segunda-feira, 20 de julho de 2009

"Home - lar doce lar"


Por uma vez sem exemplo, venho falar-lhes de um filme que ainda não estreou em Braga, "HOME - lar doce lar", um filme de Ursula Meier protagonizado por Isabelle Huppert e Olivier Gourmet. Seria injusto não referir os outros três jovens actores, que são igualmente maravilhosos. Não sei bem porquê, este filme faz-me lembrar um livro do Cormac McCarthy, A Estrada. Digo não sei bem porquê, porque A Estrada passa-se num tempo e num espaço indeterminados, em que todas as referências a um planeta organizado tal como o conhecemos desapareceram. Em "HOME", pelo contrário, é-nos contada a história de uma família que tem de conviver com as mesmas regras sociais que nós. São, talvez, inadaptados. Mas talvez eu também seja, e tu, e tu, e tu, e tu...
A inadaptação desta família radica talvez, apenas, no local que escolheu para viver: um troço de auto-estrada não concluído. A mãe não trabalha, a filha do meio tem problemas de auto-imagem. O pai e a filha mais velha passam o dia de cigarro pendurado no canto da boca... Mas tudo tem uma certa ordem, a casa é acolhedora, os banhos são um momento de descontracção, a televisão vê-se em conjunto, riem-se e divertem-se juntos.
O momento em que a auto-estrada é inaugurada - como vocês, eu e todos os que vêem o filme esperavam - marca a passagem de um filme familiar para um filme de terror. De repente, tudo o que era harmonioso e tranquilo passa a ser inquietante. As personagens debatem-se, tentam lutar para manter a normalidade. São notáveis os momentos em que o pai compra a arca-congeladora e enceta uma dança triunfal (já o vi noutros filmes, considero-o um excelente actor, mas nunca o tinha visto num registo tão físico, tão descontraído); quando a filha que ouve música satânica no meio de nenhures se transforma, involuntariamente, numa Lolita; em que a mãe e os dois filhos mais novos saem no meio de um engarrafamento para fazer um pique-nique.
A mãe, Isabelle Huppert, parece um canário no fundo de uma mina. Sabiam que os mineiros usavam canários para dar o alarme se o ar rareasse nas minas? Ela é assim. É a primeira a alarmar-se, a primeira a dar sinais de desnorte (o filme é realmente inquietante. E não tão distante de uma realidade como a minha, por exemplo, que vivo numa rua extremamente movimentada), a primeira a perder a saúde mental. Mas é também ela a primeira a dar-se conta de que estão à beira do suicídio colectivo, quem destrói as barreiras de protecção do casulo que o pai construiu e abre, de novo, o horizonte que a família perdeu.
Este texto fica muito, muito aquém do que o filme é. Vejam-no. Vão rir-se, vão achá-lo divertido e - como diria o Júlio Machado Vaz - "ternurento". Vão inquietar-se, mexer-se na cadeira. Ter medo, ter esperança. Rir outra vez, sentir alívio. Preocupar-se. Suspirar. Sentir uma súbita falta de ar. Calor. No fim, respirarão outra vez, mas olharão para a vossa realidade, seja ela qual for, com outros olhos.

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