aquilo e mais aqueloutro - já não são a família ideal! Isto explica também o motivo pelo qual alguns pais passam tanto tempo a trabalhar: a ânsia de ganhar mais e mais dinheiro. Infelizmente, neste cenário de crise, serão casos minoritários.
    Por isso aquele modelo antigo da aldeia inteira para criar uma criança era tão interessante: as pessoas da aldeia eram pessoas verdadeiras, com vidas verdadeiras. Defeitos e qualidades. Às vezes óptimas, outras perversas.
    Mas não eram hologramas, como os que vejo quando ligo a televisão (daí o meu fascínio pela Susan Doyle).
    No fundo, mesmo sem ter consciência disso, é o modelo abrangente da aldeia que as escolas tentam reproduzir, embora de forma menos espontânea e natural. Porque, para nós, isto também é um trabalho.
    Por isso também, CLARO que vocês não são nossos. Nós representamos apenas uma etapa do vosso crescimento. Assim como vocês representam apenas uma pequena parcela da miríade de alunos com que lidamos ao longo da nossa carreira. Mas não te esqueças que, numa escola, há sempre professores ou funcionários em quem podes confiar, junto de quem podes tirar dúvidas ou tratar de problemas de forma confidencial. Assim como o decano da aldeia, estás a ver? Os "Panoramix" cá dos sítios.

    Qanto aos pais, serão sempre, por muitas vicissitudes que tenham, os vossos pais. Por isso é bom que invistam na vossa educação, falem convosco, estejam convosco. Mas que seja "tempo de qualidade", isto é, que estejam mesmo lá e não a fazer um frete. O mesmo para vocês, claro. Tratem-se bem.

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