terça-feira, 22 de março de 2011

Relatório & contas

Pensaram que eu não tinha feito nada na sexta? Pensaram? Pois enganam-se. Pensei em viagens. Em bom rigor, também escrevi o texto - insuficiente, dado que a Ana Margarida Dias e a Alexandra Amador tiveram de o completar .- para a exposição "Lugares de turismo nos inícios do século XX", patente de 24 de Março a 8 de Abril na Biblioteca Municipal de Vila Verde.



«O conceito de viagem associado ao lazer é uma invenção recente. Apesar da denominação francesa (“Grand tour”), ele surge na Inglaterra de Setecentos, consistindo numa longa jornada, no decurso da qual os jovens aristocratas ingleses contactavam com a cultura clássica e conheciam outros nobres, em suma: se educavam. Com o passar do tempo, o “Grand tour” - cada vez mais t(o)urismo e cada vez menos “Grand tour” - deixou de ser feito apenas por nobres abastados, para passar a ser efectuado por cada vez mais camadas sociais. Nem todos os grandes viajantes da época se limitaram à França, à Itália ou à Grécia. Alguns, por diversas razões, incluíram Portugal no seu roteiro. Talvez os mais famosos tenham sido os ingleses William Beresford (1797-1883) e George Gordon Byron, o poeta (1788-1824). Embora tenham considerado Sintra belíssima, ambos retratam Portugal como um país atrasado e sujo, depauperado por uma elite com a mania das grandezas. José Saramago, que os leu, disseminou alguns desses considerandos em Memorial do convento. Com a construção dos grandes paquetes, e a consequente facilidade e rapidez das deslocações, Portugal (sobretudo a Madeira) passou a fazer parte das rotas internacionais. Lembremos, a esse respeito, a estada da Imperatriz da Áustria na Madeira, que deu origem ao livro A corte do Norte, de Agustina Bessa-Luís.


À semelhança de Sissi, os portugueses de finais do século XIX e início do século XX realizavam viagens com fins terapêuticos, sendo as termas e as praias os destinos mais apreciados. Menos frequentes, mas incentivadas pela publicação de guias para viajantes, são as viagens tendo por objectivo conhecer o país, a sua cultura, as suas cidades, a sua “beleza natural”, os seus habitantes, os seus costumes – as quais, a partir de dado momento, respondiam a intentos de propaganda.

A exposição que agora apresentamos é constituída por uma colecção de postais de uma família lisboeta republicana e abastada. De certa forma, é uma versão simultaneamente reduzida (porque monotemática) e ampliada (dada a quantidade de documentos) da História da vida privada. Um dos seus interesses maiores assenta nos textos, onde podemos ler as preocupações, os comentários, as anedotas e até o estilo e a ortografia de viandantes de outra época – constituindo, assim, tal como as ilustrações de locais que conhecemos, uma viagem no tempo. Apreciemos, por último, a materialidade dos postais e recortes, uns colorizados, todos amarelecidos pelo tempo, uns escritos numa caligrafia longilínea, outros impressos em caracteres tipográficas em desuso; a linguagem publicitária e o estilo coloquial de quem escreve para os amigos ou para a família; o grafismo da época, limitado às técnicas tipográficas e reprodutivas disponíveis; o uso recorrente de estrangeirismos; a originalidade dos carimbos; as tarifas praticadas…»

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