sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O conceito de panóptico, segundo Olga Pombo (e Michel Foucault)

Transcrevo um texto de Olga Pombo In http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/sociedade%20disciplinar/Pan%C3%B3ptico.htm


«Ao estudar a "Sociedade Disciplinar", Foucault constata que a sua singularidade reside na existência do Desvio diante a Norma. E assim, para "normalizar" o sujeito moderno, foram desenvolvidos mecanismos e dispositivos de vigilância, capazes de interiorizar a culpa e causar no indivíduo remorsos pelos seus actos.
Dentre os dispositivos de vigilância do início do século, podemos destacar o Panóptico, de Jeremy Bentham, um mecanismo arquitectural, utilizado para o domínio da distribuição de corpos em diversificadas superfícies (prisões, manicómios, escolas, fábricas).
Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; não havia nenhum ponto de sombra e, por conseguinte, tudo o que o indivíduo fazia estava exposto ao olhar de um vigilante que observava através de persianas, de postigos semi-cerrados de modo a poder ver tudo sem que ninguém ao contrário pudesse vê-lo.
O panoptismo corresponde à observação total, é a tomada integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo. Ele é vigiado durante todo o tempo, sem que veja o seu observador, nem que saiba em que momento está a ser vigiado. Aí está a finalidade do Panóptico,

...induzir no detido um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento autoritário do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente nos seus efeitos ... que a perfeição do poder tenta tornar inútil a actualidade do seu exercício...

Foucault,(1997),pag:166

Dissociando-se o par ver/ser visto, automatiza-se e desinvidualiza-se o poder.

O Panóptico organiza espaços que permitem ver, sem ser vistos, portanto, uma garantia de ordem. Assim, a vigilância torna-se permanente nos seus efeitos, mesmo que não fosse na sua acção. Mais importante do que vigiar o prisioneiro o tempo inteiro, era que o mesmo se soubesse vigiado. Logo, não era finalidade do Panóptico fazer com que as pessoas fossem punidas, mas que nem tivessem a oportunidade para cometer o mal, pois sentiriam-se mergulhadas, imersas num campo de visibilidade.

Em suma, o Panóptico desfaz a necessidade de combater a violência física com outra violência física, combatendo-a antes, com mecanismos de ordem psicológica.

A essência do Panóptico reside na centralidade da situação de inspecção, ou na construção, sem duvida ficcional, de uma espécie de "inspector central", omnipotente, omnipresente e, principalmente, omnividente.

O Panóptico (...) tem seu principio não tanto numa pessoa como numa certa distribuição concertada dos corpos, das superfícies, das luzes, dos olhares; numa aparelhagem cujos mecanismos internos, produzem a relação na qual se encontram presos os indivíduos (...) Pouco importa, consequentemente, quem exerce o poder. Um indivíduo qualquer, quase tomado ao acaso, pode fazer funcionar a máquina: na falta do director, sua família, os que o cercam, seus amigos, suas visitas, até seus criados (...) Quanto mais numerosos esses observadores anónimos e passageiros, tanto mais aumentam para o prisioneiro o risco de ser surpreendido e a consciência inquieta de ser observado.

Foucault, (1997), pag:167

Quem está submetido a um campo de visibilidade, e sabe disso, retoma por sua conta as limitações do poder; fá-las funcionar espontaneamente sobre si mesmos; inscreve em si a relação de poder na qual ele desempenha simultaneamente os dois papeis: torna-se o princípio da sua própria sujeição.

Foucault, (1997), pag:168

O Panóptico (...) deve ser compreendido como um modelo generalizável de funcionamento; uma maneira de definir as relações de poder com a vida quotidiana dos homens. Bentham sem duvida o apresenta como uma instituição particular, bem fechada em si mesma. muitas vezes se fez dele uma utopia do encarceramento perfeito.

Foucault, (1997), pág:169

Para Bentham, qualquer punição deve ser encarada antes de tudo como espectáculo; importa menos o seu efeito sobre quem é castigado, do que as impressões que recebem todos aqueles que vêem o castigo ou que dele são informados.

Na sua prisão panóptica, ocasionalmente se escutavam gritos horríveis - só que não de prisioneiros, mas de pessoas contratadas exclusivamente para semelhante propósito. A punição aparente, fictícia, produziria um bem para todos - a ordem, a disciplina - ao mesmo tempo que não produzia nenhum mal, exactamente porque o "mal" produzido teria sido forjado.

Todo o Panóptico, na verdade, é estruturado como uma ficção. É precisamente a aparente omnipresença do inspector que sustenta a perfeita disciplina no Panóptico, controlando os movimentos de transgressão entre os internos. Entretanto, como a omnipresença não pode ser um atributo humano, resta forjá-la, simulá-la, quer por rondas aleatórias, quer pela arquitectura do lugar, que permite a cada um dentro das celas ser facilmente visto, ao mesmo tempo em que dificilmente vê quem o vê.

Em última análise, o inspector perfeito, o inspector omnipresente, é aquele que nunca aparece - mas que pode aparecer a qualquer instante. O inspector perfeito é, enfim, uma voz, um olho, um ofício carimbado, uma sombra indistinta no fundo do corredor.

Neste tipo de instituições, nós somos vistos, ou pensamos que somos vistos, sem vermos aquele que vê, nós escutamos uma voz, sem vermos o dono da voz. O Panóptico deve ser governado por um olhar e por uma voz desconectados do seu portador. O inspector torna-se, então, uma espécie de fantasma. Em última instância, é uma entidade de ficção - ele não existe. Justamente por isto, ele pode provocar um medo superior ao de um guarda real, por mais cruel que esse guarda fosse.

A utopia panóptica - em si mesma uma obra de ficção - gerou outras tantas obras de ficção. Muitos livros tematizaram o Panóptico, em geral para repudiá-lo, ou exorcizá-lo. Dentre eles, o romance mais conhecido é 1984, de George Orwell, em que a figura omnipresente e omnividente (entretanto inexistente) do inspector geral toma a forma do Big Brother, enfim, de um grande olho que pode ver todos os recantos. Orwell escreveu-o em 1948, invertendo os dois últimos algarismos para situar a sua utopia negativa.

O esquema Panóptico pode ser utilizado sempre que se deseja impor uma tarefa ou um comportamento a uma multiplicidade de indivíduos.

O Panóptico (...) permite aperfeiçoar o exercício do poder. E isto de várias, maneiras: porque pode reduzir o número dos que o exercem, ao mesmo tempo que multiplica o número daqueles sobre os quais é exercido (...) Sua força é nunca intervir, é se exercer espontaneamente e sem ruído (...) Vigiar todas as dependências onde se quer manter o domínio e o controle. Mesmo quando não há realmente quem, assista do outro lado, o controle é exercido. O importante é (...) que as pessoas se encontrem presas numa situação e poder de que elas mesmas são as portadoras (...) o essencial é que elas se saibam vigiadas.

Foucault, (1997), pág: 170»

 

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