Que os professores em geral - e os professores de Português em particular - devam ser grandes leitores, parece-me algo muito recomendável. Eu própria fui, em meu tempo, uma grande leitora. Uma daquelas que lê tudo. Li várias vezes todos os livros que havia lá em casa - e havia muitos. Incluindo os menos recomendáveis para a minha idade. Li todos os livros dos meus primos, dos meus amigos e respectivos pais. Ainda hoje sei dizer os livros que eles tinham lá em casa - e que eles próprios desconhecem. Eu, que sou uma pessoa discreta, não considero falta de educação olhar para estantes. Passados dias, meses, anos, sou capaz de dizer a alguém que tem o livro x. É assim. Frequentei com muito proveito essa instituição maravilhosa, intitulada "Bibliotecas itinerantes Calouste Gulbenkian". Pedi livros emprestados a conhecidos e a desconhecidos. E só não roubei livros porque coro com muita facilidade (se bem que, se fosse presa por isso...)
Uma das grandes rupturas da minha vida teve a ver com o facto de começar a trabalhar. Trabalhar é importante, e eu sempre quis ser professora (tive apenas um ligeiro devaneio quando andava na faculdade, e agora ando com dúvidas existenciais. Adiante). A vantagem: passei a ter mais dinheiro para comprar livros. O problema: passei a ter menos tempo para os ler. Apesar de tudo, julgo que ainda me podia considerar uma razoável leitora.
O que me apoquenta é que, agora que eu me posso considerar uma pequena leitora (face ao que fui, face ao que queria ser), vêm dizer-me que tenho de ser uma grande leitora. Essa é a chave para se ser um bom professor de Português (não será a única, afianço-vos. Mas enfim). Pois bem, eu pergunto: com que tempo?
A acreditar na professora Ana Margarida Dias (e eu acredito), uma Biblioteca escolar é um bom observatório. Ora, eu bem vejo a vida das professoras cuja componente não lectiva é trabalho de Biblioteca. Todas nós gostamos de livros, todas somos enérgicas e, no entanto, todas nos queixamos de falta de tempo para ler. Nos últimos anos abdicámos de cada vez mais aspectos da nossa vida pessoal para tentar manter os níveis de exigência laboral a que nos habituámos. Mas, como diria o Sérgio Godinho, é uma batalha perdida (que se trava com ardor). Lemos aos bocadinhos: cinco minutos antes de adormecer, no consultório do dentista, no carro, à espera dos filhos, no comboio. Resta-nos o lastro de leituras antigas: tornamo-nos pequenos, pequenos leitores. Minúsculos, ínfimos, cada vez menos, cada vez menores, até à extinção total.
P.S. Mais uma vez agradeço à equipa da Biblioteca pelo facto de me deixar fazer da porta (azul) o meu muro das lamentações.
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