quinta-feira, 28 de abril de 2011

Furto na ESVV

No penúltimo dia de aulas, eu e Cláudia desencaixotámos o material da falecida sala C1, limpámos e arrumámos os armários e, no fim, colocámos nas paredes posters que nos foram oferecidos por "Offices de tourisme" franceses. Ficámos cansadas, mas contentes. Ontem (segundo dia de aulas) tivemos novamente aulas na sala M9. Mas já faltavam dois posters.
Eu sei que eles são lindos. Eu sei que eles "falam" francês. Mas são nossos: fomos nós que redigimos as cartas, que as mandámos para França e que ficámos ansiosamente à espera de resposta - e olhem que nem sempre nos responderam. Fomos nós que pedimos Blutak à sra. D. Maria da Paz, que pensámos onde havíamos de os colocar, que tentámos fazer dos contentores um local mais agradável para trabalhar. Por isso, vimos por este meio pedir que os furtados posters - novos e franceses - os ponham na sala M9. Para que não aconteça como no famoso poema de Nicolau Tolentino:




«O colchão dentro do toucado

Chaves na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé na casa, a mãe ordena,
Que o furtado colchão, fofo e de pena,
A filha o ponha ali, ou a criada.


A filha, moça esbelta e aperaltada,
Lhe diz co'a doce voz que o ar serena:
"Sumiu-lhe o colchão, é forte pena;
Olhe não lhe fique a casa arruinada."


"Tu respondes-me assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos?" E dizendo isto,


Arremete-lhe à cara e ao penteado;
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado.

Relatório & contas



Amanhã não haverá nada para dizer, pois tenho de fazer uma vigilância. Não faz mal: andava com complexos de culpa por não ter dito nada acerca do dia 26 de Abril, data em que se lamenta a morte de Mário de Sá-Carneiro. Assim, faço os meus avisos à navegação, redimo-me e deixo-vos um seu poema, esplendidamente musicado e interpretado por Adriana Calcanhoto. Quanto a mim, uma boa versão: gosto da forma como as sílabas se prolongam até ao limite do sustentável.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Uma história de amor e de trevas

Mas, antes de A máquina de fazer espanhóis (menor e menos pesado, por isso mais apropriado ao tempo de aulas), li Uma história de amor e de trevas. Eu, que sempre me queixei de não perceber o conflito israelo-árabe (senão nos traços gerais), fiquei com uma visão muito mais nítida desta eterna pedra  do sapato da paz mundial. Fiquei também a conhecer o escritor Amos Oz, a sua história e a da sua família. Já percebi que não descanso enquanto não pedir emprestados mais livros dele. Para tão longas leituras tão curta a vida...

O prazer de (re)ler

Apesar de estar muito estremunhada (comecei a ler A máquina de fazer espanhóis e tive dificuldade em parar), ao chegar à escola lembrei-me imediatamente que não tinha falado das nossas iniciativas (mais concretamente: das iniciativas da Ana Margarida Dias) da última semana de aulas. Foi graças a elas que tive o prazer de reler O meu pé de laranja lima, de ouvir professores e alunos a ler passagens de livros da colecção «Braga, cidade bimilenar» e de ler quase todo o Principezinho aos meus alunos de sétimo ano de escolaridade. Achei muito engraçada a forma como os livros andavam de mão em mão, como as pombinhas da Cat(a)rina.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Um castigo na biblioteca



Durante as fé... a interrupção, pensei muitas vezes que tinha deixado o blogue suspenso num comentário algo desagradável. A verdade é que o segundo e terceiro parágrafos de «Os alunos gostam da Biblioteca, a Biblioteca é que nem sempre gosta deles» espelham uma situação excepcional, um castigo na Biblioteca. E, embora saiba que a minha opinião não é consensual, discordo de castigos que envolvam livros e Bibliotecas. Com efeito, para além da associação a algo desagradável, o castigo é para quem está na Biblioteca e não para quem o passa ou para quem o sofre.

Como canta José Afonso nesta canção, à Biblioteca «Seja bem-vindo quem vier por bem».

O 25

REVOLUÇÃO

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta


Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício


Como voz do mar
Interior de um povo


Como página em branco
Onde o poema emerge


Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação
 
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Os alunos gostam da biblioteca, a biblioteca é que nem sempre gosta deles

Hoje, como sempre na última semana de aulas, a Biblioteca está um inferno: entram alunos às revoadas para requisitar filmes, "fazer" trabalhos, imprimi-los. Tudo muito depressa, muito depressa, que é para entregar ao (à) professor(a). Muito depressa, muito depressa, muito na última, muito na última.
A (sra.) D. Lúcia é "Ó dona" ou nem isso. Os pedidos são ordens: «Dê-me (ou "deia-me") a fita-cola».; «Quero imprimir, venha cá». As vozes são altas e alteradas. Ouvimos histórias que preferíamos não saber. Réplicas ásperas, grosseiras, boçais. Palavrões proferidos com ligeireza.
Tento alhear-me. É o mundo em que vivem e, aparentemente, não conseguimos explicar-lhes que podem fazer o que quiserem com a vida privada, mas que a escola, como mais tarde o trabalho e parte da vida social, tem outras regras. Tenho pena dos jovens - não todos, felizmente - a quem a escola e a família não conseguem, em conjunto, incutir códigos e comportamentos conforme o local em que se encontram e conforme os interlocutores.

Um carro perfeito

Adoro Fiat 500, talvez porque tive em tempos um Fiat 600 lindíssimo. Na quarta-feira, logo à saída da escola, ia um à minha frente. Fiquei encantada: era novinho, branco, brilhava ao sol. Perdi-o no entroncamento e só voltei a vê-lo, já parado, na variante. Ao passar, o vidro abriu-se e uma mão manicurada estendeu-se. Olhei, a ver se alguém estava em dificuldades. Mas não: era só para deitar um lenço de papel no chão.

A escola não serve para nada!

Trancrevo, sem mais comentários, este texto de Nuno Crato, publicado no Expresso de 2/4/2011 com o título «Heroínas dos Tsunamis»


«Não há registo de algo semelhante se ter passado no maremoto que há semanas devastou o Japão; mas quando o tsunami de dezembro de 2004 varreu as costas do Índico, houve uma jovem de 10 anos que salvou centenas de pessoas. Chamava-se Tilly Smith, tinha vindo de Oxshott, nos arredores de Londres e estava numa praia da Tailândia, em férias com os pais. Viu o mar esvaziar-se e os barcos agitarem-se nas águas, que se afundavam. Percebeu, pelo que tinha aprendido na escola, que esse movimento prenunciava o avanço de uma onda gigantesca. Avisou os pais, avisou todos os que estavam próximos e fê-los recuar a zona segura. salvou muitas vidas.
Passados anos, em setembro de 2009, passou-se algo semelhante no Pacífico. Uma jovem neo-zelandesa chamada Abby Wutzler, também com 10 anos, proveniente de Welligton, uma cidade tão acidentada que faz as colinas de Lisboa parecerem uma planície alentejana, defrontou-se com um recuo do mar numa praia de Samoa, onde estava de férias. Avisou os pais, avisou os turistas que se encontravam perto e de novo salvou muitas vidas.
Na altura, achei estas histórias curiosas. Mas o filósofo Fernando Savater, que recentemente esteve entre nós numa conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, fez-me ver as coisas de outra maneira. Estas jovens são heroínas do conhecimento, explicou. Elas viviam em zonas onde a identificação de tsunamis é virtualmente inútil. Mas usaram uma sabedoria que nunca sonharam poder vir a ter utilidade prática. E usaram-na por uma única razão: por que a tinham adquirido.
Fernando Savater falava sobre «O Valor de Educar, o Valor de Instruir» e usou estas histórias para mostrar como as aplicações do que se aprende são, muitas vezes, inesperadas. Se as jovens se tivessem recusado a estudar tudo o que se relaciona com tsunamis, pois são fenómenos que não as afectam nas suas localidades, jamais teriam tido possibilidade de salvarem a sua vida e a de outros.
Esta história deveria ser contada em todas as escolas. Sabemos como, muitas vezes, os alunos protestam contra a pretensa falta de utilidade do que aprendem; (...) Mas há muito conhecimento que não tem utilidade prática imediata e não podemos limitar o ensino por esse espartilho. Quando os alunos protestam dizendo que não vêm utilidade no que aprendem, estão na realidade a protestar por não estarem a perceber as matérias em causa. Quantas vezes nos deleitamos com conhecimentos aparentemente inúteis, mas que nos fascinam?As ideias antiquadas de Spencer e dos seus seguidores continuam a perverter o sentido do ensino. Na escola e na vida, o saber deve valer por si. Mesmo que a sua aplicabilidade seja tão remota como a de jovens de 10 anos salvarem a família de um tsunami.»

terça-feira, 5 de abril de 2011

Uma mulher singular

A verdadeira Séraphine de Senlis:




Do que vi do filme, impressionaram-me duas coisas: a ligação visceral de Séraphine à natureza, encarnada não apenas na árvore (de que não possuo fotografia ilustrativa), mas também na forma como faz as suas próprias tintas; e a entrega com que Yolande Moreau interpreta esta mulher fisicamente alheia a qualquer forma de beleza e requinte. Tudo isto sem histrionismos.

Uma árvore singular

O poema de Giánnis Ritso tem estranhas reverberações, como esse meio-dia que dura o dia inteiro, como esse sol que inunda o texto antes de nos inundar a nós, como esse obrigado que perdura no tempo. Como essa mãos queridas. Como a vontade de plantar milhares de árvores.
Mas gostaria de lhes falar de uma árvore que vi num filme que não vi (refiro-me a "Séraphine", que passou na RTP2 num Sábado muito cansativo).

Séraphine, essa pintora francesa improvável e perturbada, tinha por hábito colocar-se debaixo dessa árvore que, por si só, é um poema.



A árvore do dia

MEIO DIA



O sol aqui não brinca – furioso sol, omnipotente,
com suas sobrancelhas unidas, seu queixo quadrado,
com seu tronco peludo nu até ao mar.



Um mês, dois meses, muitos meses –
contámo-los carregando ao ombro a pedra e o medo,
dando estalos com o nó dos dedos no bojo do cântaro
para escutar o som da água
como escutamos por detrás da porta a voz da mulher
como escuta a mulher a voz até da mais pequenina estrela
como escuta a estrela o balido do entardecer.



O meio dia é sempre muito grande
como um Domingo no campo sem crianças
– de manhã à noite dura o meio dia.



Se tivéssemos menos sede não pensaríamos nisso,
se houvesse uma árvore numa encosta ou no cume da ilha,
se houvesse um punhado de sombra, menos amargor, menos injustiça.



Não recordamos a forma da árvore – será acaso
como uma grande bandeira de água?
será como um obrigado que alguma vez te disseram?
será como uma mão querida que encontra a tua mão?



Depois de amanhã plantaremos milhares de árvores.



Giánnis Ritsos

sexta-feira, 1 de abril de 2011

GPS para o acordo ortográfico

Na quarta-feira assisti, conjuntamente com professores e funcionários da ESVV, a uma sessão acerca do acordo ortográfico. Intervieram os professores de Português Ana Paula Matos, Ivone Cunha e Custódio Braga. Embora de curta duração (apenas uma hora), a sessão foi muito esclarecedora. Não me pareceu que ninguém tivesse ficado dúvidas (talvez nos hífens), mas ficámos todos a saber que, se tivéssemos dificuldades, podíamos consultar os seguintes sítios:

http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=acordo

http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=lince

Como combater as profecias auto-realizáveis

Ainda mal tinha chegado a esta escola de alunos mais velhos do que ela, e já a P. C. dava um exemplo de organização: sem que ninguém lhe tivesse dito nada, imprimiu os conteúdos do teste, deixou espaço para exemplos e ainda se ofereceu para dar cópias aos colegas.

Profecias auto-realizáveis

Nas minha aulas de Francês, deparo frequentemente com este fenómeno. A C., por exemplo, entrou na minha primeira aula a dizer que não gostava de Francês. O C., o F. e o D. fazem questão de não estar atentos nas aulas. Depois, se tirarem negativas, está tudo explicado: não tiram positiva porque não querem.
Sem querer cair na psicologia de meia-tigela, a mim parece-me isto tudo um disparate. Pois se estão na escola e podem aprender alguma coisa (seja ela qual for: matemática, cerâmica, geografia, ciências, química) por que motivo não aprendem? Se já agora parecem lidar mal com o fracasso (porque, digam o que disserem, esta é uma forma camuflada de dizerem que não são capazes), o que não sucederá mais tarde, quando confrontados com a sua ignorância (em tempos de escolaridade obrigatória)?

A árvore do dia

A árvore do dia foi-me enviada ontem à noite pelo meu centro de recursos. Acerta sempre: nos presentes, nos poemas, no tom e em tudo o mais. Acontece que eu estou adoentada e, por isso, levei a noite a ler Uma questão de beleza, de Zadie Smith. Estava a achar tudo aquilo muito familiar, quando me lembrei de Howards End, de E.M. Forster. É mesmo isso. E de repente tive uma imensa nostalgia dos tempos em que não precisava de insónias para ler.
E qual é a ligação com o poema que me enviou o meu centro de recusos? Literatura de língua inglesa, em que eu já fui relativamente versada. D.H. Lawrence, que me deu tanto prazer ler...
Ei-lo, o poema:

«DA JANELA DO COLÉGIO

O esplendor das tílias pesadas de sol e adormecidas
Chega até mim, vacilante, e sobe a parede do Colégio.
Em baixo, o relvado, sob a sombra azul e suave, mantém
A espuma silenciosa das margaridas em amena escravidão.


Para lá das suas folhas suspensas sobre a rua,
Na calçada de lajes varridas e de um branco estival,
Há a multidão que com sombras a seus pés
Caminha de um lado para o outro.


Distante, ainda que oiça a tosse do pedinte,
Vejo os dedos cintilantes da mulher a dar-lhe uma esmola.
Estou sentado, sem culpa e certo de ser para mim melhor
Ficar longe de um mundo a que nunca me hei-de juntar.»

 Um poema tão estival, tão apropriado a este tempo... tenho de me pôr boa.