terça-feira, 26 de outubro de 2010

“Portugal, um retrato social” (I)


Há dois anos, a propósito dos excertos dos documentários de António Barreto e Joana Pontes, “Portugal, um retrato social”, comentei com os alunos de uma das minhas turmas que, quando comecei a trabalhar, nunca pensei vir a ser proprietária de nada. E que só após dois anos de trabalho tinha adquirido um carro em quinta mão, um maravilhoso Fiat 600 que só me deu alegrias.
Estávamos em meados dos anos oitenta e vi Portugal - bem como muitas pessoas à minha volta - mudar muito. Às vezes, enquanto professora, parecia-me que os alunos com que deparava estavam (muito) mais bem vestidos, mas que o nível de conhecimentos não acompanhava essa melhoria, e que o ambiente nas aulas piorava. A minha mãe comentava os lanches exagerados que muitos dos seus alunos levavam para a escola. O parque automóvel português devia ser um dos mais faustosos da Europa. De repente, toda a gente queria viver em moradias ou vivendas (embirro com as palavras, que se me há-de fazer?). Os meus modestos – mas inesquecíveis – inter-rails faziam fraca figura perante os destinos cada vez mais longínquos que muitos portugueses escolhiam.
Os meus alunos ficaram muito escandalizados: carro em sexta mão? Casa arrendada? Ah, mais isso não podia ser. Parecia-lhes um cenário catastrófico. Invivível. Insuportável. E, no entanto, era com isso que eu contava na idade deles. Sem dramas.


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