segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

"O amor acontece"... e os dislates também

No sábado, de telecomando em riste, deparei com uma passagem da comédia romântica "O amor acontece", onde um escritor britânico se apaixona pela sua mulher-a-dias portuguesa. O facto em nada me incomodaria, não se desse o caso de a sequência do filme traçar um quadro devastador de uma suposta realidade nacional.
Conheço vários filmes em que os portugueses - as portuguesas - surgem, e nem todos pelas melhores razões. Um dos meus filmes de animação favoritos, "Belleville rendez-vous", tem como personagem principal Mme Souza, uma porteira coxa, baixa, feia, de óculos, com buço e de puxo. Mas o cliché visual funciona como mero apontamento humorístico, quase um contraponto à excelência "humana" da personagem.

Também no filme "Nada meiga" (em exibição no Bragashopping até dia 20 de Fevereiro) surge uma mãe portuguesa, que fala compulsivamente e em voz muito alta - e mima excessivamente o filho. No entanto, além de haver muitas portuguesas que correspondem a este perfil (muitas gregas, muitas francesas, muitas norteamericanas, muitas italianas, muitas senegalesas), não há uma exploração deliberada de apenas uma faceta de uma nacionalidade.

Já em "O amor acontece", os portugueses parecem todos feios, porcos e tontos. Quando o escritor vem a Portugal pedir Aurélia em casamento, o pai desta, de aspecto miserável, abre-lhe a porta de camisola interior. Acontece. Pior é o diálogo que entabula com a outra filha (feia, gorda, desleixada - mas acontece): boçal até dizer chega. Infelizmente, acontece. Mas alguém acreditaria que uma multidão seguisse os dois até ao restaurante onde Aurélia trabalha, fosse lançando comentários pela rua fora, dissesse tamanha quantidade de disparates?! Não, o que ali temos é um retrato em pseudo-mosaico, um mural, de todo um país, em que a personagem interpretada por Lúcia Moniz seria uma excepção. Por mim, proibiria a exibição do filme em Portugal. Fazer rir com piadas de um nível tão rasteiro releva da pura e simples falta de nível (e de talento).

Esta conversa fez-me lembrar um filme maravilhoso de Mike Leigh, intitulado "Segredos e mentiras", onde estas problemáticas (xenofobia, mas também racismo, diferenças culturais e sociais) são tratadas com uma sensibilidade rara. Se algum vez o virem (no clube de vídeo, na televisão), aproveitem.

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