segunda-feira, 15 de junho de 2009

Quem ganhará a guerra na Palestina?


Na sexta-feira passada tinha decidido ir ver o filme Valsa com Bashir, mas atrasei-me "imenso" e quase desisti, até porque tenciono comprar o DVD. Não vi os primeiros vinte minutos, mas não dei o tempo por perdido. Nada substitui a atenção unicamente focada num filme que uma sala de cinema proporciona.
Valsa com Bashir é um filme de animação impressionante, em que (notem que não vi o início, posso estar enganada) um soldado israelita que participou na invasão do Líbano tenta reencontrar a memória perdida. Para tal, entrevista outros participantes (militares, um jornalista) e conversa com uma psiquiatra para tentar reconstituir uma vivência que não consegue recordar.
É curioso este mecanismo de transposição para banda desenhada ou animação (já aqui falámos de Maus e Persepolis) de acontecimentos históricos traumáticos. Em Valsa com Bashir o artifício parece ainda mais evidente, dado que as entrevistas parecem "desenhadas" sobre os movimentos dos entrevistados.
A pergunta que se coloca é: o que será mais eficaz, documentários, imagens reais ou banda desenhada, animação, livros, filmes? Não sei, apenas posso falar da minha própria experiência: o conflito israelo-árabe sempre foi uma nebulosa para mim. Sempre povoou os jornais e noticiários da minha vida, e sempre representou uma incógnita. Aliás, fiz algumas tentativas de compreensão, mais ou menos goradas, com recurso a livros e revistas de História.
O que posso dizer é que, lendo filmes como Valsa com Bashir, Intervenção Divina ou lendo livros como L'Immeuble de Mathilde (um livro de Hassan Daoud que narra a invasão do Líbano "vista" através das mutações por que passa um prédio de Beiruth), fiquei mais ciente dos danos (nada colaterais) que o conflito no Médio Oriente representa. Um conflito que parece insanável, incompreensível, sem fim à vista.
O que me parece é que certas narrativas, fílmicas (lembro-me, por exemplo, de As tartarugas também voam), literárias ou artísticas são extraordinariamente eficazes para evocarem o sofrimento real a que seres humanos reais são sujeitos.
Porque apresentadas do ponto de vista de sujeitos (narradores) particulares, e não como imagens de uma guerra longínqua (em que os "rockets" não são imagens vagamente apercebidas no telejornal, mas pontos de luz que permitem às milícias exterminar famílias inteiras à noite), estes relatos ficcionais (ou reais, mas desenhados) são integrados no imaginário colectivo como verdadeiros.
Pena é que, enquanto acontecem (como sucedeu com o genocídio no Rwanda) não haja intervenção em tempo útil. Ou seja, toda a informação é pouca, e alguma só nos chega tarde demais. Eficaz, eficaz, verdadeiramente eficaz, seria evitar que estas coisas acontecessem.
Dezanove anos, tinha o soldado que nos assume a narração de Valsa com Bashir. Menos anos do que alguns kamikazes que se imolam nas inúmeras guerras que assolam o planeta neste início do século XXI. Há quem, desde cedo, se recuse a entrar em guerras (vejam-se os portugueses que se exilaram para não participar na gerra colonial), há quem vá e volte com a sua memória (Lobo Antunes, Assis Pacheco, Manuel Alegre), há quem vá e nunca se questione.
Sorte a nossa, que apenas nos sentamos numa sala de cinema às escuras, deitamos uma lágrima furtiva e depois vamos jantar. Mas o que aprendemos, o que aprende realmente a humanidade com tudo isto?
Razão tinha Bertold Brecht, num texto dito há dias pelo Sindicato da Poesia no Museu Nogueira da Silva em Braga:
Perguntas de um Operário Letrado
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu?
Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros?
A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo.
Quem os ergueu?
Sobre quem
Triunfaram os Césares?
A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes?
Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou.
E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas

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