O livro da comunidade de leitores de hoje é um texto breve, para uma comunidade diminuta, cuja duração se prevê curta. E está muito bem, dado que se trata do famosíssimo, enigmatíssimo (?) e influentíssimo
Bartleby é o nome de um escrivão, ou copista, cuja frase emblemática constitui uma espécie de graça privada para iniciados: «Preferia não o fazer.». De um ponto de vista literal, podíamos encontrar nesta novela um daqueles funcionários que, obedecendo escrupulosamente aos constrangimentos exteriores do seu trabalho (cumprir horários, por exemplo), na verdade não cumprem o seu conteúdo funcional. Lembro-me sempre com irritação daquelas mensagens electrónicas enviadas por organismos públicos ao fim-de-semana, ou de madrugada...
Mas é a redução ao absurdo, a apatia, a abulia de Bartleby que tornou este livro tão conhecido. Até é natural que em 1853 - data em que foi publicado - a novela tenha deixado o público norteamericano indiferente. No entanto, além de ser um espécie de precursor de Kafka, esta obra de Herman Melville (também autor da ainda mais famosa Moby Dick), influenciou directamente outros escritores: o primeiro livro de Henrique Vila-Matas que li, e que me deixou fascinada (um livro sobre livros, haverá melhor?): Bartleby & companhia,
o protagonista de A vida modo de usar, de Georges Perec (um dos livros da minha vida): Bartlebooth.
Mas não só: há, na obra de Perec, outras personagens cujas obsessões fazem lembrar grandemente o copista melancólico.
Porque Bartleby, mais do que um copista, fora um leitor de cartas extraviadas e, por isso, destinadas à destruição (assim como em La vie mode d'emploi há uma personagem cujo labor consiste em salvar palavras eliminadas dos dicionários): palavras nunca lidas pelos seus destinatários.
Haverá pior destino do que conviver com todos esses restos de vidas desperdiçadas?