Na penúltima Comunidade de leitores, em que se debateu a novela E se for rapariga chama-se Custódia, de Luís de Sttau Monteiro, a Laurentina leu-nos o seguinte texto. Estava há muito prometido que, "com a devida vénia", o publicaria aqui. Ei-lo, então:
Que circunstâncias levam dois
homens a revelarem o que de mais íntimo têm em si, que circunstâncias
determinam que dois homens procurem ultrapassar os seus medos, procurarem
libertar-se da solidão que os oprime...?
O Mais Velho e o Mais Novo são dois
homens que, numa noite na prisão revivem memórias num diálogo acompanhado pela
noite e pela solidão.
Comentário:
“A derrota, pensou o mais novo, seria
aceitável se deixasse um homem sem futuro – o futuro constrói-se, falseia-se –
mas deixa um homem sem passado.”
Falecido em 1993 com sessenta e
sete anos e tendo sido perseguido pela censura da ditadura salazarista, Sttau
Monteiro escreveu pouco. Foi essencialmente dramaturgo, tendo como obra-prima
essa magnífica peça de teatro, Felizmente Há Luar. No que respeita à prosa de
ficção escreveu e publicou apenas quatro obras, sendo uma delas, de 1966, este
E Se For Rapariga Chama-se Custódia.
Trata-se de um relato
impressionante de uma conversa entre dois homens, na prisão. Um diálogo que é
confissão, desabafo, libertação.
É na prisão que estes homens
encontram a paz suficiente para pensar e conversar; no campo o trabalho não
lhes deixa tempo para tais devaneios. Mas aqui, entre quatro paredes, o
pensamento acarreta a solidão; é por isso que a noite cai sobre eles.
O tom poético da escrita de Sttau
Monteiro é encantador para quem lê e reforça o ambiente de doce solidão que os
envolve. Porque só nessa solidão podem vir ao de cima os sentimentos.
O quadro é sóbrio e cheio de
intensidade dramática; é uma espécie de microcosmos desse universo fascista
castrador, aterrorizador, numa realidade de opressão escondida, velada, sofrida
na sombra. É neste quadro sombrio e ao mesmo tempo poético que vai emergindo um
amor, primeiro nebuloso depois triunfal por Custódia.
A prosa de Sttau Monteiro é
também expressão de um profundo humanismo na forma como os homens confessam as
suas fraquezas e limitações.
E o valor da solidariedade: Um
homem não vive só como um chaparro velho num montado: basta-lhe estender a mão.
Custódia é muito mais que
memória; é sonho, futuro e… liberdade. Mas é também memória; uma memória
avassaladora, por vezes doentia, perante a qual o discurso de desabafo do “mais
velho” funciona como uma catarse e, ao mesmo, redenção de um passado doloroso.
No entanto, nas memórias do mais velho mistura-se a dor com a esperança. E
há-de ser com esperança que o livro há-de terminar, porque como escrevera
Manuel Alegre um ano antes, Mesmo na noite mais triste / em tempo de servidão /
há sempre alguém que resiste / há sempre alguém que diz não.»
In:
http://aminhaestante.blogspot.pt/2013/09/e-se-for-rapariga-chama-se-custodia.html
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