Quase
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Mário de Sá-Carneiro
Vou moralizar... posso? Só um bocadinho...
Parafraseando os meus alunos: "É assim:"
Este poema é um tanto derrotista. Lindíssimo, mas derrotista. Dedico-o aos meus alunos. Leiam-no agora. Pensem-no. Meditem-no. E contrariem-no. Como? Trabalhando, empenhando-se. Pensando que o futuro se "joga" agora, na escola, no que se faz - como no que não se faz. Não pensem na utilidade imediata do que aprendem, empenhem-se como se disso dependesse o vosso futuro. E pode depender...
Trabalhem. Se agora forem preguiçosos, toda a vida o trabalho vos pesará. Sejam laboriosos. Esforcem-se. Ultrapassem-se.
Como? Contrariem o (belo) poema de Sá-Carneiro com um ainda melhor de Fernando Pessoa:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis, 14-2-1933
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